Berlim — Um restaurante que produz absolutamente todos os pratos com técnicas de confeitaria, mas sem usar açúcar refinado e apostando em ingredientes majoritariamente salgados. Essa é a proposta do peculiar CODA, em Berlim.

Com duas estrelas Michelin e comandada pelo chef alemão René Frank, a casa promoveu uma pequena revolução gastronômica e hoje vive seu melhor momento.

Aberto em 2016, em parceria com o designer de interiores Oliver Bischoff, o CODA está instalado no piso inferior de um sobrado em Neukölln, o bairro residencial que recentemente se converteu em área descolada.

Quem passa pela rua pouco iluminada nem se dá conta de que ali funciona um restaurante estrelado: paredes escuras, cobertas por pixos aleatórios e trepadeiras, sem placa ou luminoso — apenas o nome do restaurante grafado em letras pequenas em uma porta de vidro.

Não há lounge nem sala de espera. São menos de 100 metros quadrados de área total, sendo apenas metade do espaço para a sala de jantar, aberta para a pequena cozinha, sempre visível aos comensais. Um ambiente meio brutalista, pisos de concreto, paredes cinzas, cinco mesas de madeira sem toalhas, quatro assentos no bar, luz baixa, spots apenas sobre os exatos lugares onde pousam os pratos.

Reservas são obrigatórias e o restaurante, que abre apenas para o jantar, lota todas as noites. A refeição dura entre três e quatro horas, dependendo do ritmo de cada mesa, com serviço cálido e descontraído — a equipe é formada em sua maioria por profissionais bastante jovens, incluindo estagiários de escolas de gastronomia.

Absolutamente todo mundo come o mesmo menu-degustação, que muda pouco ao longo do ano, exceto por um ou outro ajuste de pratos dada a sazonalidade dos alimentos. A um preço fixo de € 308 (cerca de R$ 2 mil), são 15 passos, todos preparados com técnicas sofisticadas da confeitaria, e harmonizados com sete mini coquetéis exclusivos — de 20 mililitros cada.

Se você espera um menu com variações de doces, esqueça: os pequenos pratos até parecem sobremesas, mas nunca têm o dulçor que esperamos deles.

Toque lúdico

O CODA não é a única casa de um grande chef especializada em sobremesas. De Jordi Butrón a Albert Adrià, há outras apostas espalhadas mundo afora — até em São Paulo, com o Ara. Mas Frank foi o único a realmente levar a confeitaria para o centro de um jantar de alta gastronomia.

Os pratos misturam ingredientes como raiz de salsa, coco, pistache, beterraba, framboesa, tofu, tutano, salsinhas, algas, cacau, alcachofra e cereja, entre outros. Há também muito uso de queijos. Mas zero açúcar: eventuais doçuras detectadas vêm naturalmente dos vegetais utilizados.

Há um certo toque lúdico no menu, seja no teddy bear em homenagem ao sucesso das gominhas da alemã Haribo, mas ali feito de beterraba dourada em pó. Ou no "picolé" de caviar, grande atração da casa, feito com sorvete de alcachofra de Jerusalém e bourbon, ganache de pecan e totalmente coberto com caviar Sturia Oscietra — servido em um palitinho.

Espere também encontrar peculiaridades como uma bolinha de batata-doce com tutano e farinha de amêndoas. Um donut de queijo gouda e caramelo de rutabaga (nabo sueco). Um biscuit de nozes, algas e missô. Uma micro torta de queijo com tutano, amendoim e figo. Um creme de alho preto com sorvete de raízes de salsinha e pistaches caramelizados. Tudo em pequenas porções, algumas realmente bem diminutas, leves e cheias de sabor.

"Sempre achei a sobremesa o prato mais emocionante em todos os cardápios", diz o chef (Foto: Claudia Goedke)

Com apenas cinco mesas e quatro assentos no bar, o ambiente é meio brutalista: pisos de concreto e paredes cinzas (Foto: CODA)

Os pratos misturam ingredientes como raiz de salsa, coco, tofu e tutano, entre outros, como esse de beterraba congelada (Foto: Claudia Goedke)

Sobremesa com tomate? No CODA tem (Foto: Claudia Goedke)

Aqui, o chef combina cenoura com mousse de iogurte (Foto: Claudia Goedke)

Esse prato leva maçã grelhada (Foto: Claudia Goedke)

Os pratos lembram pequenas esculturas (Foto: Claudia Goedke)

Os pratos são harmonizados com sete mini coquetéis (alcoólicos ou não, à escolha do freguês) criados por Frank, ressaltando a forte cultura de bar do local. Há misturas interessantes, como uma cerveja alemã com soro de leite e açafrão, ou um xerez espanhol com chá oolong e cominho.

Cobrados à parte, uma ampla carta de vinhos ou mesmo um "flight" de seis porções etílicas de 50 mililitros, por um preço fixo extra de € 86, com vinhos alemães e franceses, um champagne e um excelente saquê de Kyoto.

Antes dos últimos passos do menu, toda mesa é convidada a visitar a cozinha e ver como eles produzem ali mesmo seu próprio chocolate 76% a partir de grãos de cacau equatorianos.

"Apenas saboreie"

O princípio norteador do CODA, aliás, é a "produção artesanal" — dos pratos da cozinha, vinhos e destilados aos móveis e objetos de decoração.

“É muito comum na confeitaria os chefs usarem o mesmo chocolate, a mesma forma, os mesmos estabilizantes”, diz Frank ao NeoFeed. “Aqui a gente quer apenas os melhores ingredientes e tudo o mais local possível."

O chef está presente no restaurante quase todas as noites e faz questão de ir de mesa em mesa ao longo do jantar para conversar com os clientes. Nasceu em Wangen, no sul da Alemanha, e tem formação em instituições como a École Ducasse, em Paris, e o Culinary Institute of America, em Nova York.

Ao longo da carreira, Frank trabalhou em casas como Akelarre, Lenôtre, Lampart, RyuGin e Kondo (onde era o único chef estrangeiro). Ele era chef confeiteiro do La Vie, quando a casa em Osnabrück recebeu sua terceira estrela Michelin em 2012.

Foi lá que ele desenvolveu seu estilo. E, que o levou a sagra-se hoje um dos melhores confeiteiros do mundo, com direito a prêmios como "Chef Confeiteiro do Ano" pela Gault & Millau e “Melhor Chef Pasteleiro do Mundo” pelo 50 Best.

O nome CODA vem do italiano e se refere ao final harmônico de uma composição, tal qual Frank encara o papel da sobremesa em uma refeição: "Sempre achei a sobremesa o prato mais emocionante em todos os cardápios." Mas ele queria fazer algo diferente e, assim, criou o que chama de "progressive dessert fine dining".

No início, os clientes não entendiam a proposta da casa e Frank precisou mudar o conceito do restaurante ao longo de seus nove anos de existência.

Mas nada como ganhar uma estrela Michelin para ser bem recebido pelo público. Em 2019, veio a primeira e, em fevereiro de 2020, apenas duas semanas antes do lockdown na Alemanha, a segunda.

Desde a reabertura da casa depois da pandemia, agora com o conceito de "non-conformist fine dining", o rebelde Frank tornou-se uma voz cada vez mais influente na gastronomia. E concorda que talvez a casa não fosse tão bem-sucedida fora de Berlim — uma cidade "tão diversa e multicultural", em suas próprias palavras.

Os tempos de "incompreensão" por parte do público parecem ter ficado para trás. "Às vezes, um ou outro cliente tenta julgar se os pratos servidos são sobremesas ou não”, lembra o chef. “Outro dia, um jornalista me disse que meus pratos seriam 'não binários', porque não são doces nem salgados", ri Frank. "Mas, em geral, hoje as pessoas entendem bem a proposta do CODA. E eu digo: esqueça o que você acha que uma sobremesa precisa ser e apenas saboreie os pratos."