NOVA YORK — Sob aplausos em pé vindos de uma plateia lotada de 2,8 mil pessoas, o maestro e pianista João Carlos Martins, de 85 anos, subiu ao palco do Carnegie Hall na noite de sexta-feira, 9 de maio, ao lado dos músicos da NOVUS, uma orquestra de música contemporânea formada pela Trinity Church, de Nova York.
A apresentação marcou sua despedida como regente na América do Norte no mesmo auditório onde ele lançou sua carreira internacional em 1962, aos 21 anos.
“Quando um maestro entra em cena, apenas a orquestra se levanta para ele. Esta foi a primeira vez que vi a plateia aplaudir de pé a entrada de um maestro”, diz o baixista Christopher Johnson, ao NeoFeed. “Normalmente, essa recepção calorosa cabe aos pop stars. Naquele instante, percebi que o espetáculo seria fora do comum."
E foi um noite especial. “Além de ter extraído o melhor da orquestra, ver alguém aos 85 anos, que ainda toca um instrumento e faz as pessoas sorrirem — mesmo diante de suas limitações — foi muito inspirador. Mudou a minha vida,” acrescenta Johnson, lembrando que Martins fez três ensaios com os músicos.
O maestro iniciou a apresentação regendo Johann Sebastian Bach (Orchestral Suite No. 3), seguido por duas peças de Heitor Villa-Lobos (Prelúdio e Fuga). Após o intervalo, ele sentou-se ao piano e a orquestra o acompanhou sob a regência do maestro, compositor e flautista brasileiro Edson Beltrami.
Ali, eles deliciaram o público com composições de Tom Jobim (Luiza, Eu Sei Que Vou Te Amar e Insensatez), Astor Piazzolla (Libertango e Adiós Nonino), John Williams (E.T. —O Extraterrestre e A Lista de Schindler), e Ennio Morricone (A Missão e Cinema Paradiso).
“O repertório foi uma viagem entre os maiores compositores clássicos e modernos de diferentes partes do mundo, enfatizando os compositores latinos”, diz ao NeoFeed a carioca Paula Abreu, diretora de programação musical do McCarter Theatre, em Princeton, um dos principais centros de artes performáticas dos Estados Unidos. “Para mim, Libertango foi a apoteose. Ele estava ali, ao piano, com toda a sua alma, e a orquestra seguiu lindamente.”
Os ingressos já estavam esgotados com pelo menos duas semanas de antecedência. Entre os presentes, estava a psicanalista Maria Cecília Parasmo, também de 85 anos, que estudou com Martins na escola e veio de São Paulo especialmente para o show, relembrando a época em que a turma de adolescentes ia vê-lo tocar no início de sua carreira.

“Há artistas cujas vidas tornam-se inseparáveis das músicas que tocam”, escreveu o crítico e tradutor Thomas May, que dedicou seis páginas à biografia de Martins no programa distribuído à plateia. “Para João Carlos Martins, essa relação acolhe não apenas os trabalhos de Johann Sebastian Bach — o compositor por meio do qual ele ancorou sua carreira — mas também a alma da música brasileira e a conquista de compositores que fazem a ponte entre tradições clássicas e populares.”
A abertura da segunda parte do concerto trouxe ao palco o neurologista Carlos Henrique Ferreira Camargo, que construiu uma carreira internacional pesquisando e tratando distonia focal, doença que aflige o maestro desde os 18 anos, levando-o a 30 cirurgias, especialmente nas mãos. Além disso, Martins foi recentemente diagnosticado com câncer de próstata, passando por uma grande cirurgia há poucas semanas, seguido de um pós-operatório complicado.
A única parte desnecessária do espetáculo aconteceu perto do final. O maestro aproximou-se do microfone pela primeira vez, com um papel em mãos. Em vez de contar alguma história de vida ou falar sobre o processo de ensaios que levou àquele momento, ele começou a ler o nome dos patrocinadores, todas empresas brasileiras, com o slogan de cada uma.
Esta imposição ao artista foi um episódio longo e constrangedor, fazendo com que a plateia se entreolhasse com espanto. Dado que há formas mais elegantes de atrelar marcas a shows, foi indelicado expor Martins de tal forma, inclusive porque seu sotaque é notavelmente carregado. Ele mesmo brincou: “Quando eu falo inglês, os brasileiros entendem”.
No entanto, ele fechou a noite brilhantemente, conduzindo a orquestra a tocar Tico Tico no Fubá, composto em 1917 por Zequinha Abreu. Ao reconhecer o entusiasmo e carinho do público, Martins se despediu dizendo: “Por causa do entusiasmo de vocês, acho que este não será meu último show”.