Em um cenário de queda da taxa de juros e estímulo do governo federal para obras de infraestrutura por meio do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), a iminente aprovação do projeto de lei (PL) 2.646/2020, que cria as debêntures de infraestrutura, está sendo aguardada com expectativa pelo mercado de capitais.

Esse novo formato de debênture abre a possibilidade de atrair os fundos institucionais, em especial os fundos de pensão, para o financiamento de obras de infraestrutura, como ocorre nos Estados Unidos, Canadá e Europa.

De acordo com Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), esses fundos teriam potencial para investir até R$ 60 bilhões em empresas que atuam em concessões públicas e parcerias público-privadas (PPPs) – que, conforme o PL, poderão emitir esse tipo de papel.

“Os fundos de pensão são os grandes financiadores de infraestrutura no exterior porque têm obrigações de longo prazo e precisam de ativos que ofereçam certa regularidade de receita, como ocorre com concessões e PPPs em rodovias federais e projetos de saneamento”, diz Tadini.

O presidente da Abdib faz uma rápida conta para justificar a expectativa de uma torrente de investimentos nesse novo papel pelos fundos de pensão, que segundo ele têm um capital estimado em até R$ 1,5 trilhão.

Pela legislação, esses fundos podem investir até 20% (o equivalente a R$ 300 bilhões) em debêntures. “Se investirem até 20% da cota de debêntures no novo papel chegaríamos a R$ 60 bilhões, o que é factível”, afirma Tadini.

A título de comparação, o volume de recursos de empréstimos que serão liberados em 2023 pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o principal banco de fomento em infraestrutura no Brasil, é de R$ 100 bilhões.

Vantagens do novo papel

Para investir em obras de infraestrutura, o mercado financeiro vinha recorrendo às debêntures incentivadas, criadas em 2011 para esse fim. O termo “incentivada” diz respeito ao incentivo fiscal para quem adquire esses papeis: a pessoa física em especial, que fica isenta de Imposto de Renda, enquanto pessoas jurídicas têm redução de alíquota desse tributo.

Já as novas debêntures de infraestrutura vão oferecer benefício fiscal ao emissor, as empresas concessionárias de serviços públicos, que terão direito de redução de 30% dos juros pagos aos detentores dos títulos da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Com isso, o custo da emissão das debêntures de infraestrutura deve ficar mais em conta do que a da debênture incentivada. Daí a expectativa pela aprovação do PL 2.646/2020, que passou por modificações no Senado e irá novamente à votação na Câmara, provavelmente esta semana.

Tadini observa que, pelo fato de trazer mais benefícios fiscais para pessoas físicas que adquirem o papel, a debênture incentivada não tem o perfil adequado para os fundos de pensão, que já contam com isenção e buscam outras opções de investimento no mercado de títulos de longo prazo.

Mesmo assim, é inegável o sucesso consolidado das debêntures incentivadas no setor de infraestrutura. Na prática, esses papeis ajudaram o mercado de capitais a ocupar o espaço do governo federal que, até meados da década passada, dominava o financiamento de obras de grande porte, via bancos de fomento.

“Este ano, as debêntures incentivadas devem acumular emissões na casa de R$ 50 bilhões, hoje já é a maior fonte de financiamento para projetos de infraestrutura, mais até que o BNDES, com R$ 35 bilhões”, afirma Natália Marcassa, CEO da MovelInfra, associação setorial que reúne cinco grandes grupos da área de infraestrutura (CCR, EcoRodovias, Rumo, Santos Brasil e Ultracargo).

Segundo ela, as negociações de debêntures no mercado financeiro têm tido procura crescente pelos investidores. “Antes esses papeis eram de 5 anos de prazo, hoje já temos debêntures de até 20 anos”, diz Marcassa. “Nas emissões mais recentes, quando abrem o bid, vêm três ou quatro vezes o valor de venda, o que mostra o interesse do mercado.”

Incentivo ao PAC

O setor também acredita que o PAC - com um orçamento público e privado de R$ 1,7 trilhão - deverá ser beneficiado. Tadini, da ABDIB, diz que o programa voltou mais bem estruturado, o que deve alimentar o apetite do mercado de capitais.

“Houve melhora na mitigação de risco, na forma de trabalhar o direito de outorga da tarifa e no ambiente regulatório, juntando tudo isso com fontes de recursos mais diversificadas.”

O “timing” da chegada das debêntures de infraestrutura ao mercado também conta a favor. Com o início do ciclo da queda da taxa Selic, os fundos de pensão tendem a deixar de investir em títulos do governo ou na renda fixa.

“É o momento de reavaliar nossos investimentos. Temos de ter um olhar mais abrangente e pensar em diversificar”, disse João Fukunaga, presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), durante o Seminário de Investimentos, Governança e Aspectos Jurídicos da Previdência Complementar (Siga), na terça-feira, 3 de outubro.

Na véspera, havia entrado em vigor a Resolução CVM 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com várias mudanças para o mercado de fundos de investimentos no Brasil. Para Roberto Vianna do Rego Barros, sócio do escritório Campos Mello Advogados e especialista em projetos de financiamento em infraestrutura, a CVM melhorou o arcabouço legal para fundos dedicados para captar recursos para investimentos em infraestrutura.

“Essa nova debênture, um instrumento que vai gerar benefícios tanto para o emissor quanto para o investidor, faz com que esse casamento com a nova regulamentação da CVM gere uma expectativa positiva para atrair mais capital privado ao setor”, diz Rego Barros.