PARIS - A primeira vez que o empresário francês Charles Znaty ouviu falar dos chocolates da Dengo foi por meio de seu filho que havia passado uma temporada no Brasil. Hoje, ele é o CEO e sócio da Dengo Europa, ao lado dos empresários e criadores da marca Guilherme Leal (fundador da Natura) e Estevan Sartoreli, atual CEO da empresa de chocolates no Brasil.
Depois da estreia no bairro de Montmartre, ainda neste ano será aberta em Saint-Germain-des-Prés, em Paris, a segunda butique da marca de chocolates bean-to-bar criada e produzida no Sul da Bahia. Não muito longe dali, na margem direita do Sena, num local sofisticado da cidade, mas que não tem o charme do quartier latin, fica o escritório de Znaty, num prédio de coworking.
O empresário tem várias atividades além da Dengo. Acaba de ser reeleito presidente em Paris da Medef, o Movimento das Empresas da França, a maior federação patronal do país, e também é conselheiro especial do presidente da Autoridade Francesa de Segurança Nuclear (ASN). Mas ele não faz o estilo executivo arrumadinho. Aparece de calça preta, camiseta, abrigo cor de laranja e convida para um café no rooftop do edifício.
Znaty nasceu em Casablanca, no Marrocos, filho de um industrial que trabalhava com fosfato e no setor têxtil. Foi para Paris, ainda adolescente, para completar seus estudos. Começou na publicidade onde se tornou um criador de marcas para grandes empresas até fundar a Pierre Hermé, rede de confeitarias e chocolaterias sofisticadas, que chamam atenção pelo luxo de suas vitrines.
Apontado pela imprensa francesa como o homem que fez o confeiteiro Pierre Hermé ser quem é, resume a questão com simplicidade. Hermé ainda era um desconhecido pâtissier quando os dois se associaram em 1997 e, aos poucos, espalharam a marca pelo mundo, da Europa à Ásia e Oriente Médio. Em 2019, Znaty vendeu sua parte ao grupo L’Occitane, que já era sócio majoritário da empresa desde o ano anterior.
Foi durante a pandemia e num momento em que se perguntava o que faria, que entrou em contato com Leal e Sartoreli, CEO da Dengo no Brasil. Os primeiros contatos foram por zoom, depois, Znaty veio ao Brasil para conhecer de perto a produção do cacau e o chocolate que ainda não havia provado. Na próxima semana, por sinal, ele volta ao Brasil e vai ao Sul da Bahia e a São Paulo.
Embora os sócios não falem em números, a maior parte do capital é proveniente da Maraé Investimentos, a family office de Guilherme Leal. O empresário também não revela a porcentagem de sua participação na Dengo. “É suficiente para que eu tenha autonomia”, diz, durante esta conversa exclusiva com o NeoFeed.
Como foi o contato com a Dengo?
É uma história pessoal. Eu estava com meu filho Joseph, o mais novo, de férias em Salvador e ele disse: será que a gente poderia morar aqui e dizer para a família vir nos encontrar? Ele tinha por volta de 12 anos. Se apaixonou pelo Brasil. Mais tarde fez um curso na FGV, em São Paulo. Foi aí que ele descobriu a Dengo e me disse: por que você não entra em contato com eles? Foi o que fiz!
Você já havia saído da Pierre Hermé e estava em busca de algo?
Em 2020 em me questionava sobre meu trabalho e a finalidade das coisas. Fiz uma grande parte da minha carreira profissional no domínio da gourmandise. Ao sair, eu estava verdadeiramente interessado na relação entre a alimentação e a proteção do nosso meio ambiente.
Por quê?
Os seres humanos comem três vezes ao dia, portanto a questão da alimentação é muito importante para o futuro do planeta. Isso é uma questão, mas também uma resposta. Se tomamos consciência de que a forma como comemos é importante para o futuro, para nossos filhos e netos, para as crianças do planeta, podemos facilmente escolher produtos que terão um impacto social e ambiental positivo.
Então a proposta partiu de você?
Exatamente. Foi por um lado minha reflexão pessoal sobre o mundo e a visão de que o que comemos pode realmente mudar a maneira como vivemos. Entrei em contato com eles e voilá!
Como foi teu primeiro encontro com o Guilherme Leal?
À distância, por causa da Covid. Depois nos encontramos em 2021 em Ilhéus e fomos juntos visitar as plantações para ver os camponeses do sul da Bahia. O Guilherme me explicou suas intenções, falou das ambições que tinha para aquela região e como seria possível melhorar a situação social. Também fomos à Universidade Santa Cruz, ao lado de Ilhéus, onde há o Centro de Inovação do Cacau. Fomos ver as instalações da Dengo e passamos uns dias na sua casa de praia.
Ele também foi conhecer o mercado francês?
Depois que voltamos a São Paulo e eu o convidei para vir a Paris para a gente se conhecer melhor e também para que ele conhecesse personalidades da indústria de bebidas e alimentos na França.
Como foi essa temporada?
O levei para conhecer mercados locais de chocolate. A França é um mercado muito maduro em termos de chocolate. E muito competitivo. Para entrar nesse mercado seria muito importante a qualidade da Dengo. Ficamos juntos umas duas semanas.
"Levei (Leal) para conhecer mercados locais de chocolate. A França é um mercado muito maduro. E muito competitivo. Para entrar seria muito importante a qualidade da Dengo. Ficamos juntos umas duas semanas."
Foi aí que decidiram levar a Dengo pra Paris?
Sim, no fim dessa temporada. Vi que havia possibilidades. Acertamos uma parceria para desenvolver a marca fora do Brasil.
Até então você não tinha preocupações com a sustentabilidade?
Antigamente no business eu não me preocupava com a questão ambiental, olhava mais para a financeira. À medida em que meus filhos foram crescendo trouxeram essas questões para dentro de casa. Fui percebendo que para essa geração isso era muito importante. Então passei a reconsiderar meu pensamento. Hoje vejo que é algo verdadeiramente essencial. É preciso encorajar a nossa indústria a ter práticas mais responsáveis, a trabalhar melhor e para o bem da comunidade.
Como vai a Dengo em Paris?
Olha, ela ainda é um pequeno bebê. Tem apenas três meses, mas vai bem, temos bons produtos. Temos público brasileiro, claro, percebo que eles veem com um certo orgulho o fato de a Dengo estar fora, mas o que me alegra é ver que os franceses, que são verdadeiramente gourmets, têm tradição de bom chocolate e prestam atenção na alimentação, apreciam enormemente a Dengo. Temos muitos comentários simpáticos de pessoas que acham o chocolate original e gourmand ao mesmo tempo. As embalagens são lindas e os franceses dizem que são geniais. A butique é calorosa.
"Hoje vejo que (a questão ambiental) é algo verdadeiramente essencial. É preciso encorajar a nossa indústria a ter práticas mais responsáveis, a trabalhar melhor e para o bem da comunidade"
Que público você espera conquistar?
Na França há três grandes categorias no mercado. Aqueles que se compram no supermercado, os produtos industriais. Há os artesanais, dos mestres chocolatiers mais conhecidos e sofisticados, que fazem coisas magníficas e são bastante caros e, portanto, reservados a uma elite. E há a camada intermediária, que são produtos que podemos comprar em butiques de chocolate, mas não são muito caros.
É nessa camada intermediária que Dengo se encaixa?
Sim, são produtos que procuram um justo equilíbrio entre a faixa massificada do mercado e a elitista. É nessa faixa que estamos entrando. De jovens e famílias que dizem: vamos comprar o chocolate Dengo porque podemos dar isso às crianças pela qualidade do produto e porque ele foi feito com respeito ao produtor de cacau, com bons produtos e o preço é razoável. É um conjunto de coisas.
"O público é formado de jovens e famílias que dizem: vamos comprar o chocolate Dengo porque ele foi feito com respeito ao produtor de cacau, com bons produtos e o preço é razoável"
A primeira loja é em Montmartre. Por que você não pensou nos Champs Elysées, que é tão turístico?
Não. Os Champs Elysées são um statement. Rolex, Dior, Vuitton, é uma agrupamento de marcas. A Dengo não é isso, é uma coisa mais familiar.
Dizem que sem você Pierre Hermé não seria Pierre Hermé.
(Rindo) Sou antes de tudo um empreendedor, comecei como publicitário. Criei minha própria agência de design, trabalhei em vários domínios, muito com criadores na área da música, da fotografia, do cinema. Um dia conheci um patissier que trabalhava na Fauchon e disse a ele: vamos criar uma coisa juntos, uma marca. Era uma conversa. Meu métier é criar marcas, trabalhar sobre elas e desenvolvê-las. É o que me fascina sempre: o que podemos fazer com uma marca. Como podemos a desenhar?
É o que você vai fazer com a Dengo na França?
Sim, esse é o fio condutor da minha carreira. Trabalhei para as marcas como um mercenário. Mas também criei a marca Pierre Hermé.
A perspectiva é levar para a Dengo para outros países da Europa?
Amanhã, se acharmos que vale a pena e que há mercado poderemos ir para qualquer lugar. A chegada na França também é isso, uma prova, é mais do que um teste. É o primeiro passo fora do território brasileiro e as grandes travessias começam sempre por um passo. Tem o primeiro e depois continuamos a andar.
Você acaba de ser reeleito para mais um mandato de três anos como presidente da Medef. Como vê a conjuntura da França atualmente?
A Europa atravessa um momento difícil, as pessoas estão inquietas com relação ao futuro e o consumo está caindo. Em função da inflação causada em grande parte pela guerra na Ucrânia que levou ao aumento das tarifas de energia, gás. Isso é um fenômeno geral na Europa. Na França estamos um pouco melhor do que nossos vizinhos.
Em que sentido?
A boa notícia é que há pouco desemprego, o índice é o mais baixo dos últimos quarenta anos. Neste momento é difícil encontrar funcionários. Pessoalmente acredito que a partir de setembro e, especialmente no fim do ano, a economia deve desacelerar. Aqui as empresas têm que pagar muitas taxas, mais do que nossos vizinhos europeus. O que nos dá um desvantagem competitiva.
"A boa notícia é que há pouco desemprego, o índice é o mais baixo dos últimos quarenta anos. Acredito que a partir de setembro a economia deve desacelerar"
As perspectivas não são muito boas, então?
Para mim é 50 a 50%. Espero que eu me engane.