Uma das referências do mercado financeiro, o americano Bill Ackman é um personagem bastante requisitado pela mídia para falar sobre investimentos e outros temas do setor. Mesmo com esse espaço, ele não perde o hábito de discorrer sobre os mais variados assuntos em seu perfil na X (antigo Twitter).

No início desta semana, esses dois caminhos se cruzaram quando, em entrevista à rede CNBC, o fundador da Pershing Square Capital Management destacou os avanços da X, agora sob o guarda-chuva de Elon Musk. E afirmou que se interessaria em um acordo para viabilizar a reabertura de capital da empresa.

“Tenho muito respeito por Musk. Ele fez melhorias tremendas na plataforma e acho que a empresa é um ativo único, muito difícil de interromper e que pode crescer em diferentes linhas de negócios”, disse o investidor americano.

Do discurso à prática, é claro que há um longo caminho para que um eventual acordo se concretizasse. Especialmente, quando um dos atores em cena se chama Elon Musk. Mas o fato é que, à parte da figura polêmica do bilionário, existem outros sinais para indicar que essa aposta pode ser bastante arriscada.

A carta na manga de Ackman é uma aprovação recém-obtida pela Pershing Square para uma Special Purpose Acquisition Rights Company (SPARC). Na prática, uma variação das Special Purpose Acquisition Companies (SPAC), ou “empresas de cheque em branco”, como esses veículos são mais conhecidos.

No primeiro modelo, a SPAC levanta recursos no mercado de capitais e busca um alvo para uma aquisição. Já, na SPARC, a premissa inicial é justamente o contrário. A largada se dá com a escolha do ativo e, posteriormente, a captação do montante para a conclusão do acordo.

Com diferenças sutis, os dois formatos guardam, em contrapartida, processos e etapas muito similares. E é nessa intersecção que residem alguns dos pontos que podem colocar em risco uma associação bem-sucedida entre Musk e Ackman.

A começar pelo histórico recente de Ackman no universo das SPACs. Conhecido por colecionar retornos elevados, o que lhe rendeu o apelido de “Baby Buffett”, ele esteve bem longe de repetir tal desempenho nessa outra seara.

Há pouco mais de um ano, a Pershing Square foi obrigada a devolver US$ 4 bilhões que havia captado em julho de 2020 na Bolsa de Nova York por meio de um veículo nesses moldes. O motivo? A gestora falhou em encontrar um ativo dentro do prazo de dois anos estabelecido pela regulação.

Em 2021, a Pershing Square Tontine Holdings, nome da SPAC em questão, chegou a negociar a compra de uma fatia da Universal Music. Mas recuou quando a Securities and Exchange Commission (SEC) alegou que o veículo não preenchia todos os requisitos exigidos nesse formato.

No fim do prazo da SPAC, Ackman atribuiu o fracasso na tentativa ao péssimo desempenho no mercado de capitais de boa parte das SPACs que haviam sido concluídas nesse intervalo. O que, segundo ele, teria contribuído para que o mercado tivesse uma visão negativa sobre esses veículos.

De fato, não faltam dados para ilustrar essa performance aquém das expectativas. No início de 2023, por exemplo, um levantamento da agência Bloomberg selecionou oito empresas que abriram capital por meio desse expediente, a partir de julho de 2021.

Entre outros episódios semelhantes, a pesquisa mostrou o caso da Enjoy Technology. A empresa chegou à Nasdaq, via uma SPAC, em 18 de outubro de 2021, captando mais de US$ 250 milhões no processo. E acionou o Capítulo 11 da Lei das Falências nos Estados Unidos apenas 256 dias depois.

Na mesma toada, há exemplos mais recentes que, inclusive, envolvem SPACs de grande porte, o que, provavelmente, seria o caso da X com a Pershing Square. É o caso da Lucid Motors, de carros elétricos, que concluiu sua fusão por meio de uma SPAC em julho de 2021.

A empresa levantou US$ 4,5 bilhões no processo e, desde então, suas ações registram queda de 44% na Nasdaq. Em um roteiro parecido, os papéis da Grab, dona de um superapp de transporte, delivery de comida e pagamento, despencam mais de 60% desde a estreia da empresa, em dezembro de 2021.

Há mais provas de que esses não são casos isolados. Um estudo de Jay Ritter, professor da Universidade da Flórida, citado pela revista americana Barron’s, mostra que as quase 200 empresas que se tornaram públicas via SPACs em 2021 foram negociadas, em média, um ano depois, 64% abaixo das suas cotações iniciais.

Existem outros componentes que desafiam uma eventual volta da X ao mercado de capitais, por meio desse formato. A começar pelo fato de que a companhia provavelmente seria avaliada por um valor bem abaixo dos US$ 44 milhões pagos por Musk na aquisição, em 2022.

Essa desvalorização não estaria relacionada apenas ao modelo proposto. Mas também, a questões específicas da própria empresa, sob o comando de Musk. Entre eles, a fuga de anunciantes, as diretrizes polêmicas do bilionário e, como consequência, uma queda intensa nas receitas da operação.