Está em andamento perante o Congresso Nacional, o processo de aprovação do Projeto de Lei nº 252, de 2023, que altera o Marco Legal das Startups, com o objetivo de criar uma nova modalidade contratual no Brasil, o Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC).
Inspirado no Simple Agreement for Future Equity (Safe) norte-americano, o CICC busca trazer maior agilidade nas negociações, redução de custos transacionais e uma dinâmica de investimento mais adequada aos empreendedores em operações de venture capital em estágio seed.
Ocorre que, se aprovado nos moldes atuais, o CICC será um instrumento de baixa utilidade prática para o ecossistema empreendedor, incapaz de realizar o seu objetivo de trazer para o país o que já funciona muito bem nos Estados Unidos. Mas há solução para isso.
O Safe é um tipo contratual criado nos Estados Unidos em 2013 pela Y Combinator, uma prestigiada aceleradora e investidora norte-americana. Esse contrato dá ao investidor o direito de receber ações preferenciais da startup quando da futura ocorrência de um investimento direto em equity (isto é, investimento sem instrumento conversível), sujeito a um preço por ação máximo ou descontado.
Não há nessa modalidade contratual a prerrogativa de cobrar uma dívida da startup. Como instrumento passível de futura conversão, é tipicamente usado em operações de estágio seed por anjos e até fundos dedicados a startups em estágio mais inicial.
Trata-se de um instrumento verdadeiramente simples e padronizado, que justamente por isso reduz o tempo necessário para o fechamento de uma rodada de investimento. Como as características da ações preferenciais a serem concedidas e o valuation são definidos quando da execução da rodada em equity futura, poucas discussões acabam sendo travadas entre as partes.
Fundos que participam de operações em estágio seed tipicamente exigem que o Safe venha acompanhado por uma side letter, a qual é assinada na data de execução do Safe e prevê alguns direitos a serem franqueados antes e após a realização da rodada em equity.
Dentre esses direitos estão, por exemplo, vetos ou votos afirmativos relacionados a endividamentos e ao uso de recursos, assim como a definição das características básicas das ações preferencias a serem futuramente concedidas.
De um modo geral, essa side letter busca dar ao fundo garantias básicas de que o seu investimento será de fato utilizado em benefício do crescimento da startup e de que o investidor não será injustamente prejudicado na próxima rodada de investimento.
Acontece que o uso dessa side letter, uma prática frequente e amplamente difundida nos Estados Unidos, não se compatibiliza com o CICC brasileiro. Isso porque o Projeto de Lei no 252, de 2023 não excluiu a previsão prevista no Marco Legal das Startups de que os contratos por ela regulados não podem ter “direito a gerência ou a voto na administração da empresa, conforme pactuação contratual.”
Essa proibição não é apenas incompatível com a prática norte-americana com se encontra em desarmonia com a própria regulação dos fundos de investimento em participação brasileiros, que são os principais veículos de investimento em startups e, por sua vez, se tornariam os maiores usuários do CICC.
Notem que a regulação da Comissão de Valores Mobiliários aplicável a fundos de investimento em participações exige que estes tenham efetiva influência na administração da sociedade investida, o que se concretiza, resumidamente, pelo exercício de direito de voto ou participação em conselho. E, nos moldes atuais, o CICC não permite esse tipo de ingerência.
Para que o CICC não morra na praia, torna-se necessário que o projeto de lei mencionado seja alterado antes da sua aprovação definitiva pelo Congresso Nacional para abarcar a exclusão da proibição a que investidores não possam ter uma mínima ingerência na vida da startup. Com isso, teremos um CICC útil e abertamente utilizado no Brasil. Vamos salvar o Safe brasileiro.
Marcus Valverde é managing partner do Marcus Valverde Sociedade de Advogados, escritório de advocacia dedicados a venture capital no Brasil. Ele é advogado americano e brasileiro, formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e com mestrado pela Harvard Law School (HLS).