A Conferência do Clima da ONU (COP28), inaugurada em Dubai no último dia 30 de novembro para debater a agenda da transição energética rumo a uma economia verde para conter o aquecimento global, mal começou e já está chamando a atenção por uma constatação sombria.

O ciclo de inflação e juros elevados pós-pandemia no mundo aumentou o abismo entre as propostas de políticas públicas e iniciativas verdes e os custos elevadíssimos para fazer a transição para a descarbonização da economia global.

Alguns estudos apresentados na primeira semana do encontro anual, que vai até dia 12, deixaram de cabelos em pé boa parte dos 70 mil participantes, entre representantes de governos, ONGs, órgãos multilaterais, empresas e fundos de investimentos envolvidos nos debates.

Um relatório elaborado por um grupo de 30 especialistas em finanças climáticas e apresentado pelo economista britânico Nicholas Stern, professor da London School of Economics (LSE), por exemplo, concluiu que as nações ricas e os países em desenvolvimento (excluindo a China) precisam gastar cerca de US$ 2,4 trilhões por ano em energia limpa até 2030 – um nível de investimento quatro vezes superior ao atual.

Outro estudo, preparado sob supervisão do pesquisador Jean Pisani-Ferry para o governo francês e divulgado no mês passado, aponta que a descarbonização exigirá investimentos adicionais significativos da União Europeia na próxima década - mais de 2 pontos percentuais do PIB do bloco europeu em 2030, ou 70 bilhões de euros, em comparação com um cenário sem ação climática.

Até o Brasil apresentou uma previsão preocupante na COP28. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgado na segunda-feira, 4, estima que a transição do setor industrial brasileiro para uma economia de baixo carbono deve custar cerca de R$ 40 bilhões até 2050.

De acordo com a CNI, “o elevado custo de capital no País, combinado com os gargalos estruturais, encarece os investimentos em novas tecnologias e processos de produção mais limpos”.

Pauta ESG na mira

O tamanho da conta da transição verde já tinha chamado a atenção de grandes empresas e fundos de investimentos dos países ricos, que vinham aportando grande volume de capital em projetos sustentáveis.

Após acumular prejuízos bilionários, muitos desses agentes passaram a revisar seus portfólios alinhados à pauta ESG (sigla em inglês que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) por pressões de acionistas e investidores.

Levantamento da consultoria Morningstar indica que, no ano passado, os investidores retiraram mais de US$ 14 bilhões de fundos sustentáveis ​​dos Estados Unidos, incluindo US$ 2,7 bilhões no trimestre até ao final de setembro.

Essa onda anti-ESG foi sentida até pela BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, com US$ 9,1 trilhões sob gestão. Em 2020, o seu presidente-executivo, Larry Fink, decidiu apostar alto na transição para uma economia de baixo carbono, estimulando investimentos verdes e adotando uma postura considerada radical para o padrão de Wall Street.

Três anos depois, após uma série de contratempos, Fink continua apoiando a causa, mas a ênfase quando fala sobre sustentabilidade e questões sociais mudou. A BlackRock está mais cautelosa e apoiou apenas 7% das propostas ambientais e sociais nas reuniões anuais das empresas na temporada de procuração de 2023, abaixo dos 47% de dois anos antes.

A reviravolta ganhou tração após a onda ESG invadir um dos setores mais resistentes da economia americana, o do petróleo. Em 2021, o fundo de hedge start-up Engine No 1 ganhou três assentos no conselho da ExxonMobil, argumentando que o gigante da energia precisava de fazer mais para diversificar, afastando-se do petróleo e do gás.

A BlackRock, que detém quase 7% das ações da Exxon, apoiou a campanha. Não demorou para o governo do Texas, estado produtor de petróleo e controlado pelos republicanos, começar a elaborar uma lista de boicote contra empresas financeiras que considerava hostis aos combustíveis fósseis.

Desde então, o apoio dos investidores às propostas ambientais e sociais de empresas caiu drasticamente em vários países, o que levou grupos financeiros proeminentes, incluindo Allianz, Lloyd’s e Vanguard, a retiraram-se da Aliança Financeira de Glasgow para Zero Emissões Líquidas (GFANZ) - uma aliança global que reúne iniciativas financeiras de todo o mundo comprometidas com a meta de zero emissões líquidas de carbono.

A ofensiva anti-ESG foi incorporada por outros estados republicanos nos EUA. No final de 2022, anunciaram planos para retirar mais de US$ 3 bilhões dos fundos da BlackRock.

A gestora sentiu o golpe: no mês passado, quando a BlackRock investiu US$ 550 milhões num dos maiores projetos de captura de carbono do mundo, no Texas, Fink concentrou-se no potencial de ganhar dinheiro e não na sua contribuição para o bem-estar do planeta.

Subsídios e investimento

O impacto causado pelo ciclo de inflação e juros altos pós-pandemia no Primeiro Mundo está sendo sentido com mais força num dos símbolos dessa transição, os setores de energia solar e  eólica offshore.

Os custos globais dos projetos aumentaram 39% desde 2019, impulsionados pela elevação da inflação e dos juros, que encareceram gastos com mão-de-obra, financiamentos e preço de matérias-primas, como aço.

Na Ásia, grupos japoneses desistiram de levar adiante projetos eólicos offshore em Taiwan, um dos mercados de crescimento mais rápido no mundo. O mesmo ocorreu com a BP na Escócia.

A dinamarquesa Orsted, a maior incorporadora eólica do mundo, pagou uma indenização de US$ 4 bilhões no início de novembro pela desistência de dois projetos offshore na costa de Nova Jersey. Antes, já havia desistido de um projeto na costa da Suécia. A empresa hoje vale 75% menos do que no início de 2021.

O debate na COP28, por envolver 192 países, está mais centrado no desenvolvimento de políticas públicas para mitigar os custos da transição verde. O relatório francês coordenado por Pisani-Ferry traz alguns indicativos do desafio gigantesco à frente.

Um deles é a certeza de que a transição climática tende a se consolidar como uma fonte de desigualdade social. “Para uma família de classe média europeia, o custo para substituir um veículo movido a combustível fóssil por um elétrico é equivalente a cerca de um ano de rendimento familiar”, diz o estudo.

Ou seja, mesmo que o investimento seja rentável, graças à poupança de energia que proporciona, pode não ser acessível sem o apoio do governo. Portanto, as famílias e as empresas necessitarão de um apoio substancial do erário público, o que deve elevar a inflação.

Considerando as novas despesas e o declínio temporário das receitas devido a um ritmo mais lento crescimento econômico, de acordo com o relatório francês, o risco para a dívida pública é de aproximadamente 10 pontos percentuais do PIB em 2030, 15 pontos percentuais em 2035 e 25 pontos percentuais em 2040.

A forma mais eficiente de redirecionar o consumo e o investimento dos combustíveis fósseis para energia com emissões zero é por meio de um imposto sobre o carbono, o chamado sistema cap-and-trade. A Europa adotou esse sistema e objetivos cada vez mais rigorosos.

Os EUA, porém, rejeitaram qualquer imposto ou taxa federal sobre o carbono. Com isso, a solução do presidente Joe Biden foi isentar os consumidores de pagar pela transição verde, por meio de subsídios.

A sua Lei de Redução da Inflação (IRA) investe, segundo algumas estimativas, cerca de US$ 1 trilhão em veículos elétricos, energias renováveis, hidrogênio e outras tecnologias com emissões zero.

O drama é que o IRA foi concebido na era pré-pandemia, quando as taxas de juro baixas favoreciam o perfil financeiro do investimento em energias renováveis ​​e os déficits orçamentais federais eram menos propensos a excluir o investimento privado.

Agora, 18 meses após entrar em vigor, o jogo mudou.  O IRA foi minado por exigências que levam mais tempo para serem atendidas, como a de que equipamentos verdes sejam fabricados no país, e pelos efeitos da inflação, que aumentaram os custos de implementação.

Em vez do aumento previsto, a despesa total em infraestrutura americana caiu mais de 10% em termos reais desde a aprovação da lei. Ou seja, na Europa e nos EUA, a grande questão da transição verde – quanto vai custar e quem vai pagar a conta – segue sem resposta.