Uma cena logo nos primeiros minutos de “O Menu” já adianta se tratar de uma comédia de humor negro sobre os excessos da alta gastronomia e da cultura gourmet. “O que vamos comer? Um Rolex?”, pergunta uma personagem, ao descobrir o preço do menu degustação, de US$ 1.250 por pessoa, de um restaurante luxuoso, localizado em uma ilha particular.

A sátira que chega aos cinemas em 1º de dezembro não perdoa os preços exorbitantes, a pretensão dos pratos e o egocentrismo dos chefs, o que não é tão incomum na “haute cuisine” mundial. Por vezes, o conceito do menu (a tal obrigatoriedade de “contar uma história”) e a obsessão em transformar o prato em uma obra de arte podem, sim, ir longe demais.

O restaurante retratado do filme foi inspirado no Cornelius Seafood, considerado um dos melhores endereços de alta gastronomia da Noruega. Como o cliente tem acesso ao espaço apenas de barco, por se tratar de uma ilha, só o transporte já dá a sensação de exclusividade.

Quem jantou no local, durante visita a Bergen, na costa oeste da Noruega, foi o roteirista do filme, Will Tracy (mais conhecido pela série “Succession”). Não que Tracy não tenha apreciado a experiência gastronômica proporcionada pelo Cornelius, onde o menu degustação é chamado de “meteorológico” e custa 1.395 coroas norueguesas por cabeça (cerca de R$ 755).

Lá, o cardápio sempre é inspirado no clima do dia e no que é trazido ao restaurante pelos pescadores locais. E o foco cai naturalmente nos produtos crus vindos dos fiordes (entradas de mar estreitas entre altas montanhas rochosas, típicas da Escandinávia). E tudo realizado com “técnicas culinárias inovadoras”, conforme anunciado no site do Cornelius.

Tracy apenas se impressionou com tanta sofisticação e, ao mesmo tempo, se sentiu como uma espécie de refém – por depender do barco do restaurante para a ida e a volta. E como a experiência leva cerca de quatro horas, o roteirista começou a pensar no que poderia dar errado, com os clientes praticamente presos lá.

Isso explica a sátira enveredar pelo suspense e até mesmo pelo horror, com o cliente aqui precisando lutar por sua vida no final. Antes disso, no entanto, “O Menu” vai criticar os exageros desse mundo. Não só de quem faz alta gastronomia, mas dos seus devotos, muitas vezes clientes endinheirados mais interessados em modismos, no status de celebridade dos chefs e no aspecto “instagramável” dos pratos. E não no sabor em si.

Com direção de Mark Mylod (também de “Succession”), a comédia transporta o espectador para a cozinha do chef Julian Slowik (Ralph Fiennes). No comando do restaurante Hawthorne, com vistas maravilhosas da ilha, ele é visto como um Deus da culinária (inclusive por si mesmo).

O chef Julian Slowik, interpretado pelo ator Ralph Fiennes

É clara a piada sobre os chefs reverenciados pelos críticos, tratados como astros do rock pelos foodies e temidos pelos seus subordinados, por cultivarem uma atmosfera tipicamente militar. E quanto mais bajulado o chef é, mais obsessiva a sua ideia de apresentar a perfeição em um prato.

Assim que Slowik cumprimenta os clientes e apresenta o menu, ele diz: “Não comam. Nosso cardápio é precioso demais para isso”. Só depois é que o comensal entende que o chef está pedindo que as iguarias da casa sejam “saboreadas”.

Mas algumas delas representam uma tarefa difícil, de tão pretenciosas. A começar, pelo couvert. Aqui são servidas apenas as pastinhas, aquelas normalmente comidas com pão. A cesta de pães vem vazia. O chef insiste que é para o cliente comer os “acompanhamentos desacompanhados”.

Também não faltam alimentos transformados em espumas ou neves, em uma alfinetada aos efeitos especiais da cozinha molecular. Um destaque entre os pratos, sempre vendidos como coisas de outro mundo, é uma vieira servida sobre uma pedra enorme, tomada por plantinhas.

“Coma a sua rocha!”, brinca a personagem Margot (Anya Taylor-Joy), falando com o seu acompanhante da noite, Tyler (Nicholas Hoult), um dos devotos do chef. Dona do comentário sobre o Rolex, no início do filme, ela é a única que tem noção da baboseira trazida à mesa, com a comida tratada como arte conceitual.

Os demais não parecem incomodados com os absurdos culinários. O grupo é formado por figurões da tecnologia (Arturo Castro, Mark St. Cyr e Rob Yang), um ator decadente (John Leguizamo), sua assistente (Aimee Carrero), uma crítica de gastronomia (Janet McTeer), seu editor (Paul Adelstein) e um casal de habituês (Reed Birney e Judith Light).

Aos poucos, todos os clientes vão perceber que o menu reserva surpresas muito desagradáveis. Olhando para trás, eles vão entender o tom de profecia do sommelier da casa, quando este revelou que o vinho deixaria na boca dos comensais “notas de carvalho, cereja e tabaco e uma leve sensação de saudade e arrependimento”. Certamente um desgosto por ter entrado no barco, rumo ao restaurante, no início da noite.

Assista ao trailer de "O Menu":