Por trás da baixa produtividade, há sempre uma crise de inovação. Mas um grupo de pesquisadores se debruçou sobre alguns dados intrigantes.

Da década de 1970 até 2010, o investimento em ciência nos Estados Unidos aumentou constantemente, segundo dados da National Science Foundation (NSF). Os gastos subiram cinco vezes; o número de doutores treinados, duas vezes; e os artigos publicados, sete vezes.

A dúvida era por que a produtividade não crescia no mesmo ritmo? O índice que chegou a ser superior a 2% na década de 1960, caiu para ficar na casa do 1% nas décadas posteriores - às vezes acima, outras ocasiões abaixo.

A resposta que os professores Ashish Arora, Sharon Belenzon, Andrea Patacconi e Jungkyu Suh encontraram para explicar essa contradição é surpreendente: a divisão da "ciência corporativa", aquela praticada por empresas, e da "ciência acadêmica", a das universidades. Uma ruptura que criou um abismo perigoso – e improdutivo.

A pesquisa, publicada na Harvard Business Review, sugere que essa separação do sistema de inovação americano teve início na década de 1970. Com essa segregação, ficou mais difícil a aplicação de descobertas científicas básicas. A análise mostra também que o empreendedorismo científico, apoiado pelo capital de risco, ajudou a preencher essa lacuna - mas apenas em alguns setores.

As descobertas sugerem ainda que, para obter maior crescimento da produtividade, é preciso explorar maneiras alternativas de traduzir a ciência em invenção.

O trabalho pondera ainda que, na década de 1960, o departamento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da DuPont publicou mais artigos científicos no Journal of the American Chemical Society do que o MIT e a Caltech juntos. Da mesma forma, o laboratório Bell Labs, da AT&T, berço da teoria de transístor, abrigou 14 ganhadores do prêmio Nobel e cinco vencedores do Turing Awards.

A "lua de mel" acabou em 1980, quando uma combinação de pressão dos acionistas, aumento da concorrência e falhas nas políticas públicas levou as empresas a reduzir os investimentos em ciência. As companhias começaram a recorrer a universidades e pequenas empresas em busca de novas ideias. Eles, basicamente, terceirizaram esse trabalho – com todas as precarizações e limitações que se tem direito.

Ashish Arora, professor da Universidade de Duke Fuqua, na Carolina do Norte

O Bell Labs foi separado de sua empresa controladora, a AT&T, e colocado sob a Lucent em 1996. O Xerox PARC foi transformado em uma empresa separada em 2002. A IBM, sob gerência do executivo Louis Gerstner, redirecionou a pesquisa para aplicações comerciais em meados dos anos 1990. A DuPont encerrou seu laboratório central de pesquisa e desenvolvimento em 2016.

Esse declínio na pesquisa também se reflete nas publicações do setor. Um levantamento feito com 4.608 empresas americanas constatou que o número de publicações por empresa caiu a uma taxa de 20% por década entre 1980 e 2006. Como efeito dominó, isso impactou em prêmios: as companhias listadas na Fortune 500 venceram 41% dos prêmios de inovação em 1971, mas apenas 6% em 2006.

Isso marca uma mudança significativa no ecossistema de inovação dos EUA. "Saímos de uma economia em que grandes empresas fizeram pesquisa e desenvolvimento científicos e entramos em uma com uma divisão abrupta: as empresas são especializadas em desenvolvimento e universidades são especializadas em pesquisa", disseao NeoFeed o professor da Universidade Duke Fuqua e um dos autores da pesquisa, Ashish Arora.

"As empresas são especializadas em desenvolvimento e universidades, em pesquisa", diz Ashish Arora

Ainda de acordo com o docente, a solução não é voltar ao passado e tratar a ciência acadêmica e a profissional da mesma maneira. "As corporações têm acesso a recursos especializados que nem sempre estão ao dispor das universidades. Por exemplo, o Processo de Triagem de Alto Rendimento, da Pfizer, dificilmente nasceria num laboratório universitário. Invenções como essa exigem escala e escopo, duas 'ferramentas' abundantes na esfera empresarial", afirma Arora.

Além disso, pesquisadores de empresas e universidades têm incentivos diferentes, o que dita a rapidez com que as inovações são aplicadas. Enquanto os universitários são recompensados por precedência, vencendo aquele que chegou primeiro; o pesquisador corporativo é recompensado por sua utilidade na invenção – ganha o que funciona melhor.

Enquanto defende uma melhor redistribuição de recursos destinado a pesquisas e suas aplicações, Arora lembra ainda que o cenário americano se diferencia dos demais pela filantropia "estruturada". De acordo com o professor, milionários e herdeiros de grandes fortunas têm por hábito fazer generosas doações a universidades, e que isso acaba fomentando, ainda que indiretamente, a ciência acadêmica.

Em países em desenvolvimento essa prática de filantropia não é tão comum, e a situação se agrava quando o próprio governo retira recursos de pesquisa. "Há governantes em países como o Brasil e a Índia que acreditam que suas nações estejam às margens das análises científicas e que, portanto, seja arriscado investir neste setor." E finaliza "O que eles esquecem é que agora é hora de injetar recursos para que esses países 'alcancem' os demais e, a partir daí, comecem a inovar".

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