Existe um lugar, entre o sul de Minas Gerais e o nordeste de São Paulo, onde a caldeira de vulcões extintos há 80 milhões de anos deu origem a uma região de solos muito férteis. Um local a 1.075 metros de altitude média, onde os dias são quentes e as noites, frias. Uma terra onde as plantações de café crescem robustas e saudáveis. Bem-vindos ao planalto de Poços de Caldas.
Lá, ao redor de uma área de cerca de 800 quilômetros quadrados e 30 quilômetros de diâmetro, abrangendo oito cidades mineiras e quatro paulistas, são produzidos alguns dos melhores grãos do mundo — os únicos do Brasil cultivados em terreno vulcânico, com os quais se prepararam bebidas de sabores, aromas e texturas raros.
Por muito tempo, entretanto, pouco se falava sobre o terroir. Mas, graças a uma série de inovações recentes nos modelos de produção e de negócios, os cafés do planalto de Poços vêm conquistando fama e prestígio com o nome que lhes é devido: Cafés da Região Vulcânica.
Essa é a marca coletiva em torno da qual alguns cafeicultores se uniram há cerca de quatro anos. Uma estratégia da associação dos produtores locais para agregar valor à produção.
“Sempre soubemos que nossos cafés tinham características diferenciadas, mas, até então, nunca havíamos trabalhado a valorização desses atributos”, conta Ulisses Ferreira de Oliveira, diretor-executivo da entidade, ao NeoFeed.
Cada fazenda se mantém independente na produção e comercialização de suas safras, mas chega ao mercado agora com o selo da associação — uma garantia de qualidade e origem rastreável.
Hoje, cerca de 500 produtores, representantes de uma centena de marcas, participam do projeto. Em 2021, eram apenas 80.
A Cafés da Região Vulcânica alinha os cafeicultores às novas tendências de consumo. Ultraconectados e cada vez mais exigentes, os consumidores estão sedentos por informação. De onde vem o produto? Como foi produzido?
De Poços para o mundo
E os primeiros sinais da potência da Cafés da Região Vulcânica já começam a aparecer. Desde 2023, produtos com o selo são exportados para o Japão e os Estados Unidos.
Outro exemplo da ascensão da marca é dado pelo agrônomo Alexandre Marchetti, responsável pela fazenda Rainha, de propriedade da Orfeu, a recordista do planalto de Poços em premiações. “Hoje em dia, o pessoal diz que o café vencedor é o café da região vulcânica”, conta ele ao NeoFeed.
Em breve, os produtores receberão também o selo de Indicação Geográfica (IG). Reconhecido internacionalmente e concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), o registro é uma espécie de atestado de que determinadas qualidades de um produto só existem por causa das características de seu território de procedência.
A IG garante, portanto, o direito de uso de um nome geográfico, o que confere às marcas ares de exclusividade e, portanto, prestígio. Um vinho, por exemplo, só recebe o título de vinho do Porto se vier do Douro, em Portugal.
Explosões vulcânicas
Com 65,9 mil hectares de área plantada, os pouco mais de 12 mil cafeicultores do lugar (90% deles, da agricultura familiar) têm um peso importante na indústria cafeeira do Brasil. As quase 1,6 milhão de sacas colhidas lá, todos os anos, segundo Oliveira, equivalem entre 3% e 4% da produção nacional, avaliada em quase R$ 37 bilhões, em 2024.
“No mercado internacional, representamos 1% da produção global”, orgulha-se o diretor-executivo.
Mas, o que torna os cafés vulcânicos de Poços únicos? A feliz conjunção entre o solo, o clima, a altitude e, claro, a tradição — os primeiros cafeeiros começaram a ser plantados no final do século 19, com a chegada à região dos imigrantes, sobretudo italianos.
Muito, muito tempo antes, em um passado longínquo, o solo começou a ser preparado, quando um conjunto de vulcões entrou em erupção. As explosões perduraram por cerca de dez milhões de anos, explica ao NeoFeed o geógrafo Francisco Ladeira, coordenador do LABPED, da Unicamp.
Depois da extinção, com o passar do tempo, os edifícios vulcânicos erodiram, formando o planalto de Poços. Ao longo do processo, a terra foi acumulando nutrientes até chegar à fertilidade de agora. Argilosa, de boa drenagem e aeração, é riquíssima em potássio, fósforo, magnésio, zinco e cálcio, entre outros minerais.
“Como o solo é enriquecido naturalmente, a necessidade de adubação tende a ser menor”, afirma ao NeoFeed o engenheiro agrônomo André Luiz Cornélio, especialista em cafeicultura.
Experiência, solo fértil, altitudes altas, grande amplitude térmica e chuvas frequentes compõem a receita do cafezinho vulcânico. Uma bebida que traz, no sabor e no aroma, notas de frutas amarelas, chocolate e caramelo, além de toques florais. Uma xícara encorpada, de textura entre a sedosa e a cremosa, com uma finalização adocicada e uma percepção de frescor, dada pela acidez cítrica dos frutos.
Os perfis dos cafés, diz Cornélio, variam bastante conforme a porção do planalto onde são cultivados. Ou seja, tem café para todos os gostos — mais um vantagem da marca coletiva na busca por reconhecimento.
Recordista de prêmios
Individualmente, muitos produtores já têm sua relevância mais do que testada e aprovada. Alguns, inclusive, brilham entre os melhores do mundo. É o caso da Orfeu.
Fundada em 1995 pelo casal Karen e Roberto Irineu Marinho, acionistas do Grupo Globo, a companhia, em 2024, conquistou sua 31ª vitória consecutiva no Cup Excellence, o Oscar dos cafés.
Em novembro, o café Geisha ficou em segundo lugar na competição geral e ainda recebeu o título de Café Presidencial, ao atingir 9,89 pontos na avaliação dos jurados.
Originários da Etiópia, os grãos foram cultivados na Fazenda Rainha, uma das três propriedades da Orfeu no planalto de Poços.
No final de 2023, em um leilão, a empresa japonesa Sarutahiko Coffee pagou o equivalente a quase US$ 52 mil por um lote de três sacas do Geisha. O valor equivalia a R$ 1.410 por quilo de café. Até então, o maior pago por um lote de grãos verdes no Brasil.
No paladar, o café apresenta notas de favo de mel e jasmim intensos, acentuando sua doçura. Já o aroma remete a mamão, pêssego, manga, maracujá e carambola.
A variedade é cultivada a 1,57 mil metros acima do nível do mar, o que torna seu manejo muito complexo, diz o agrônomo Marchetti.
Por causa do frio, é preciso estar atento a pragas típicas das altas altitudes, como a mancha de Phoma, por exemplo. Devem-se também proteger os cafeeiros com quebra-ventos, barreiras vegetais, geralmente árvores e arbustos.
Por isso, a produção é pequena, atiçando os coffee lovers mais sofisticados. Recentemente, a Orfeu lançou apenas 265 garrafas do Geisha em grãos. Numeradas à mão, cada uma, com 420 gramas, custa R$ 420.
Precisão e delicadeza
"A planta dá sempre o melhor dela. Mas, a partir do momento em que tiramos o fruto do pé, começamos a perder qualidade”, diz Marchetti. “Por isso, o trabalho pós-colheita é tão minucioso. Tentamos conservar a qualidade original ao máximo.”
E é a delicadeza e a precisão dos cuidados com cada cafeeiro que elevam um café ao status de especial. Para entrar na categoria, a bebida tem de alcançar, no mínimo, a nota 80 na escala de 100 pontos da organização internacional Specialty Coffee Association (SCA).
Entre os parâmetros analisados estão sabor, aroma, retrogosto (ou finalização), acidez e uniformidade.
Atualmente, os especiais já respondem por 15% do total da produção brasileira de café, conforme projeções da BSCA (Brazilian Specialty Coffee Association).
Apesar de ser um segmento novo, do início dos anos 2000, o consumo aumenta de 10% a 15% por ano. Enquanto isso, conforme a entidade, os cafés convencionais evoluem a uma média de 1,5% — no máximo, 3%.
É como diz o engenheiro agrônomo Cornélio, o cafeicultor que não buscar tornar seu café especial vai ficar para trás. "Aliás, já está ficando."