Nascida como uma boutique de investment banking em 2009, a Urca Capital Partners começou a colocar os pés no mercado imobiliário a partir de 2015. Primeiro no Brasil, com foco na estruturação de dívida. Em 2017, pegou o avião e começou a atuar nos Estados Unidos, como consultora de famílias que queriam estabelecer um patrimônio imobiliário no país.

Diante da série de oportunidades de investimentos que vislumbrou, os gestores da Urca decidiram seguir, a partir de 2021, o mesmo passo que outras concorrentes brasileiras já tinham identificado: investir em imóveis no mercado americano. Além dela, outros grandes players como RBR Asset e Jive seguiram o mesmo caminho.

“Quando começamos a olhar o mercado, vimos que as rentabilidades lá são iguais ou maiores nominalmente do que a rentabilidade do mercado imobiliário no Brasil, sendo que lá é em dólares”, diz Caio Braz, sócio da Urca Capital Partners, ao NeoFeed. “E é um mercado com muito mais opções.”

Por meio da criação de um veículo específico, a Urca Real Estate Holdings, incorporada em Bermudas para obter ganhos tributários, a parte de gestão da Urca Capital, que tem R$ 1,5 bilhão em ativos no Brasil e nos Estados Unidos, foi com tudo para a terra do Tio Sam.

E em quase um ano de atuação, montou um portfólio com 11 edifícios comerciais e participação em oito empreendimentos residenciais em desenvolvimento. Os ativos estão em nove estados americanos, em cidades como Milwaukee, Miami e Chicago. 

O movimento da Urca não é inusitado. Desde a segunda metade dos anos 2010, os Estados Unidos têm sido o destino de gestoras que atuam no mercado imobiliário. São quatro atrativos: o tamanho, a segurança e as perspectivas do mercado e a possibilidade de ganhos em dólares. 

A tese de investimento, em geral, tem argumentos muito semelhantes ao de plataformas e corretoras que incentivam as pessoas a dolarizarem seus patrimônios. Primeiro tem a questão da economia, considerada muito mais robusta do que a brasileira, e do mercado, muito mais maduro e líquido, permitindo às gestoras diversificarem seus ativos e reduzirem os riscos relacionados ao mercado brasileiro. 

Caio Braz, sócio da Urca Capital Partners

A segunda está relacionada ao próprio mercado imobiliário do país, que por anos apresenta crescimento. No caso de imóveis residenciais, a taxa anual de autorizações para a construção mais do que dobrou nos dez anos até novembro de 2022, segundo dados do United States Census Bureau (USCB), agência governamental de estatísticas. 

A venda de novos imóveis também dobrou no mesmo período, enquanto os gastos com construção de residenciais triplicaram, de acordo com o USCB. Ao mesmo tempo, o valor médio de casas vendidas nos Estados Unidos vem subindo. No terceiro trimestre de 2022, ele alcançou US$ 542,9 mil, alta de 84,3% em relação ao mesmo período de 2021. 

Junto com um mercado diversificado, tem a questão de possibilitar ao investidor obter um retorno em dólar de seus investimentos. Segundo Braz, em alguns segmentos, a rentabilidade é nominalmente parecida com o que se pode obter no mercado brasileiro.

A questão é que o ganho é em dólar, uma moeda mais forte que o real, levando o investidor a lucrar na conversão de moedas. 

"Em desenvolvimento, não é raro a gente ver empreendimentos conseguindo atingir rentabilidade de 25% a 30% ao ano, em investimento focados em renda, também não é raro obter de 8% a 12% ao ano, isso em termos nominais", afirma. "Só que é em dólar, e 10% ao ano em dólar não é a mesma coisa que 10% ao ano em real. É muito mais ao longo do tempo."

New York, New York

Esse é um dos argumentos utilizados
por Ricardo Almendra, fundador e CEO da RBR Asset, gestora dedicada ao mercado imobiliário e que recentemente ganhou uma área de infraestrutura, para justificar investir no mercado imobiliário dos Estados Unidos, além da questão da estabilidade e segurança do mercado americano.

Com R$ 7,5 bilhões de ativos sob gestão, cerca de R$ 1 bilhão estão alocados nos Estados Unidos. A RBR começou a fazer investimentos por lá em 2018. A premissa da gestora é ficar em grandes centros urbanos, o que levou a RBR a se concentrar em Nova York e a região nordeste do país. 

Ricardo Almendra, fundador e CEO da RBR Asset

A gestora decidiu inicialmente comprar pequenos prédios residenciais, os chamados brownstones, apostando na tese de multifamily, categoria de imóveis comerciais em que todos os apartamentos são destinados a aluguel e estão registrados sob uma única matrícula. 

A tese da RBR consiste em comprar brownstones, reformá-los, alugar os apartamentos e, posteriormente, vendê-los. “Este é um segmento de muito baixo risco, que não passa por disrupção, as pessoas vão continuar precisando de casas para morar”, diz Almendra. 

A RBR já comprou 46 prédios na cidade, com 450 apartamentos. A concentração em Nova York se dá pelo déficit de moradias que existe.

Segundo ele, 65% da população da cidade mora de aluguel, com a vacância dos apartamentos multifamily sendo de 2,5%, enquanto nos Estados Unidos fica em torno de 5% a 6%. “Em Nova York, o aluguel vai subindo de maneira quase constante, sempre tem demanda por imóveis”, diz. 

Com essa receita de comprar prédios, reformar, alugar e vender, a RBR já se desfez de nove, obtendo um retorno médio de 24% ao ano em dólar, tendo vendido parte para um fundo de real estate voltado para renda de longo prazo do Carlyle e também para family offices, um japonês e outro americano. 

Recessão?

Nem a expectativa de que os Estados Unidos passe por uma recessão em 2023 desanima as gestoras brasileiras que estão de olho no mercado americano. A situação da economia, inclusive, está sendo vista como uma oportunidade de se obter bons ativos e ter ganhos com aqueles já em mãos.

A Jive Investments, gestora especializada em ativos distressed e que tem R$ 13,2 bilhões sob gestão, começou a investir no mercado americano na virada de 2021 para 2022. Assim como faz no Brasil, a Jive está em busca de ativos ilíquidos e com problemas, para recuperá-los para depois recolocar no mercado.

O primeiro investimento foi a compra de uma participação de 50% em um prédio passando por retrofit em Nova York com o modelo multifamily, detido por um family office que sofreu com perdas em outros investimentos. O valor investido não foi revelado. 

João Oliveira, sócio da Jive responsável pela área de real estate

A companhia também realizou a aquisição de quatro clínicas de retaguarda, locando essas unidades para uma empresa chamada PAM Health, também por conta de problemas do investidor original, que sofreu com a alta dos juros. 

No caso do prédio residencial em Nova York, antes de realizar a saída do investimento, a ideia é torná-lo sustentável financeiramente. E nas circunstâncias atuais, ela vislumbrou a possibilidade de elevar os valores de locações das unidades, diante da demanda por aluguéis na cidade e a possibilidade de repassar os efeitos da inflação a potenciais moradores. 

E tem ainda o fato de a alta dos juros promovida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) ter tornado ainda mais difícil comprar imóveis. Depois que fez o investimento, a Jive conseguiu locar totalmente o prédio em três meses. 

“O comprador americano é um pouco mais racional, quando a taxa de juros sobe, e a taxa da hipoteca também, eles fazem uma decisão racional, de alugar e esperar a normalização da situação, para depois comprar”, diz João Oliveira, sócio da Jive responsável pela área de real estate. 

A Jive também está vendo oportunidades em escritórios, pelo fato de a volta ao trabalho presencial estar mais lenta, fazendo com que muitas unidades estejam sendo vendidas a preços muito baixos.

A expectativa, porém, é que as empresas consigam reverter essa situação, com a recessão elevando o desemprego e dando mais poder às empresas de exigir o retorno das pessoas ao trabalho presencial. 

Em termos de retorno, Oliveira diz que vai tentar buscar em dólar o que busca no Brasil, o equivalente a 25% ao ano. "Então a gente está falando de 18% a 20% ao ano em dólar", afirma.

Segundo Marcelo Martins, sócio da Jive responsável pelas atividades do escritório da gestora em Nova York, se um investimento dá em termos líquidos de 18% a 20% ao ano em dólar, é possível por meio do carry ter ganho em reais.

Série de oportunidades

Diante das possibilidades, as gestoras têm se mexido para continuar investindo. A RBR está levantando recursos para um terceiro fundo voltado para a sua tese de investimento, o RBR Club 3, que deve alcançar US$ 70 milhões até o fim do primeiro trimestre. Eles já contam com outros dois fundos, o RBR Club 1 e o RBR Club 2. 

A Urca está de olho em oportunidades no segmento de residências familiares, especialmente na Flórida e no Texas, de residenciais estudantis, além de galpões para a última milha (espaços estratégicos na logística para o processo final de entrega). 

Ela chegou a protocolar um IPO da Urca Real Estate Holdings em julho, numa transação que poderia levantar R$ 480 milhões, mas desistiu em dezembro, por conta das circunstâncias difíceis de mercado. Segundo Braz, está em estudo a retomada da operação ou a estruturação de um fundo. 

“A gente não sabe que tipo de fundo ainda, por causa da nova resolução da CVM”, afirma. “Quando ela entrar em vigor, a gente deve ver se tem algum fundo melhor ao que a gente pretende, ou retomar a oferta.”

No caso da Jive, os investimentos em real estate são feitos utilizando uma parcela dos R$ 4 bilhões que captou em recursos para o fundo 3, em outubro de 2020. Quase R$ 1,5 bilhão foram destinados para todos os projetos imobiliários, e apenas uma fração está sendo destinada para os Estados Unidos. 

“Os investimentos nos Estados Unidos não serão uma exposição grande dentro do nosso portfólio, a não ser que a gente decida fazer um fundo apartado para investir no mercado americano”, diz Oliveira.