A inteligência artificial (IA) é, sem dúvida, uma tecnologia transformadora, que muda e molda a sociedade, como fizeram o motor a combustão interna, a eletricidade e a internet. Está claro que IA, principalmente as técnicas de Machine Learning (ML) e Deep Learning (DL), tem imenso potencial de aplicação em muitos casos de uso em todos os setores da economia. Mas também vemos ainda algumas limitações e obstáculos.

Na verdade, pelo que tenho observado, o valor da IA ​​não é gerado pelos modelos, mas pela capacidade das empresas de aproveitá-los de forma adequada. Um modelo altamente sofisticado que não seja usado da forma correta está sendo subutilizado e não gera o valor que poderia ter.

É importante destacar também que, mesmo que vejamos potencial econômico no uso de técnicas de IA, o seu uso deve sempre levar em consideração questões como segurança de dados, privacidade e possíveis problemas de vieses.

Um dos maiores desafios em sistemas de IA é mitigar os vieses embutidos em seus dados e escolhas de variáveis. Vários estudos e práticas ajudam a combater esse problema. Mitigar bias é um assunto que é bastante debatido, mas pouco colocado em prática na maioria das iniciativas de IA que vejo acontecer aqui no Brasil. No meu entender, fala-se muito, mas faz-se pouco! Recomendo aqui a leitura do “Algorithmic Bias Playbook” que é um roteiro bastante interessante sobre como atuar na mitigação de vieses.

Esse artigo foi escrito para testar se os executivos estão cientes da importância da IA e têm conhecimento suficiente para entender suas implicações. Não se espera que um CEO ou outros C-levels escrevam código Python, mas se chegarem ao fim do texto entendendo o que foi escrito, estão preparados para serem executivos na era da IA.

Se não conseguirem entender, minha enfática recomendação é que estudem e compreendam o que é IA. Os executivos que souberem identificar as implicações da IA para seu negócio e incentivarem seu uso nas suas empresas, substituirão os executivos que ignorarem a IA.

Para começar, recordamos alguns conceitos. As redes neurais são um subconjunto de técnicas de ML. Essencialmente, eles são sistemas de IA baseados na simulação de “unidades neurais” conectadas, modelando vagamente a maneira como os neurônios interagem no cérebro.

Modelos computacionais inspirados por conexões neurais têm sido estudados desde a década de 1940 e voltaram a serem enfatizados quando o poder de processamento computacional aumentou significativamente e grandes conjuntos de dados de treinamento começaram a ser usados ​​para algoritmos de processamento de imagens, vídeo e fala.

Existem diversos tipos de redes neurais. Temos a “feed forward neural networks”, que é o tipo mais simples de rede neural. Nessa arquitetura, as informações se movem em apenas uma direção, para a frente, da camada de entrada, através das camadas “ocultas”, para a camada de saída. Não há loops na rede. A primeira rede de neurônio desse tipo foi proposta já em 1958 pelo pioneiro da IA, Frank Rosenblatt.

Temos também as “recurrent neural networks (RNNs)”, que são redes neurais cujas conexões entre os neurônios incluem loops, adequadas para processar sequências de entradas. Em novembro de 2016, pesquisadores da Universidade de Oxford relataram que um sistema baseado em redes neurais recorrentes (e redes neurais convolucionais) alcançou 95% de precisão na leitura de lábios, superando leitores de lábios humanos bem experientes, que atingiram 52% de precisão.

Outra rede neural é a “convolutional neural networks (CNNs)”, nas quais as conexões entre as camadas neurais são inspiradas pela organização do córtex visual, a parte do cérebro que processa imagens, e é adequada para tarefas perceptivas.

Outros modelos de redes neurais estão começando a ganhar tração como a “generative adversarial networks (GANs)” e “reinforcement learning (RL)”. GANs usam duas redes neurais contestando uma à outra em uma estrutura de jogo de soma zero (portanto, “adversária”).

Os GANs podem aprender a imitar várias distribuições de dados (por exemplo, texto, fala e imagens) e, portanto, são muito adequados na geração de conjuntos de dados de teste, quando esses não estão disponíveis.

Já o RL é uma técnica no qual os sistemas são treinados, recebendo “recompensas” ou “punições” virtuais, aprendendo por tentativa e erro. O DeepMind usou a técnica de RL para desenvolver sistemas que podem disputar jogos, incluindo videogames e jogos de tabuleiro como Go, melhores do que campeões humanos.

Uma observação é que o uso de IA não elimina e nem substitui as técnicas estatísticas atualmente em uso, como árvores de decisão, clusterização, análise de regressão e inferências estatísticas. Na verdade, as técnicas de IA complementam e, muitas vezes, abrem novas oportunidade de melhoria dos serviços que usam as técnicas tradicionais.

Na maioria dos casos, provavelmente as redes neurais serão usadas para melhorar o desempenho atual do fornecido por outras técnicas analíticas. Os casos em que apenas redes neurais serão usadas, provavelmente serão um percentual bem menor das aplicações a serem desenvolvidas.

Em manutenção preditiva, por exemplo, as técnicas de ML/DL podem ser usadas para detectar anomalias. A capacidade do DL de analisar grandes quantidades de dados pode aumentar de forma significativa o potencial dos sistemas de manutenção preventiva existentes. Quando sobrepomos dados adicionais, como dados de áudio e imagem, as redes neurais podem aprimorar e em alguns casos substituir métodos mais tradicionais.

Na aviação, temos um bom exemplo. O custo de uma hora parada de uma aeronave é altíssimo. A capacidade da IA ​​de prever falhas e permitir manutenções planejadas pode ser usada para reduzir o tempo de manutenção.

A IA pode, por exemplo, estender a vida útil de um avião além do que é possível usando técnicas analíticas tradicionais, combinando dados do modelo da aeronave, histórico de manutenção, dados de sensores embutidos no avião e motores, como detecção de anomalias nos dados de vibração do motor e imagens e vídeo da condição do motor. Para termos uma ideia, um Boeing 787 pode gerar 40 TB de dados por hora de voo.

Algoritmos de IA podem otimizar o roteamento do tráfego de delivey, melhorando assim a eficiência do combustível e reduzindo os tempos de entrega. A IA também pode ser uma ferramenta valiosa para a personalização e gerenciamento do atendimento ao cliente. Um sistema aprimorado de reconhecimento de voz no call center e no roteamento de chamadas gera uma experiência muito mais positiva para os clientes.

A análise por DL, do áudio da interação com cliente com o chatbot, permite que esses avaliem o tom emocional da conversa e caso um cliente esteja respondendo de forma mal-humorada ao sistema, a chamada pode ser redirecionada automaticamente para operadores humanos.

As técnicas de DL são particularmente poderosas na extração de padrões de tipos de dados complexos e multidimensionais, como imagens, vídeo, áudio, texto ou fala. Os métodos de DL requerem milhares de registros de dados para que os modelos se tornem relativamente bons em tarefas de classificação e, em alguns casos, precisam de milhões deles para que sejam executados no nível similar a dos humanos.

Podemos estimar que um algoritmo de DL supervisionado alcançará um desempenho aceitável com cerca de 5 mil exemplos rotulados por categoria e irá conseguir igualar ou exceder o desempenho de nível humano quando treinado com um conjunto de dados contendo pelo menos 10 milhões de exemplos rotulados.

Para termos uma ideia da demanda de treinamento de um modelo extremamente sofisticado como o GPT-3, leiam o artigo “OpenAI's GPT-3 Language Model: A Technical Overview”. É um pouco mais técnico, mas perfeitamente compreensível para um C-level ainda pouco afeito à IA. E se não entender, está aí um bom motivo para falar com sua equipe de cientistas de dados e tirar dúvidas!

Bem, dificilmente uma empresa irá criar um modelo com tal sofisticação, mas vale a pena ver o nível de esforço para a construção e treinamento de um modelo bem sofisticado.

Esses enormes conjuntos de dados são difíceis de obter ou de criar para muitos casos de uso de negócios e a rotulagem continua sendo um desafio. A maioria dos modelos de IA atuais são treinados por meio de “aprendizado supervisionado”, que exige que os humanos rotulem e categorizem os dados subjacentes. Um artigo muito instigante, publicado pelo The New York Times, “A.I. Is Learning From Humans. Many Humans”, mostra os bastidores desse estafante trabalho.

Está claro que os CEOs não podem se omitir diante das implicações da IA e seus impactos nos processos e até mesmo modelos de negócio

Novas técnicas promissoras, no entanto, estão surgindo para superar esses gargalos de dados, como RL, GAN ou “transfer learning”. Também começa a despontar a técnica de “one-shot learning,” que permite que um modelo de IA treinado aprenda sobre um assunto com base em um pequeno número demonstrações reais do mundo real. Curioso? Olhem o artigo “What is one-shot learning?” para ter uma ideia mais clara dessa técnica.

As técnicas de redes neurais são excelentes na análise de dados de imagem, vídeo e áudio devido à sua natureza complexa e multidimensional, conhecida como "alta dimensionalidade". Elas são boas para lidar com alta dimensionalidade, pois várias camadas em uma rede podem aprender a representar os muitos recursos diferentes que estão nos dados.

Para o reconhecimento facial, por exemplo, a primeira camada da rede se foca nos pixels brutos, a próxima em bordas e linhas, outra em características faciais genéricas e a camada final pode identificar o rosto. Ao contrário das gerações anteriores de IA, que muitas vezes exigiam experiência humana para fazer "feature engineering", essas técnicas de rede neural podem ser capazes de aprender a representar esses recursos como parte do processo de treinamento.

Mas observa-se que além dos problemas da demanda de volume, da variedade e veracidade dos dados, a velocidade também é um requisito: as técnicas de IA exigem que os modelos sejam retreinados para corresponder às condições de mudança no ambiente em que operam, portanto, os dados de treinamento devem ser atualizados com frequência.

Lembre-se que um sistema de IA, ao contrário de um sistema programático tradicional, que quando está funcionando você deixa quieto, na aplicação de IA, assim que ela é colocada em produção, ela tende a degradar.

Assim, em muitos casos, o modelo precisa ser atualizado pelo menos uma vez por mês e quase um em cada quatro casos requer uma atualização diária. Este é especialmente o caso em aplicações de marketing e vendas e no gerenciamento da cadeia de suprimentos.

A IA está atraindo cada vez mais atenção e investimentos corporativos e, à medida que as suas tecnologias se desenvolvem, o valor potencial que pode ser explorado tende a crescer exponencialmente. Até agora, no entanto, apenas uma pequena parcela das empresas com conhecimento de IA estão usando essas técnicas com intensidade nos seus processos de negócios. Ainda estamos distante do cenário desenhado pelo artigo “The AI-Powered Organization”.

Para mim, está claro que os CEOs e C-levels não podem se omitir diante das implicações da IA e seus impactos nos processos e até mesmo modelos de negócio. Os CEOs precisarão fazer seu trabalho de maneira diferente da que faziam e estão acostumados a fazer no mundo antes da IA. Precisam estar preparados para um futuro no qual humanos e tecnologia trabalharão juntos.

Minha recomendação? Eduquem-se sobre como a IA pode impactar e melhorar muitos dos aspectos críticos dos seus negócios. Desenvolvam um entendimento comum e básico entre toda sua equipe executiva sobre o que a IA e as tecnologias relacionadas são capazes e como podem ser integradas em toda a empresa. Traga perspectivas diversas e pessoas (uma visão de fora é sempre oportuna) que farão perguntas e abrirão brechas em suposições.

Lembre-se que apesar de todas as suas promessas, as tecnologias de IA ainda têm muitas limitações que precisam ser superadas. Estamos ainda engatinhando em nosso conhecimento sobre ela. O seu potencial ainda não foi plenamente aproveitado. Não percar essa chance.

Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.