A alemã Sibylle Scherer já trabalhava no segmento do luxo, comandando a DFS, rede de varejo do grupo Louis Vuitton Moët & Henessy (LVMH), com lojas espalhadas ao redor do mundo em aeroportos, hotéis e galerias. “Isso permitiu um bom entendimento sobre o comportamento do consumidor e o posicionamento de nossas marcas”, diz ela ao NeoFeed.
Uma experiência fundamental no passo seguinte de sua carreira. Isso porque, em 2018, ela foi convidada para liderar globalmente a marca de espumantes Chandon. Ou seja, Sibylle passaria a atuar do outro lado do balcão. Na verdade, dos vários balcões. Afinal, a grife pertencente ao grupo LVMH é responsável pela produção de espumantes em seis diferentes países.
A Chandon tem operações na Argentina, na Austrália, no Brasil, na China (2013), nos Estados Unidos e na Índia. Por estar em vários lugares do mundo, as produções precisam acompanhar o clima de cada lugar e atender os públicos de cada região. Mas, mesmo durante a pandemia, Sibylle conseguiu trazer inovações para a marca, como um novo espumante produzido na Argentina e exportado para outros países.
“Demos um primeiro e inédito passo agora com um produto chamado Chandon Garden Spritz, inspirado no cocktail Spritz (espumante com Aperol). O produto foi desenvolvido na Argentina e introduzimos agora nos mercados europeu e norte-americano”, diz a CEO global da Chandon.
Em sua recente passagem pelo Brasil, Sibylle recebeu o NeoFeed e falou sobre os desafios de comandar a Chandon, as inovações que virão, a possibilidade de produzir a marca Chandon na França, a necessidade de ser cada vez mais sustentável e como trata a grife com presença em seis países.
“Devemos nos comportar como as outras marcas de luxo do grupo e isto significa ter criatividade, inovação e trabalho artesanal. É isso que nos move. São os mesmos pilares da moda ou dos cosméticos.” A seguir, os principais trechos da conversa:
Você disse que a Chandon deve se comportar da mesma forma que as outras marcas do grupo LVMH e que tem os mesmos pilares das grifes de moda e cosméticos. Mas como manter isso se a Chandon tem diferentes bases e produtos? Como manter a unicidade da marca?
Este era o principal tema quando assumi a gestão de Chandon em 2018. Chandon é um universo bastante fragmentado, onde cada país faz algo específico. Temos unidades de produção na Austrália, Estados Unidos, Argentina, Brasil e, as duas mais recentes, na China e na Índia. Nestes três últimos anos assumimos esta variabilidade local como uma característica da marca, onde a imagem, os rótulos e os valores estão unidos por um padrão global. É um caminho contrário ao das marcas de luxo, de fato. Mas há uma beleza aí: os consumidores hoje querem uma marca que seja culturalmente e localmente relevante para eles. Esse é o nosso grande ativo.
Como ganhar escala global já que cada unidade de Chandon vende apenas em seu mercado local?
De fato, a concepção de Chandon era ter uma atuação e relevância local. E é claro que não podemos abrir vinícolas em todas as partes do mundo para ganhar escala. Mas, como disse, nosso foco está na inovação e excelência. Então, demos um primeiro e inédito passo agora com um produto chamado Chandon Garden Spritz, inspirado no cocktail Spritz (espumante com Aperol). O produto foi desenvolvido na Argentina e introduzimos agora nos mercados europeu e norte-americano. Na arquitetura de produtos temos uma linha bem definida de espumante branco e rosé, uma linha de produtos especiais com foco no terroir e agora vemos esta possibilidade de linha inovativa, onde a criatividade pode viajar o mundo.
Como nasceu este produto?
Eu estava na Argentina em janeiro de 2019 e lembro que entre a série de experimentos que apresentaram estava este espumante que é finalizado com extrato da casca da laranja amarga e uma série de ervas aromáticas. Considerando o hábito argentino com vermutes (a Argentina é o principal consumidor mundial de Fernet), o resultado ficou ótimo e disse que eles deveriam colocar em produção aquele produto. Até então, não tinha nome. Foram quatro anos e 64 versões testadas para chegar até a receita final. O tempo de desenvolvimento de um produto é diferente do da moda, muito mais lento, mas dependemos diretamente da natureza e este tempo deve ser respeitado.
E a decisão de ser o primeiro produto de Chandon a ser exportado?
Vimos que há esta febre dos cocktails e o spritz é um caso de sucesso consolidado. Novamente, temos todos os valores de Chandon respeitados e o produto vai de encontro com o gosto do consumidor, então por que não? O primeiro teste foi feito no verão deste ano no hemisfério norte, na Europa e Estados Unidos, e foi um sucesso. Não há nada que impeça de testarmos no Brasil também. E as inovações podem surgir de qualquer unidade.
Quais as principais mudanças que notou desde 2018 no Brasil?
São muitas mudanças na Chandon como um todo. Desenvolvemos um novo rótulo com padrão global, o que envolve um maquinário exclusivo e customizado para nós, a produção sustentável também desencadeou uma série de mudanças na confecção dos vinhos, desde a parte de campo até o bem-estar de nossa equipe de trabalho. Mas tudo isso se deve a mudança do consumidor. E não apenas no Brasil. Mesmo antes da pandemia, as pesquisas do IWSR, com quem trabalhamos, já indicavam que as pessoas estavam buscando autenticidade, honestidade e um lado artesanal nos vinhos. Na nossa visão durante a pandemia essa tendência se potencializou. Além do produto, o consumidor quer saber quem você é, o que você faz e como você faz.
E, no produto, o que deve mudar?
Não posso comentar sobre as especificações pois são coisas técnicas. No curto prazo, Chandon Excellence passará a trazer a safra no rótulo, algo que já era feito, mas não comunicado e certamente devemos ter ao menos uma novidade antes do cinquentenário da Chandon Brasil, em 2023. Por exemplo, ontem provamos um espumante feito pela Chandon brasileira com alguns anos de guarda, na garrafa. E foi muito interessante ver como ele evolui. São diversos testes, mas estamos prudentemente otimistas. Outra ideia que acabei de presenciar é esta Casa Chandon, uma iniciativa local, do nosso time brasileiro. Muitas pessoas não conseguem visitar nossas vinícolas pela distância, então conseguir reproduzir a experiência de estar no vinhedo e conhecer diversos aspectos de produção e degustação, sem dúvida, é um conceito que pode ser “exportado”.
Sobre as práticas de sustentabilidade, como trabalhar com as variabilidades de cada país? As condições para se cultivar a uva na Serra Gaúcha e em Mendoza, por exemplo, são muito distintas.
No nosso universo não há como uma cartilha que sirva para todos. Precisamos ser ultra-locais na implementação das práticas ambientais. Estamos nos terroirs mais extremos para a vitivinicultura. Desde zonas sub-tropicais, como no Brasil e na Índia, até semi-desérticas como na Argentina ou Califórnia, ou ainda mais radical, na China, onde chegamos a ter -30ºC no inverno e as videiras ficam inteiramente cobertas pela neve. Um ponto em comum é a obsessão que temos com a água, seja pelo excesso ou pela falta. A água é o ponto central para falar do cuidado que temos com o solo e a biodiversidade, então diminuir o uso e reaproveitar o máximo são as metas. Outro ponto em comum está relacionado com a emissão de carbono. Nossos produtos são vendidos localmente, por isso não são embarcados em navios, o que diminui a emissão de carbono em nossa cadeia; além de termos as garrafas de vidro para espumantes mais leves do mercado. Em média, uma garrafa deste tipo pesa quase um quilo, enquanto a nossa pesa 775 gramas.
Como administrar uma empresa com tantas culturas e origens diferentes?
Essa diversidade, de pessoas, também faz parte do DNA de Chandon. Nosso time central está em Paris, onde também resido. Somos apenas 15 pessoas ali, enquanto o universo Chandon é composto por mais de 600 pessoas. Esta característica nos permite ter maior ousadia, damos liberdade e incentivamos as inovações. Gosto de dizer que tudo ocorre nas vinícolas e nos mercados. Nós apenas coordenamos e trabalhamos em comunidade. O Philippe Mével (enólogo-chefe da Chandon Brasil), por exemplo, é um dos 16 enólogos do grupo e trabalha em muitos projetos com as outras unidades. Ele está ajudando muito nas nossas novas unidades na China e na Índia, em especial sobre as formas de vinificação para se fazer o espumante.
Este intercâmbio de Chandon também se expande para as casas de champanhe da LVMH (Moët, Clicquot, Ruinart, Dom Pérignon, Mercier, Krug)?
Sim, é um caminho de mão dupla. Eles dividem os conhecimentos e nós também aportamos muitas ideias para as casas de champanhe. Há três semanas inauguramos um centro de pesquisa e desenvolvimento em Champagne, onde nossos pesquisadores estão muito focados nas mudanças climáticas. Neste aspecto Chandon tem oferecido muito pois estamos em diferentes partes do mundo e em condições bastante extremas. E, uma vez ao ano, vamos reunir todas as equipes de viticultura e enologia da marca para discutir temas, práticas e resultados.
Como o mercado se comportou nesse período de pandemia?
Globalmente, o setor sofreu um pouco, em 2020, com queda de 8% no volume de espumante consumido. A razão principal é que restaurantes e bares (on-trade) respondiam por uma boa parte das vendas de bebidas. Em compensação o varejo, em especial on-line, compensou esta queda e observamos que consumidores aumentaram o ticket médio gasto com vinhos e alimentos. A esperança e até agora os dados de 2021 indicam que, globalmente, devemos retomar com números superiores ao pré-pandemia.
Por fim, a Chandon não está presente em apenas dois continentes: o africano e o europeu. Qual teria maior propensão para receber uma nova Chandon?
Não esperava uma pergunta tão direta, mas posso dizer que a Europa é um grande mercado, o segundo maior para espumantes depois dos Estados Unidos, e não estamos lá. Nós viajamos o mundo e nos fixamos em seis localidades, seria interessante voltar para nossa casa e natural fincarmos uma bandeira ali.