Dezembro é também tempo de lembrar de um outro Noel, o Rosa. Foi nesse mês, há exatos 110 anos, que o samba ganhou seu maior presente, o compositor da Vila Isabel, “O poeta da Vila”, como ficou conhecido, considerado um dos grandes nomes da música brasileira e um de seus artistas mais influentes desde sempre.

Sua produção soma mais de 200 composições, feitas e lançadas em apenas oito anos de carreira. Noel Rosa faz parte daquele tal grupo mítico de artistas de enorme talento que morreu aos 27 anos de idade e deixou uma enorme interrogação sobre o que teria construído a mais se tivesse vivido mais alguns anos.

Carioca de nascimento, Noel de Medeiros Rosa criou sozinho clássicos como Último desejo, Palpite infeliz, Fita amarela, Com que roupa?, As pastorinhas, João Ninguém e outros. Com o parceiro Oswaldo Gogliano, o Vadico, compôs Feitio de oração, Conversa de botequim, Cem mil réis e Pra que mentir?, filés de seu repertório, além de outros oito sambas e marchas.

Sua estreia se deu com o nascimento do rádio comercial, no fim da década de 1920, quando surgiam nomes que virariam astros da MPB, como Carmen Miranda, Francisco Alves, Mário Reis e Orlando Silva. Mas nasceu com uma vida condenada a limitações, depois que um acidente no parto fraturou e afundou o queixo no lado direito, o que dificultava sua alimentação e causava constrangimento público a ele na hora de comer e beber.

No momento em que atingia o auge como compositor e cantor, ele morreu em maio de 1937, após dois anos de uma série de longas internações por causa da tuberculose. Por anos, ficou esquecido, até ser festejado no décimo aniversário de sua morte. Aracy de Almeida, uma de suas intérpretes preferidas, voltou a cantá-lo em boates de luxo e a regravar em discos seus maiores sucessos.

A elite carioca passou a ver em suas letras bem-humoradas de cronistas e versos sofisticados um autor inovador no samba, que havia trazido o gênero de volta do morro para o asfalto e introduzido a crônica do cotidiano, além de imortalizar personagens e os hábitos do Rio de Janeiro de seu tempo.

Com o tempo, Noel se tornou um dos pilares da música popular brasileira, influência fundamental para Tom Jobim, João Gilberto, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Jacob do Bandolim, Paulinho da Viola e Cartola, entre outros. Nas eras do LP e do CD, suas gravações originais foram resgatadas em discos hoje indispensáveis.

Seu centenário, há dez anos, também levou a novas homenagens e regravações. Sua importância é tamanha que resultou no lançamento, em 2000, pelo selo Velas, da caixa “Noel Rosa – Pela primeira vez”, com um livro de 160 páginas e 14 discos com 229 gravações originais de seus sambas, sambas-canção e marchas, uma obra de referência para se conhecer parte da história da MPB. O box, sem precedentes no mercado nacional de discos, foi organizado pelo pesquisador Omar Jubran, em um trabalho que lhe consumiu décadas de garimpagem.

Quatro outros discos que podem ser encontrados em CD completam a discografia essencial do músico. O primeiro da lista é o mais indispensável, “Noel por Noel”, que saiu pela primeira vez em 1971 como LP e traz o próprio compositor interpretando suas músicas, em fonogramas que saíram no formato de 78 rpm.

Graças ao sistema elétrico de registro, que chegou ao Brasil em 1927, foi possível captar sua voz miúda que deixava a desejar em relação às grandes estrelas da época. Assim, entre os anos de 1929 e 1937, Noel cantou em disco 40 músicas suas em solo, dupla e como integrante do Bando de Tangarás. Esse disco, portanto, apresenta algumas dessas gravações, como Gago apaixonado, Cem mil réis, Seu Jacinto, Quem dá mais? e Onde está a honestidade. O disco reúne ainda duas raridades, não comercializados em sua época: Cordiais saudações e Espera mais um ano.

O disco “Aracy de Almeida: Noel Rosa” saiu originalmente em duas caixas no ano de 1950, com três discos de 78 rpm cada e uma só capa icônica, feita por Di Cavalcanti. Cada disco vinha com duas músicas. Estão lá Pra que mentir?, Feitio de oração, O orvalho vem caindo e Três apitos. As faixas foram reunidas em LP de dez polegadas em 1954 e, por fim, em CD no ano de 2002.

Outro item indispensável da obra noelina é “A noiva do condutor”, uma opereta de Noel só encenada em 1985, por Grande Otelo e Marilia Pera para a Gravadora Eldorado, quase meio século depois de sua criação. Os dois atores foram acompanhados pelo grupo Coisas Nossas, especializado na obra do sambista. Ele a concebeu como uma opereta radiofônica e musicada pelo maestro e arranjador húngaro Arnold Glückmann, entre 1935 e 1936.

Por fim, o disco “Maria Bethania Canta Noel Rosa e outras raridades” reúne as gravações que cantora baiana fez no início da carreira – o LP saiu originalmente em 1966 e causou surpresa pela escolha do homenageado por uma quase estreante jovem cantora. Assim, ajudou a consagrar o Poeta da Vila para a nova geração que incendiava o país naquele momento no movimento estudantil ou nos festivais de música da TV. Uma curiosidade são os arranjos, ao estilo da bossa nova, com a consagrada batida do violão criada por João Gilberto.

E desse modo Noel continua a se reinventar em novas vozes e arranjos a cada nova geração que surge. Porque assim são os clássicos.

*Gonçalo Junior é autor da biografia "Pra que mentir? – Vadico, Noel Rosa e o samba", Editora Noir, 2017

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