A convicção de que o Federal Reserve (Fed) iniciará o ciclo de corte de juro em setembro; o discurso do Banco Central em defesa da meta de inflação com aumento da Selic se necessário; e o silêncio do presidente Lula quanto à condução da política monetária formaram o “combo” que patrocinou a virada dos mercados nos últimos dias de recordes renovados do Ibovespa e queda de juro e dólar. Mas a chance de uma virada para pior está no ar.

O “combo” favoreceu o governo por dar trégua às críticas disparadas contra a política fiscal. Entretanto, o BC estará com a corda no pescoço em setembro se não subir a taxa Selic, após sinalizações enfáticas do “duplo comando” da instituição – representado por Roberto Campos Neto e seu provável sucessor Gabriel Galípolo. Grandes gestores “compraram” a alta do juro como necessária para dobrar a inflação esperada.

A disposição do BC de promover a reancoragem das expectativas inflacionárias fala mais alto, inclusive, porque as revisões de cenário macroeconômico que estão sendo processadas pelas instituições cravam aumento das estimativas para o IPCA deste ano e também do próximo. E para além de 4%. Descoladas consideravelmente, portanto, da meta de 3% que o BC deve entregar.

Ancoradas em indicadores de atividade acima do esperado no segundo trimestre, as revisões destacam a expansão do PIB com predominância de viés de alta para este ano. Em contraponto, as estimativas para 2025 apontam firme desaceleração pela expectativa de mais aperto monetário.

Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, XP e BTG Pactual são algumas das instituições que acabaram de recalibrar projeções. Esperam avanço do PIB entre 2,2% e 2,7% para este ano. Para 2025, os prognósticos recuam para algo entre 1,5% e 1,8%.

Na terça-feira, 20 de agosto, em evento do BTG, Campos Neto baixou o tom quanto à alta da Selic, destacando a necessidade (nada nova) de acompanhar a evolução de dados para a tomada de decisão. A observação foi anotada.

Entretanto, sem abortar a expectativa altista lançada por Galípolo – num claro sinal de que ele conquistou credibilidade junto ao mercado para quem ele já é o futuro chefe do BC, ainda que sem indicação formal de Lula.

O risco de “rever” as revisões

Sinal de que declarações em excesso geram instabilidades, apesar da expectativa do mercado de elevação da Selic, das instituições acima citadas, com exceção da XP, todas projetam taxa estável em 10,50% neste ano. A XP vê alta a 11,75%. Para 2025, o Banco do Brasil prevê queda a 9,75%; Bradesco e Santander a 9,50%. Itaú e BTG veem manutenção em 10,50%, enquanto a XP estima Selic a 12%.

Em relatório, a XP informa que a inflação em torno de 4% no horizonte relevante do Copom justifica os ajustes. E calcula que, para trazer a inflação de volta à meta, o Comitê precisaria elevar a Selic em 2 a 2,5 pontos percentuais.

Entretanto, a instituição observa que a alta da Selic pode vir a ser menor, em torno de 1,5 ponto, se perdurar a apreciação recente da taxa de câmbio – que iniciou o mês esbarrando em R$ 5,80 e chegou a declinar a R$ 5,40, mas na quinta, 22 de agosto, voltou a esticar – e se o custo de matérias-primas seguir em queda, melhorando as perspectivas para a inflação de bens em 2025.

A XP prevê que o aumento da Selic começará com 0,25 ponto na reunião do Copom em setembro, seguido de duas altas de 0,50 ponto e um aumento final, de 0,25 ponto, em janeiro – já com o BC sob novo comando.

“Acreditamos que o Copom optará por um ciclo mais rápido, pois esta seria uma estratégia melhor por razões técnicas e políticas”, afirma a XP que considera provável um corte na Selic ao final de 2025 ou início de 2026.

O Itaú prevê Selic a 10,50% até o final de 2025, mas não descarta uma elevação, no caso de persistência do câmbio em patamar mais elevado. Circunstância em que um aumento da Selic poderá ser necessário a pelo menos 11,50%, e ainda neste ano, para que a inflação retorne à meta.

O Bradesco, por sua vez, não trabalha com a possibilidade de alta da Selic, mas reconhece que a atividade resiliente joga a favor de “cautela” na política monetária diante da depreciação cambial já observada.

O banco avalia que os dados de arrecadação e de importação confirmam o bom desempenho da atividade indicando, inclusive, uma recuperação dos investimentos. Consumo e mercado de trabalho aquecidos, além das transferências de renda ao longo do primeiro semestre explicam a expansão do PIB neste ano que poderá superar 2,3%, diz a instituição.

Entretanto, olhando adiante, o Bradesco prevê um impulso fiscal menor e efeitos defasados do aumento do juro real. Uma combinação que deve frear a atividade e justifica a desaceleração do PIB a 1,5% em 2025. Esse recuo leva o banco a considerar que a atividade, em si, não será razão suficiente para o Copom retomar o ciclo de alta da Selic.

Apesar da atenção dedicada aos juros que, se mal calibrados, podem gerar perdas consideráveis aos investidores, a política fiscal voltará aos holofotes em breve com o envio do Projeto da Lei Orçamentária Anual de 2025 ao Congresso. O prazo para o encaminhamento do texto esgota em 31 de agosto.

E a bola estará com a ministra do Planejamento e Orçamento Simone Tebet. A grande ausência será o ministro da Fazenda Fernando Haddad que estará a milhas de distância. Haddad embarca para a África do Sul no dia 28 para uma agenda deliberativa do Conselho de Governadores do banco dos Brics. O evento ocorrerá em 30 de agosto.