O fato relevante publicado no domingo, 28 de janeiro, com a confirmação de uma capitalização privada de R$ 1,25 bilhão do Magazine Luiza, parecia um indicativo de que o reforço no caixa da rede varejista significaria a volta da confiança do investidor.

Não foi, no entanto, o que os números mostraram. Embora a ação do Magalu tenha aberto o pregão da segunda-feira, 29 de janeiro, tocando uma alta de quase 10%, esse movimento foi perdendo força ao longo do dia com o papel fechando em baixa de 0,48%. Na terça-feira, mais uma queda: 4,35%.

A ação do Magalu movimentou pouco mais de R$ 488 milhões na segunda-feira, um volume financeiro 65% maior que o dos primeiros 19 pregões de 2024. Chamou a atenção nessas transações o aumento na quantidade de ações alugadas da rede varejista.

Nesse pregão, houve um crescimento de 7%, para 413,3 milhões de papéis, um montante que volta aos mesmos patamares de 1º de dezembro. No dia seguinte, terça, 30, embora o volume financeiro tenha sido menor (pouco mais de R$ 295 milhões, na média de janeiro), o número de ações alugadas aumentou 16,5 milhões, chegando a 429,7 milhões, informa Einar Rivero, CEO da Elos Ayta Consultoria.

Isso significa que a "aposta" contra a ação aumentou de 13,5% para 15,1% do free float em dois pregões. O Magazine Luiza tem quase 2,9 bilhões de ações em livre circulação de um total de pouco mais de 6,7 bilhões de papéis emitidos. Os controladores detêm 56% desse total.

A rede varejista, que já foi uma das queridinhas dos investidores e chegou a valer R$ 177,9 bilhões, em 5 de novembro de 2020, vale menos de um décimo desse valor. E, na visão dos gestores que conversaram com o NeoFeed , o Magalu vai ter dificuldades para recuperar essa exuberância no curto e médio prazo, bem como "vender" seu discurso de ser uma retail tech.

“O setor de varejo como um todo passa por um momento ruim, com a concorrência espremendo ainda mais as margens. Mas o Magalu tem seus próprios desafios, por isso está em busca de ser mais tech, algo que ainda ‘não faz preço’ na ação”, diz um gestor, que desmontou a posição vendida na ação no fim do ano passado.

Outro gestor que conhece o Magalu e recentemente teve reunião com o management da companhia disse ao NeoFeed que a capitalização anunciada com aporte da família Trajano e do BTG Pactual só aconteceu porque não teve demanda no mercado. “Eles viram que não iam conseguir com as gestoras”, diz essa fonte.

Hoje, ele complementa, é melhor estar comprado em dívida do Magalu do que em equity. “Magalu está negociando 20 vezes o lucro, o que já é alto. E, como o resultado da empresa é muito volátil, é difícil subir mais”, afirma ele. Já no caso da dívida, a empresa está pagando CDI mais 10% com duration até 2026. “Agora que a empresa fez essa capitalização, o papel da dívida está melhor ainda.”

O NeoFeed pediu para a consultoria Elos Ayta um levantamento sobre as gestoras compradas e vendidas no papel MGLU3. Todas as casas que aparecem nesse levantamento tinham a carteira aberta em setembro do ano passado. Das que conversaram com a reportagem, três já tinham desmontado as posições. “Aproveitamos um bom momento de entrada, mas, hoje, não é uma ação para carregar para o longo prazo”, conta um desses gestores.

A ação do Magalu fechou na terça-feira, 30 de janeiro, negociada a R$ 1,98, uma queda de 92,7% desde o pico mais recente, em 5 de novembro de 2020. A última queda expressiva, de 93,5%, tinha acontecido entre abril de 2011 e dezembro de 2015. Depois disso, o papel engatou uma valorização de 91.737% até novembro de 2020.

O que aconteceu de 2020 para cá é que a rede varejista viu uma transformação no seu balanço, o que se refletiu nas suas ações: o aumento da dívida líquida e a consequente redução do caixa. Entre 2017 e 2020, a dívida líquida do Magazine Luiza era “negativa”. As aspas ajudam a enfatizar a situação da rede varejista naquele momento, com um caixa maior que o seu endividamento. Mas, o sinal se inverteu a partir do ano seguinte.

No último balanço publicado, referente ao terceiro trimestre de 2023, a dívida bruta do Magazine Luiza era de R$ 7,4 bilhões. A dívida líquida da empresa estava em R$ 4,1 bilhões, o que significava uma alavancagem de 2,4 vezes a geração de caixa.

Na apresentação de resultados, o Magalu coloca um caixa total de R$ 8,1 bilhões em 30 de setembro ao somar R$ 4,8 bilhões de recebíveis com o caixa efetivo de R$ 3,3 bilhões.

Sobre o endividamento, o Magalu terá de desembolsar, aproximadamente, R$ 2 bilhões em abril. O custo médio informado pela companhia é de CDI + 1,25%. A captação privada de R$ 1,25 bilhão vem justamente para reforçar o caixa da companhia, com a família Trajano comprometida em colocar R$ 1 bilhão e o BTG Pactual garantindo o restante da oferta, como anunciado no fato relevante.

Mas um gestor aponta um senão: “Achei o discurso muito estranho. Dizem que não precisam de dinheiro nos próximos um ano e meio, mas a família vai aportar recursos e ainda vão pegar emprestado. Mas para fazer o quê? Na nossa visão, esse volume não resolve o problema”.

Na última teleconferência de resultados referente ao balanço do terceiro trimestre de 2023, o management do Magalu foi questionado diretamente sobre a possibilidade de um aumento de capital, o que naquela oportunidade foi negado que estava nos planos.

“A gente tem uma estrutura de capital hoje que considera bastante sólida, bastante líquida, e não existe nenhuma necessidade de discussão no conselho de administração a respeito de aumento de capital. Isso são, de novo, rumores de mercado”, disse, na ocasião, Fabrício Garcia, vice-presidente de operações da empresa.

Para analistas ouvidos pelo NeoFeed, a afirmação foi uma sinalização da empresa de que não precisaria recorrer a esse expediente para honrar seus compromissos de curto prazo. Agora, além de trazer um “certo alívio” à estrutura de capital, a mudança no discurso vem embalada por outro componente.

“Além do custo de capital ainda muito alto, as empresas precisam investir, crescer, recuperar market share e é isso que o Magalu está sinalizando”, diz Marco Saravalle, sócio da Sara Invest. “A empresa está vendo a fraqueza de concorrentes como a Americanas e Casas Bahia e precisa acelerar esse processo.”

Em relatório, o Goldman Sachs destacou o “mérito estratégico” da operação, ao observar que isso deve proporcionar mais flexibilidade para que a empresa reduza sua alavancagem e, ao mesmo tempo, invista em iniciativas-chaves de crescimento.

“A transação proposta, uma vez concluída, deve permitir à empresa ir além da preocupação dos investidores quanto à possibilidade de uma oferta subsequente pesar no preço das ações”, escreveram os especialistas do Goldman, mantendo a recomendação neutra e o preço-alvo de R$ 2,40 para a ação.

Desafios além do financeiro

A vertente de investimentos foi justamente um dos pontos ressaltados no comunicado sobre a proposta de aumento de capital. Nele, a varejista indicou a tecnologia, sua plataforma de marketplace e serviços de advertising, fintech, fulfillment e nuvem como destinos de parte dessa nova cifra.

Se a injeção de recursos dá força para rivalizar com nomes locais mais fragilizados, em outro canto do corner, o dos players internacionais, não são poucos os desafios que a empresa tem pela frente para se fortalecer na disputa por mais fatias do mercado.

“O Mercado Livre está em outro patamar. De entrega, de marketplace, de velocidade e experiência do usuário”, afirma Saravalle. “É difícil enxergar alguém competindo com eles nos próximos anos, principalmente entre os players locais. O Magalu está correndo para tentar diminuir um pouco esse gap.”

Alguns dados mostram o que está em jogo nessa “perseguição”. Criado em 2004, o Mercado Pago, braço financeiro do Mercado Livre, registrou um volume total de pagamentos (TPV) recorde de US$ 47,3 bilhões (aproximadamente R$ 234 bilhões) no terceiro trimestre de 2023, alta de 46,9% sobre igual período, um ano antes.

Nesse mesmo intervalo, a receita do Mercado Pago no Brasil foi de US$ 795 milhões (quase R$ 4 bilhões), um crescimento anual de 22,1%. Já na operação global, a receita foi de US$ 1,6 bilhão (aproximadamente R$ 7,9 bilhões), o que representou um salto de 33,2%.

A frente de produtos e serviços financeiros do Magalu, por sua vez, começou a ganhar mais foco a partir de 2020. E, entre julho e setembro de 2023, alcançou um TPV de R$ 24,6 bilhões, uma expansão de 11,5%. Ou seja, mesmo com o avanço, em pouco tempo, ainda há uma boa distância a percorrer.

Em paralelo, o Mercado Livre vem desenvolvendo há mais tempo tentáculos como os seus serviços de fulfilment, que entraram no radar há cerca de seis anos. E tem investindo pesado em frentes como logística, com o Mercado Envios, e, mais recentemente, publicidade, com o Mercado Ads.

“O Mercado Livre tem uma operação muito redonda e uma máquina azeitada em termos de tecnologia, logística, base de clientes e serviços”, afirma Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail. “O Mercado Pago é muito robusto, o Mercado Envio já é bastante estruturado e o Ads está crescendo.”

Ele ressalta que, diferentemente do rival, que concentra o negócio em seu marketplace e nesse ecossistema de serviços, o Magalu ainda está muito ligado ao varejo físico e ao seu próprio e-commerce, segmentos que sofreram nos últimos dois anos, especialmente em categorias como os bens duráveis.

“O Magalu chegou a ser precificado em múltiplos mais de empresas de tecnologia, mas o ponto é que o grosso da sua receita ainda vem do core no varejo”, diz Serrentino. “Para se tornar de fato uma retail tech, é preciso gerar mais receitas e margens nos serviços. Esse é o grande desafio.”

A concorrência não se limita, porém, ao Mercado Livre. Além do avanço de players asiáticos no mercado, um movimento mais recente e que promete acirrar ainda mais a competição nesse espaço, outro nome que não pode ser ignorado é o da Amazon.

Após desembarcar no Brasil em 2012 e construir gradativamente sua operação, a gigante americana passou a acelerar seus investimentos em sua estrutura local nos últimos anos, em áreas como logística. E surge como um dos principais rivais em um novo espaço para o Magalu: os serviços na nuvem.

Em dezembro de 2023, a varejista brasileira anunciou o lançamento do Magalu Cloud, seus serviços nesse segmento. Aqui, além da Amazon, já bastante consolidada nesse espaço por meio da Amazon Web Services (AWS), a empresa vai enfrentar outros dois gigantes: a Microsoft e o Google.

“A gente não vem concorrer, estamos somando”, disse, no lançamento, Luiza Trajano, presidente do conselho de administração do Magalu. “Se tudo der errado, vou ter uma cloud barata e complementar a dos meus concorrentes internacionais, mas estou confiante”, acrescentou o CEO Frederico Trajano.

Na tentativa de cavar seu lugar nessa briga de “cachorros grandes”, a aposta do Magalu é encontrar um atalho na oferta para clientes de pequeno e médio porte. Mas a nova guinada traz, de fato, um grau de incerteza que só ressalta que há barreiras a serem vencidas pela varejista.

“É uma aposta ambiciosa e ousada. Mas é difícil avaliar se vai dar certo e o quanto vai dar certo”, observa Serrentino. “De qualquer forma, jogar esse jogo é um negócio que demanda um grande e constante investimento em infraestrutura e segurança.”

Inconsistências contábeis

Outra ressalva no caminho do Magalu veio à tona no resultado do terceiro trimestre de 2023. Na época, a varejista divulgou que identificou e corrigiu erros em lançamentos contábeis reportados nos dois primeiros balanços trimestrais do ano e nos quatro de 2022.

Essas inconsistências inflaram o lucro da operação em R$ 830 milhões, valor que, com as correções, foi subtraído do patrimônio líquido da operação. E geraram, na sequência, a abertura de um processo administrativo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

“A empresa se adiantou em divulgar e não é nada tão preocupante e perto do que se viu na Americanas”, afirma Caroline Sanchez, analista da Levante, que tem recomendação neutra para o papel. “Mas é algo que traz risco e deve seguir gerando uma certa volatilidade nas ações.”

Atualmente, valor de mercado do Magalu é de R$ 13,5 bilhões. A partir de 2020, o valor de mercado foi reduzindo sua participação no enterprise value (EV) do Magazine Luiza. Esse indicador, que soma o valor de mercado com a dívida líquida e a participação dos acionistas minoritários, chegou a ter um peso de quase 100% do valor de mercado.

Aquele era um indicativo de que a empresa era “leve”, ou seja, com pouca dívida em relação ao seu caixa e com um peso pequeno dos minoritários. Agora, embora os minoritários sigam com um peso pequeno, a dívida cresceu. E o valor de mercado perdeu 23 pontos percentuais nesse período, caindo para 77% do EV.

No fim da tarde de quarta-feira, 31 de janeiro, o Magalu encaminhou o seguinte posicionamento:

O Magalu esclarece que o aumento de capital privado é uma manifestação de confiança das famílias controladoras na empresa e em seu modelo de negócio. A empresa reitera o que vem reportando há meses para o mercado: não há necessidade de captação de recursos para o pagamento de dívidas.

No terceiro trimestre de 2023, o caixa total do Magalu era de 8,1 bilhões de reais, reforçado pelo desempenho financeiro do quarto trimestre. Em janeiro, o Magalu pagou, com recursos do caixa, cerca de 800 milhões de reais em dívidas. Até o final de 2024, deve abater 3 bilhões de reais do endividamento total.

Os recursos que serão aportados, com garantia dos controladores e do BTG, têm como finalidade primordial acelerar os investimentos em tecnologia – sobretudo nos negócios de cloud, fulfillment, fintech, ads e em experiência do cliente – além de aprimorar a estrutura de capital da companhia.