Um teto reluzente vai se destacar no bairro de Paraisópolis, em São Paulo. Na comunidade de 100 mil famílias, o telhado do salão Bioma Belezinha, dos empreendedores Mônica Jesus e Wallace Rodrigues, será a primeiro entre todas as construções a ter placas de fotos voltaicas para gerar energia.

“É de arrepiar”, diz ao NeoFeed Itamar Cechetto, CEO do grupo Laces. “É mais um passo na nossa missão de democratização de beleza natural e na consolidação de nosso ecossistema”, diz Cris Dios, sócia-fundadora do grupo ao lado da mãe Mercedes, hoje com 88 anos e membro do conselho.

A marca Bioma foi criada para converter salões de beleza tradicionais em um modelo sustentável e funcionar como um canal acelerador de vendas de produtos clean beauty das marcas próprias do grupo. Isso inclui implantação de práticas de governança, redesign do espaço, o uso exclusivo dos cosméticos LCS e Crios Dios, e até consultoria para transformações estruturais, quando o dono do salão assim desejar.

Com a expansão da rede Bioma para 600 unidades em cinco anos e um processo de internacionalização em andamento, o grupo espera inverter totalmente o modelo de negócio hoje composto por 80% nos serviços e 20% pela venda de produtos.

É bem significativo que o grupo que lançou o conceito de hair spa Laces em 1987, ao propor protocolos de tratamentos para cabelos com produtos naturais, formulação própria e performance, e inserção no mundo do luxo, tenha chegado com seu modelo ESG em Paraisópolis.

“Há cinco mil salões em Paraisópolis e encontramos procedimentos com os mesmos preços praticados no Itaim. Isso mostrou que havia viabilidade e espaço por tratamentos clean beauty na comunidade”, diz Cechetto. O Belezinha é também um empreendimento social de impacto, que desde 2018 atua na formação de profissionais em Paraisópolis.

A marca Laces é a mais importante do grupo. Em seus 9 salões (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), o tíquete médio chega a R$ 1,2 mil com 60 mil atendimentos por ano. Já nos 20 Biomas, com unidades em vários estados brasileiros, são outros 100 mil atendimentos anuais com tíquete médio de R$ 300. O grupo tem registrado crescimento médio de 20% ao ano nos últimos cinco anos.

A sócia do Bioma Belezinha, Mônica Jesus, com Cris Dios

Até 2028, o grupo pretende converter 600 salões para a bandeira Bioma que “não funcionam no sistema de franquia” . “A gente faz um salão local aumentar faturamento e comprar mais nossos produtos. É uma relação direta com o dono, criamos uma comunidade.”

A meta em cinco anos é que esta rede movimente entre “R$ 700 milhões e R$ 800 milhões” e com a “captura de 20% desse resultado em sell in”. Para tornar essa relação ainda mais “desburocratizada”, o grupo também está estruturando com uma fintech sua própria “maquininha Laces”.

Até aqui a grande dificuldade para que os cosméticos respondam por uma parcela maior do negócio tem sido a “preguiça” dos canais de distribuição. A sociedade civil mudou em sua exigência por sustentabilidade, diz ele, assim como as indústrias estão "naturalizando mais suas formulações". Mas distribuição continua a mesma "compondo as gôndolas no Brasil só pelo preço, colocando gasolina para lavar os cabelos ao lado de produtos clean beauty”, diz Cechetto. “Estamos num momento no setor que é uma ecotrip, não uma egotrip.”

Os produtos do grupo estão disponíveis em 700 pontos pelo país, como Droga Raia e supermercado Zona Sul, e também no marketplace próprio, o Slow Beauty, criado por eles para dar vazão as marcas nacionais de clean beauty e consumo consciente que estavam surgindo e sofriam como eles a resistência do varejo. “Simple Organic e Care, por exemplo venderam com a gente no começo.”

O hair spa Laces do bairro de Moema, em São Paulo

Os produtos clean beauty representam 2% do total de US$ 800 bilhões do mercado mundial de beleza, mas crescem ao ritmo de 12% ao ano contra 3% do mercado tradicional. É por isso que o processo para dar ainda mais escala aos produtos (que têm até embalagem de Pet reciclado com enzima aceleradora de decomposição, ponto fraco nas demais empresas do setor) precisa passar pela internacionalização.

“Estamos em negociação com distribuidores da Europa e Estados Unidos. Só para você ter uma ideia vendemos US$ 200 mil por ano só para brasileiros que moram em Nova York”, conta ele. No ano passado, o grupo conquistou reconhecimento internacional ao ser escolhido para apresentar o case do Bioma na COP-27, no Egito.

O barbeiro da Galícia

A saga da família Crios na cosmetologia natural e no “protagonismo ESG” começou com o avô João Manuel Domingos Dios que veio de Ponte Vedra, na Galícia, e abriu em 1920 uma barbearia no bairro do Brooklin, em São Paulo. Ali ele começou a tratar couro cabeludo e queda de cabelos dos homens com infusões de plantas, uma prática totalmente inovadora para a época.

Mercedes, sua sétima filha, trabalhou com ele na barbearia até decidir abrir com a filha Cris salão Laces que levava essa tecnologia e vocação de tratamento com produtos naturais. Logo a fama do lugar começou a crescer e atrair uma clientela cativa em busca destes tratamentos que exigiam recorrência.

“Mas no início nossos produtos que podem chegar a 100% de composição vegetal duravam 15 dias e ficavam em geladeiras com o nome de cada cliente”, lembra Cris.

A linha Cris Dios foi a primeira marca profissional orgânica certificada em 2009

Foi assim que ela, ao estudar cosmetologia, encontrou um caminho low-chemical que deu escala ao modelo de negócios. “Encontramos um fabricante no Paraná e nos tornamos sócios. Chegamos as formulações que duram mais sem o uso de conservantes. Nossos produtos orgânicos têm certificação internacional e a matéria-prima é rastreável.”

Hoje o portfólio do grupo inclui 180 itens. Cris Dios Organics, foi a primeira marca profissional brasileira com ingredientes orgânicos e certificada em 2009, com produtos em média a R$ 139. Nessa categoria concorre com marcas internacionais como a italiana Davines. Em 2021 o grupo lançou a marca Calma, para democratizar produtos naturais e veganos no segmento clean beauty, que estão na faixa de R$39.

Os hairs spas Laces utilizam energia renovável e água da chuva tratada para ter a menor pegada hídrica dos salões no país. Há dois anos o grupo também comprou a Carbon Limited, uma consultoria especializada no mercado voluntário de compensação de carbono. Além disso, os 300 funcionários são contratados pela CLT.

O grupo, conta a dupla, já recebeu inúmeras propostas de M&A. Até porque com esse volume de atendimentos e com a diversidade da população brasileira, o banco de dados de cabelos é um acervo precioso para o desenvolvimento de novos protocolos e patentes.

“Só para se ter uma ideia, o salão Bioma de Belém trabalha com produtos diferentes da unidade de Florianópolis, porque o clima e os cabelos das mulheres são diferentes nessas regiões”, explica Cris.

Do ponto de vista estratégico, no entanto, Cechetto diz que um parceiro sinérgico, no momento, seria “para ampliar a distribuição.” Depois dos episódios da Americanas e dos vinhos de Bento Gonçalves, ele avalia que o valuation das empresas e da Laces, em particular, devem mudar. “Não é só o multiplicador, mas o ecossistema como um todo que deve ser avaliado”, diz ele.

“Somos uma empresa de 35 anos, que cresceu com recursos próprios, com fábrica própria, protocolos e códigos de tratamentos próprios, pratica ESG, sem greenwashing, reconhecimento nacional e prontos para expansão internacional.”