Em um escritório de funcionamento híbrido, planejado para trabalho presencial e interação remota, o executivo Ricardo Neves conta os dias para lançamento do livro “CEO Virtual - Lições de liderança para o mundo pós-pandemia”. A obra é resultado de um dos maiores desafios de sua carreira, a de se tornar CEO pela primeira vez, assumir uma empresa em plena pandemia e engajar à distancia milhares de colaboradores que nunca tinha visto.
Duas ou três vezes por semana, ele trabalha no edifício do Parque da Cidade, no bairro do Morumbi, em São Paulo, onde fica a nova sede da NTT Data, de origem japonesa, uma companhia de consultoria e tecnologia, que emprega 139 mil pessoas em mais de 50 países avaliada em US$ 19,3 bilhões. No Brasil, a multinacional chegou há mais de 20 anos e hoje tem escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Uberlândia, com a previsão de abrir em Florianópolis e Recife até o final do ano.
Ricardo Neves assumiu como CEO em 2 de abril de 2020 e nunca poderia imaginar que o mundo pararia, da Ásia às Américas, dez dias antes que estreasse no novo cargo. Naquele momento em que havia muitas pessoas trancadas em casa, privadas do convívio do trabalho, não faltaram relatos de depressão, uso abusivo de remédios, álcool e outras drogas. Foi nesse clima que Neves buscou suas raízes pernambucanas para assumir o novo posto criando um clima de alegria.
Se inspirou na literatura de cordel, nos textos de Adriano Suassuna, no Galo da Madrugada, bloco famoso de Recife, onde desfilava. “A alegria é contagiante. O que mais me motivou foi o feedback das pessoas, porque a alegria e a autenticidade têm uma empatia real, não é o discurso de sete passos para alcançar o sucesso. E quando você faz isso numa empresa de serviços, na qual tem pessoas, onde de 70% a 80% dos custos são de pessoas, você engaja todos e realmente alcança resultados.”
No livro, ele conta os prazeres e as dificuldades desses dois anos que para a empresa tiveram “resultados muito positivos”. “Quando sentei na cadeira a gente tinha 2.600 pessoas no Brasil, neste mês fechei 5.300. A operação brasileira é significativa: agora em setembro vou receber o CEO japonês global, na semana passada esteve aqui o CEO da América Latina: as pessoas querem ver o que o Brasil está fazendo para ter dobrado a operação durante a pandemia”.
No primeiro dia de trabalho, Neves se vestiu com aquele capricho habitual de todos que começam num emprego novo. Camisa, blazer, calça, sapatos e perfume. Só que em vez de se dirigir para o escritório, sentou-se diante da tela do computador. Esse esmero na indumentária durou apenas a primeira semana. Depois, moletom na parte de baixo e pés descalços passaram a fazer parte do dress code. Hoje, a informalidade se tornou norma no trabalho remoto. “Aderi ao moletom e vou continuar. Quando vejo a agenda, às vezes não é só a calça, também a camisa é de moletom”.
Ainda que o trabalho presencial agora se restrinja a duas ou três vezes por semana, há muitos almoços e cafés da manhã em dias de trabalho remoto. “Vou e volto. No escritório, quando há problemas de trânsito ou de greve, pegamos um helicóptero e vamos no cliente”.
O escritório tem toda a tecnologia necessária para o mundo híbrido. Sala multiuso que dá para mil funcionalidades até para fazer shows ao vivo com banda. A sala de reuniões tem mesa em u, microfones no teto, muitas câmeras. Há um estúdio de transmissão para que a empresa possa fazer cafés, happy-hours, com todos se comunicando pelo telão.
Talvez por ser uma empresa de tecnologia e com colaboradores de gerações mais jovens, a estratégia intuitiva usada por Neves durante a pandemia deu certo. Teve de tudo: festa junina, carnaval e Halloween, com todos fantasiados e confraternizando de forma virtual. O CEO dançou frevo, se vestiu de Freddy Krueger, de Drácula e de caipira. “Todo o mundo e toda diretoria se fantasiou. Pensei: não vou pagar mico sozinho”.
Neves é pernambucano e cresceu em Recife numa família de classe média. Tinha uma carreira bemsucedida na Pricewaterhouse, onde se tornou sócio, quando resolveu aceitar o cargo de CEO, aos 55 anos. “Foi a primeira oportunidade de ser CEO e, talvez eu estivesse num momento maduro para deixar aflorar a autenticidade”, diz.
“Sempre fui muito objetivo, portanto, sempre tentei me colocar dentro das regras que já existiam. Você fica igual a todos. Essa mudança que aconteceu no mundo me deu força para sair desse modelo e dizer, quer saber? Tenho que ser eu mesmo. O momento era tão incerto... Será que me exponho? Depois decidi: é por aí, vamos em frente”.
O livro é uma espécie de relato da soma de todos esses momentos com uma breve história autobiográfica. Ao escrevê-lo, Neves compartilha uma visão mais autêntica e menos sisuda do CEO, cargo conhecido pela solidão que carrega.
“Acho que a partir do momento em que me abri, me senti mais amparado, foi uma espécie de fio terra. Parece que depois que essa comunicação começa, você se sente menos solitário. Mais do que a solidão, o que me cobro muito é minha responsabilidade. Sou responsável por 5.300 pessoas, 5.300 famílias”.
Ao extrair lições da pandemia, o CEO se pergunta se essas contingências e essas limitações não o tivessem pegado de surpresa será que teria sido anfitrião de tantos encontros informais e com tantas pessoas? Será que teria tido a preocupação de conversar com tanta gente num cargo tão elevado?
Ele aproveita para lembrar que embora se dissesse que todo o mundo estava confortável trabalhando em casa, essa não era exatamente a realidade: “A verdade é muita gente estava pouco confortável, o número era pequeno – 3% ou 4% – sim, mas havia gente para quem eu perguntava: como você está? E a pessoa respondia: péssimo! Lembro de uma colaboradora que trabalhava na laje para pegar o sinal”, conta.
“Então, foi uma boa oportunidade para olhar para as diferenças. Os valores corporativos precisam se alinhar com a aceitação da singularidades, sejam elas quais forem”.
Serviço
CEO Virtual - Lições de liderança para o mundo pós-pandemia*
182 páginas
editora e-galáxia
impresso R$66,90
ebook R$32
audiobook R$16.
*Todo o lucro será revertido para a Associação São Francisco da Providência