A Sigma Lithium, empresa listada na Bolsa de Toronto e na Nasdaq (a bolsa eletrônica dos Estados Unidos) e que desde abril opera uma mina de lítio e uma unidade industrial no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais, dá um novo passo nesta segunda-feira, 24 de julho.

A partir das 10 horas, a B3 vai disponibilizar para todas as corretoras que atuam no Brasil a possibilidade de negociar ações da empresa por meio de BDRs (Brazilian Depositary Receipts) - título emitido no Brasil que representa uma ação de companhia aberta constituída e listada no exterior.

Na prática, o BDR vai permitir a possibilidade de investidores que operam no Brasil, seja pessoa física ou fundos, a negociar os papéis da Sigma em reais, assim como fazem com ações da Petrobras e Vale e outras empresas listadas na bolsa brasileira, sem a necessidade de abrir conta fora do País.

“O investidor brasileiro pode participar financeiramente, como acionista, de toda essa revolução tecnológica verde que está acontecendo no coração do Brasil”, afirma ao NeoFeed Ana Cabral, CEO da Sigma e sócia da A10 Investimentos, um fundo de private equity brasileiro que detém 46% de participação da Sigma.

A entrada da Sigma na bolsa brasileira foi uma iniciativa da B3. “É uma empresa que faz parte da nova economia, um case de sucesso sustentável cujas operações e sócios principais são brasileiros e recebeu apoio do mercado de capitais internacional há vários anos, ainda na fase pré-operacional”, diz Rogério Santana, diretor de Relacionamento da B3.

Segundo ele, a estreia da empresa na B3 não envolve uma oferta, pois a Sigma não está captando recursos novos. “Percebemos que os investidores brasileiros tinham interesse e levamos adiante a proposta de disponibilizar o BDR”, afirma Santana.

O BDR da Sigma é do modelo não patrocinado (quando a iniciativa de disponibilizar esse papel não é da empresa) e tem o Banco B3 como instituição depositária, encarregada de dar apoio à operação de compra e venda dos papéis da empresa.

Com isso, caberá ao Banco B3 emitir e cancelar BDRs nesse fluxo entre os mercados financeiros local e dos países onde a Sigma negocia ações – no Canadá (onde foi inicialmente listada, na Bolsa de Toronto) e nos EUA (Nasdaq).

XP, Morgan Stanley e Credit Suisse, por sua vez, atuarão como formadores de mercado, com a tarefa de estabelecer o preço de compra e venda dos BDRs da Sigma. O Banco B3 estabeleceu que cada ação da Sigma equivale a três BDRs no mercado brasileiro.

A proporção segue um padrão que busca sempre posicionar o BDR abaixo de R$ 50 para que o papel seja acessível para um número maior de investidores. A ação da Sigma custa em média US$ 40.

Juntamente com a Sigma, a B3 vai negociar a partir de hoje BDRs de outras duas empresas brasileiras listadas na Nasdaq – a Pátria Investimentos, gestora líder em investimentos alternativos na América Latina, e Afya Educacional, hub de educação e soluções digitais para médicos.

Além de facilitar o acesso de investidores locais a ativos internacionais, os BDRs também viabilizam o investimento em empresas brasileiras listadas fora do país.

A B3 registra 828 BDRs não patrocinados, entre os quais Stone, PagSeguro e Nubank. No primeiro semestre de 2023, o estoque desses papéis chegou a R$ 22 bilhões, com participação amplamente majoritária (97%) de pessoas físicas, que somam 2 milhões de investidores.

Fim da fase pré-operacional

Avaliada em cerca de US$ 4,1 bilhões, a oferta de BDRs reflete o potencial da Sigma, ancorado na grande demanda pelo lítio - um mineral fundamental na fabricação de baterias de carros elétricos e na transição energética, cujo mercado global deve atingir US$ 22,6 bilhões até 2030.

A chegada da Sigma à B3 ocorre três dias antes do primeiro embarque da produção da planta do Vale do Jequitinhonha. São 15 mil toneladas de lítio pré-químico premium e outros 15 mil toneladas de rejeitos ultrafinos sem produtos químicos, empilhados a seco.

Ana Cabral, CEO da Sigma Lithium
Ana Cabral, CEO da Sigma Lithium

O material será enviado pelo Porto de Vitória, no Espírito Santo, para a chinesa Yahua, onde receberá o refino final, cristalização e micronização. Esse é um processo intermediário que só é feito na China (98%) e na Austrália.

A Sigma deve embarcar este ano 130 mil toneladas de lítio pré-químico premium e 200 mil toneladas do concentrado de baixo teor, o chamado rejeito verde ou ultrafino.

A unidade atua com 70% da capacidade, produzindo uma média de 130 mil toneladas de insumos por mês. A previsão é de ampliar a produção para 270 mil toneladas em 2024. “Vamos construir mais duas linhas de produção nos próximos 12 meses”, diz a CEO da Sigma.

O projeto de lítio “Grota do Cirilo” da empresa no Vale do Jequitinhonha levou seis anos para começar a operar, com cerca de R$ 3 bilhões de investimentos.

A empresa produz na unidade no Vale do Jequitinhonha um pré-químico de lítio premium usado na fabricação de baterias de carros elétricos.

A extração de lítio no norte mineiro é feita em rocha dura. O mineral é processado numa fábrica construída ao lado da mina, num complexo de 2 quilômetros quadrados, entre os municípios de Araçuaí e Itinga.

Além do pré-químico de lítio premium produzido na unidade, a Sigma inovou no desenvolvimento de um processo sustentável para aproveitamento de rejeitos, que também são exportados.

O processo produtivo dos chamados rejeitos ultrafinos é feito com água e energia 100% recicladas, sem uso de componentes químicos.

O sistema de empilhamento dos rejeitos é feito a seco, com o dobro do custo do processo tradicional, mas menos agressivo ao meio ambiente – um feito notável num setor marcado por um histórico de operações com grandes danos ambientais, como o de mineração.

A executiva diz que a pegada sustentável do processo industrial de rejeitos acabou se transformando na grande vantagem competitiva da Sigma.

“A venda desses rejeitos já cobre o custo operacional da produção inteira, esse incremento verde trouxe uma taxa de retorno inacreditável, nos surpreendeu o apetite comercial por esse resíduo”, afirma a CEO.

Parte desse sucesso é atribuído por Cabral à exigência das montadoras que, de olho na transição verde, estão sendo cada vez mais exigentes no fornecimento de insumos, num mercado de grande oferta – o lítio é encontrado em várias regiões do mundo.

“Hoje temos um produto cujo momento de mercado chegou, a indústria de carros verdes não quer lítio marrom, quer lítio verde, e exige um padrão máximo de qualidade”, acrescenta Cabral.

Outras empresas estão desenvolvendo projetos de exploração do mineral no Vale do Jequitinhonha, que está sendo chamado de Vale do Lítio: Atlas Lithium, Lithium Resources e Lithium Ionic.

Para Ana Cabral, a chegada à B3 fecha um ciclo para a Sigma: “Saímos do Vale do Jequitinhonha, listamos na Bolsa de Toronto, quatro anos depois, na Nasdaq, e agora finalmente entramos na B3.”