Em março de 2020, a Embraer embarcou em um cenário crítico no rastro dos impactos da Covid-19 nas companhias aéreas. Um mês depois, esse panorama ganhou contornos ainda mais desfavoráveis quando a Boeing desistiu de firmar uma joint venture em aviação comercial com a fabricante brasileira.

O acordo vinha sendo costurado há mais de dois anos e demandou uma série de investimentos da empresa para se ajustar à nova operação. Entre eles, os movimentos necessários e gradativos para apartar a divisão de aviação comercial das demais unidades de negócio da companhia.

Passados mais de 30 meses desde o fracasso da transação e a chegada da pandemia, a Embraer segue sofrendo as consequências desse período. E, agora, enfrenta um novo trajeto marcado por novas turbulências que também desafiam sua recuperação.

“Os voos estão lotados, mas ainda estamos no modo de crise e seguimos na toada de um crescimento pequeno”, disse Antonio Garcia, vice-presidente executivo de finanças e de RI da Embraer, em uma referência justamente ao segmento de aviação comercial. “Todas as companhias aéreas têm dificuldades com suas finanças. Então, deve demorar mais dois anos para vermos volumes mais altos na Embraer.”

Ele foi o porta-voz da Embraer em uma reunião com a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), nesta terça-feira, 29 de novembro. Em sua participação, ele destacou que, apesar desse contexto, há demanda no mercado. Em contrapartida, a falta de peças é um complicador.

“O material está chegando em cima da hora para finalizar os aviões e não conseguimos crescer os volumes por falta de motor. A indústria precisa de mais um ano para se recuperar”, afirmou. “Então, dá para vender mais, mas não temos peças disponíveis no mercado para isso. É um impacto para todos.”

Para ilustrar essa situação, Garcia ressaltou o desafio da Embraer para entregar, até o fim do ano, 60 aeronaves na divisão de aviação comercial e outras 100 na aviação executiva. Esse esforço, destacou ele, envolve a manutenção da operação, inclusive durante as partidas da seleção brasileira na Copa do Mundo.

Ao mesmo tempo, a aviação comercial é também um dos exemplos dos sinais positivos que a Embraer enxerga em um horizonte de médio prazo, após atravessar esse período mais conturbado para a empresa e o mercado.

“Fechamos pedidos agora com o Oriente Médio e acabamos de certificar nossos aviões para vendê-los na China”, observou. “A frota está ficando antiga, principalmente nos Estados Unidos. Então, vemos um potencial de substituição maior do que estamos enxergando nas vendas hoje.”

Em aviação comercial, segmento que respondeu por 29,4% da receita líquida de R$ 5,04 bilhões da Embraer no terceiro trimestre, a empresa opera com dois modelos: o E175, na categoria de aviões até 100 assentos, e o E2, na faixa de aeronaves até 150 assentos.

“Hoje, basicamente não temos concorrentes na categoria até 100 assentos, que são os aviões usados principalmente na aviação regional americana”, disse. “É um negócio cativo e que nos garante uma reposição de, pelo menos, 30 a 40 aviões por ano.”

Segundo Garcia, esse mercado já foi maior e sua recuperação depende de fatores como as restrições que as companhias regionais nos Estados Unidos estão enfrentando em número de pilotos. Muitos migraram para grandes companhias e para a aviação executiva, e ele espera que essa questão se estabilize no prazo de um a dois anos.

Na contramão dessa expectativa, um mercado que já vive uma fase mais positiva é o de aviação executiva, cuja participação na receita líquida da Embraer foi de 26,4% entre julho e setembro. Nessa frente, onde compete nos segmentos de jatos leves e médios, a Embraer tem uma carteira de pedidos de US$ 3,8 bilhões.

“Se alguém quiser comprar um avião desse porte hoje vai ter que esperar, no mínimo, dois anos e meio, salvo algumas exceções”, afirmou. “Atualmente, o mercado preponderante para a aviação executiva é os Estados Unidos, mas a América Latina também tem se desenvolvido bem.”

Com uma média de 100 a 120 pedidos para os próximos anos, o executivo disse que essa demanda vem sendo puxada, principalmente, por novos compradores na categoria. E, nessa trilha, a Embraer acaba sendo beneficiada, já que esses clientes escolhem os jatos de menor porte em suas primeiras aquisições.

Outro segmento no qual a empresa já vem registrando vendas maiores que os níveis pré-pandemia é o de serviços, carro-chefe da receita, com 31,2% de participação no terceiro trimestre. Aqui, a Embraer fez investimentos recentes como a duplicação de seus hangares em Sorocaba (SP) e já avalia repetir esse movimento em suas estruturas nos Estados Unidos.

Com uma fatia menor no resultado da companhia, de 12,5%, a área de defesa também está no centro de planos para ampliar sua contribuição. Hoje, a atuação da Embraer no segmento está mais restrita ao atendimento da Força Aérea Brasileira.

No entanto, a empresa já vê oportunidades de estender suas fronteiras nesse mercado, em que opera com o cargueiro C-390 Millenium e o caça Super Tucano.

“Já vendemos cinco C-390 para Portugal, dois para a Hungria e estamos em fase final de negociações com a Holanda e há outros países pedindo informações sobre o modelo”, disse. “Já o Super Tucano está sendo demandado por países europeus para treinamento de pilotos.”

O protótipo do "carro voador" da Eve, startup que é um spin-off da Embraer

Nessa direção, ele destacou, em particular, a parceria assinada em setembro com a empresa americana L3Harris Technologies, para aprimorar as capacidades de reabastecimento do C-390 e válida, a princípio, por dois anos.

“Eles querem reconfigurar o avião para poder vender para a Força Aérea dos Estados Unidos”, observou. “Ainda estamos digerindo esses números e eles não estão nas nossas projeções, mas, nesse movimento, os US$ 8 bilhões em receita que estimamos chegar em 2026, podem ser até pouco.”

Garcia destacou ainda a participação detida pela Embraer na Eve, startup que é fruto de um spin-off da companhia e que atua no mercado ainda nascente de aeronaves elétricas de pouso e decolagem vertical (eVTOL), os chamados “carros voadores”.

A Eve abriu capital na Bolsa de Nova York, em maio deste ano, por meio de uma fusão com a Zanite Acquisition Corp, uma Special Purpose Acquisition Company (SPAC). E hoje, está avaliada em US$ 2,2 bilhões, enquanto a Embraer, vale US$ 1,9 bilhões.

“A Eve já tem cartas de intenção para 2,6 mil aeronaves, com 24 clientes e seus ganhos ainda não foram precificados no valor da Embraer”, disse. “É um mercado novo que, quando acontecer, também beneficiará a Embraer e seus acionistas.”