Os números são diametralmente opostos, mas dão uma noção da oportunidade que há pela frente. Enquanto o mercado global de crédito privado alcança cerca de US$ 1,7 trilhão, segundo a empresa inglesa de dados de investimentos Preqin, o de dívida tokenizada está próximo de US$ 9,5 bilhões, de acordo com a empresa de análise de dados de ativos digitais rwa.xyz.

Dentro desse mercado, a tokenização de crédito privado ocupa a segunda maior posição mundial, atrás apenas das stablecoins. Em terceiro lugar está a tokenização de Treasuries, com um valor total de US$ 4,18 bilhões.

O principal player global em tokenização de dívida é a securitizadora Figure, de São Francisco, responsável por mais de 90% das emissões. Contudo, com a crescente busca por crédito privado e os avanços na regulação de ativos digitais, o Brasil tem se destacado como um mercado relevante nesse cenário.

Pioneiro no país, o Mercado Bitcoin liderou a oferta desse tipo de ativo e atualmente ocupa a terceira posição no ranking global de tokenização de crédito privado, com cerca de US$ 90 milhões em empréstimos ativos e mais de US$ 171 milhões já emitidos, segundo a rwa.xyz.

“Temos investido em profissionais do mercado tradicional para ajudar na avaliação e estruturação das ofertas”, afirma Alexandre Reda, diretor de estruturação e produto do Mercado Bitcoin. O volume de emissões de crédito privado pela empresa cresceu 200% no último ano, contra uma alta de 60% em 2023. “Para 2025, o plano é triplicar novamente.”

Entre as operações realizadas estão recebíveis de empresas, como Chilli Beans, Dux Nutrition e Rappi. A operação com a empresa de óculos solares aconteceu em dezembro do ano passado. Basicamente, eles fornecem os produtos para as lojas e antecipam o pagamento da venda, com um desconto. O pagamento, que iria para a Chilli Beans, vai direto pro investidor.

As emissões são feitas com base no Marco Legal de Securitização de 2022, que ampliou o leque de direitos creditórios. Os produtos são voltados a investidores de varejo, com mais de 70 mil usuários cadastrados na plataforma com exposição a esse tipo de ativo.

Outra estratégia de crescimento do Mercado Bitcoin é a emissão de tokens para financiar crédito de fintechs, tradicionalmente feita por FIDCs.

“Em vez de colocarmos esses recebíveis em FIDCs, temos empacotado o crédito por meio de certificados de recebíveis e emitido como instrumentos de renda fixa para investidores, em vez de um fundo”, explica Reda.

O principal risco nesse modelo está na qualidade do crédito originado pelas fintechs. Até agora, foram realizadas cerca de 200 operações desse tipo para mais de 20 fintechs.

Para as fintechs, esse modelo reduz custos em comparação à estruturação de FIDCs pois o uso de blockchain elimina despesas com custódia, liquidação, depósito e registro, além de viabilizar emissões menores. “Conseguimos operar com valores entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões, o que seria inviável para um FIDC devido às despesas envolvidas”, acrescenta Reda.

Outros players também seguem nessa direção no Brasil. É o caso da Mynt, corretora de criptoativos do BTG Pactual, que em breve planeja oferecer crédito privado tokenizado.

Segundo André Portilho, sócio e diretor de ativos digitais do BTG Pactual, esses ativos têm potencial para ganhar ainda mais tração no Brasil, especialmente em um ambiente de juros elevados.

“A tokenização do crédito privado é muito importante porque traz uma tecnologia mais eficiente para emissão, distribuição, negociação e liquidação dos produtos. O maior beneficiado é o consumidor final”, afirma Portilho.

A Bitybank também reconhece essa demanda e avalia a implementação de produtos de renda fixa digital em sua plataforma, embora ainda não tenha uma previsão de lançamento, segundo informou ao NeoFeed.

Já a Binance, maior corretora de criptoativos do mundo e líder em volume de negócios no Brasil, oferece produtos de renda fixa digital, mas sem conexão direta com “ativos do mundo real”. Entre as opções disponíveis estão o staking e as taxas de empréstimos fixos (fixed loan rates), que proporcionam rentabilidade ao permitir que criptoativos sejam usados para validações na rede, operações específicas ou emprestados a outros investidores. Até o momento, a Binance não tem planos para oferecer crédito privado tokenizado.

Para analistas da S&P, a evolução na tokenização de ativos do mundo real já levou a pequenos avanços na adoção, abrindo caminho para passos mais significativos no futuro. Entretanto, ainda há desafios a serem superados, como a qualidade do crédito, o progresso desigual nos frameworks legais e regulatórios para ativos digitais, além da capacidade de negociar tokens em diversas redes em vez de uma única plataforma.

Reda, do Mercado Bitcoin, acredita que é apenas uma questão de tempo para que a tokenização se popularize em outros setores da economia, como o mercado imobiliário, crédito de carbono e registro de automóveis. “Essa é uma tendência muito forte para este ano.”

Essa tecnologia, que transforma direitos financeiros em tokens digitais registrados em blockchain, está remodelando a forma como investidores e empresas acessam e estruturam financiamentos.

Menores custos de emissão, aumento de liquidez e transparência figuram entre as principais vantagens em relação à emissão tradicional de dívida — benefícios que têm impulsionado significativamente o crescimento do crédito privado tokenizado.

Dados recentes da Standard & Poor’s mostram que o segmento cresceu 66% em 18 meses, comparado a um aumento de 22% em dois anos no volume de crédito privado no mercado internacional. Os montantes, no entanto, ainda são bastante distintos.