Prefeito de Nova York entre 2014 e 2022, o democrata Bill de Blasio admite que o ciclo de inflação e juros elevados prejudica a campanha do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que busca a reeleição em novembro.
Mas diz ter certeza de que a eleição americana – uma das mais disputadas e polêmicas das últimas décadas, que contará pela primeira vez com um candidato condenado pela Justiça, o republicano Donald Trump - será decidida não só pela questão econômica, mas por outros fatores.
Blasio conversou com o NeoFeed nesta quinta-feira, 27 de junho, após participar de um café da manhã seguido de debate promovido pelo Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), em São Paulo.
“É importante reconhecer que a inflação tem sido um choque para muitas pessoas, que ficam surpresas com o fato de os preços subirem tão rápido, mas não acredito que as políticas de Biden sejam a essência desse problema, causado pela pandemia e seu impacto na cadeia de abastecimento, além de muitos outros fatores”, disse Blasio.
Segundo ele, a frustração dos americanos com a inflação e os juros elevados acaba impactando porque Biden é o atual presidente dos EUA. Mas, advertiu, o cenário econômico sob Biden também tem sido marcado pelo emprego a pleno vapor, que pode beneficiar o presidente americano em novembro.
“A ironia é que, do ponto de vista do Federal Reserve (o banco central dos EUA), uma economia com alto emprego causa inflação, mas algo que tem sido esquecido pela maioria dos analistas econômicos é que há um recorde de empregos disponíveis, um fenômeno recente”, disse.
Neste sentido, Blasio admitiu que, se os juros elevados também preocupam os americanos, a perspectiva de o Fed começar a cortar os juros em agosto ou setembro pode ter um efeito positivo para o atual presidente.
“Não creio que decida a eleição, mas abre um pouco mais de espaço para Biden transmitir o resto da sua mensagem”, afirmou, acrescentando que numa eleição presidencial raramente o voto é decidido por causa de um fator específico.
Blasio citou outros feitos da gestão de Biden que podem ajudar o presidente americano. Entre eles a política climática, contemplada pela Lei de Redução da Inflação, que oferece fortes subsídios para estimular a indústria americana a investir na transição enérgica.
“Foi a legislação mais forte para enfrentar a crise climática que já tivemos, muitos eleitores preocupam-se profundamente com o clima, especialmente os mais jovens”, assegura.
Confusão e incerteza
Político experiente e ligado à ala mais progressista do Partido Democrata, o ex-prefeito de Nova York chegou a concorrer pela candidatura à Casa Branca em 2020, quando ocupava o cargo, participando de debates com Biden. Mas acabou desistindo no meio da disputa pela escolha do nome do partido.
Blasio acompanhou de perto os principais eventos das últimas décadas nos EUA, todos ocorridos recentemente – a surpreendente eleição de Donald Trump para a Casa Branca, em 2016, o evento da pandemia, que paralisou a maior economia do planeta, a vitória de Joe Biden na eleição de 2020, a invasão do Capitólio por horda de eleitores trumpistas em janeiro de 2021 e a recente condenação do candidato republicano.
“Vocês estão confusos com a política nos Estados Unidos? Pois é, os americanos também”, sublinhou, resumindo o sentimento geral do país numa palavra: incerteza. “Ninguém poderia ter previsto a dinâmica do que está acontecendo agora.”
Durante o evento do IREE, no qual respondeu perguntas do presidente do instituto, Walfrido Warde, dois temas monopolizaram a conversa: o primeiro debate presidencial entre Biden e Trump, previsto para as 22 horas desta quinta-feira, 27, e a estratégia de Biden para vencer a eleição.
Blasio não tem cargo na campanha de Biden, na qual diz ser apenas voluntário. Mas deu dicas de como o atual presidente deveria atuar para vencer o debate contra Trump e também a eleição. Segundo ele, apesar da imagem de ser hesitante, Biden costuma ser forte em debates.
“Quando está focado, transmite mensagens de forma eficaz e o segredo para ir bem em debates é essencial ter uma estratégia simples, de atacar o adversário o tempo todo”, disse. “Trump tem uma personalidade de bullying, quando é atacado não sabe como reagir, por isso Biden tem de partir para cima.”
Neste sentido, previu que o atual presidente vai usar no debate algumas mensagens que pretende repetir na campanha. “A primeira delas é falar dez vezes: ‘Trump, você foi condenado pela Justiça, é um criminoso’”, disse, afirmando que o americano médio é muito sensível a uma condenação, em especial se for decidida por júri popular.
Outra estratégia é colar Trump à reversão da lei Roe vs Wade, a histórica decisão da Suprema Corte de 1973 que liberou o direito ao aborto. Segundo ele, embora Trump não seja pessoalmente contra o direito do aborto, nomeou juízes conservadores para a Suprema Corte que acabaram formando maioria para revogar a lei.
“Será o grande tema da campanha, que pode decidir o voto nos seis estados-pêndulo”, disse, referindo-se aos estados que costumam decidir a eleição no colégio eleitoral. Nessas regiões, assegurou, a maioria das mulheres é apartidária e mesmo algumas eleitoras republicanas devem votar em Biden "por elas, pelas filhas e até pelas avós", por causa da perda desse direito.
Um tema, porém, terá “empate” na campanha: China. Os dois partidos, afirmou o político democrata, têm a mesma visão crítica do desenvolvimento tecnológico da China e devem manter políticas duras para conter o avanço chinês nos segmentos de transição energética.
Na conversa com o NeoFeed depois do evento, Blasio admitiu que os EUA cometeram erros nos últimos anos. “Ignoramos que a China estava numa posição não de ser parceiro, mas de ser competidor, no sentido de usar nossa tecnologia e nossas políticas comerciais em seu benefício”, disse.
Segundo ele, Biden agiu corretamente em relação à política de semicondutores, atraindo indústrias para o país, e no esforço de cortar o fornecimento de informações sensíveis à China.
“Acho que isso vai se aprofundar, temos uma vantagem natural em tecnologia, em especial em inteligência artificial, mas a verdade é que deveríamos e podemos fazer mais contra a China”, afirmou.