O Brasil avançou algumas casas com a aprovação da Reforma Tributária na Câmara dos Deputados. Antes, o acordo no Congresso para o arcabouço fiscal também soprou as nuvens escuras no horizonte. Mas, há algumas semanas, o clima não estava tão amistoso.

“Na minha visão, um dos principais problemas, se não o principal problema da economia brasileira, tem a ver com o lado fiscal”, diz Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Órama e professor do IBMEC em entrevista ao NeoFeed.

Ele complementa: “O fiscal transborda e acaba batendo no endividamento, na relação dívida-PIB, que, para os patamares atuais, ainda é elevado para um país como o nosso. Por isso era importante vir um arcabouço fiscal robusto que substituísse o teto dos gastos”.

Caso o governo não consiga aumentar a arrecadação, as projeções são de números crescentes. Para não ter de aumentar os impostos, como vem prometendo o ministro Fernando Haddad, o crescimento da atividade econômica é a única maneira de colocar mais dinheiro no cofre do governo.

Espirito Santo dá um voto de confiança a Haddad porque “ele tem feito coisas minimamente adequadas, ao meu juízo, então se ele está dizendo que não vai ter aumento de carga tributária, tudo bem”.

Apesar de toda euforia com a aprovação da primeira fase da Reforma Tributária, o economista da Órama é cauteloso com os próximos passos: quer saber qual será a alíquota do IVA e como o governo vai reduzir o déficit fiscal.

Para ele, o Banco Central (BC) conseguiu reancorar a inflação, o que já deve começar a se refletir na redução da Taxa Selic a partir da reunião de agosto do Copom. O que não claro para Espirito Santo é como os novos diretores do BC vão influeciar na decisão.

Se as nuvens no Brasil estão mais claras, o temor do economista são os ventos que vêm dos Estados Unidos. Ele desconfia que há uma bolha no mercado acionário americano, como você pode ler na entrevista abaixo:

Passada a reforma tributária na Câmara, quais são os desafios que temos agora?
Primeiro, destrinchar como vai ficar essa primeira parte da reforma tributária porque alguns setores podem sair penalizados, como o de serviços. Precisamos saber direitinho qual vai ser a alíquota desses novos tributos, desse IVA. Se for 25%, que é o que meus colegas de mercado estão estimando e o próprio Bernard Appy. O setor de serviços, que pesa 70% no PIB e é um grande gerador de empregos, foi muito sacrificado na pandemia. Esse setor paga em torno de 10%. Então, se vai ser 25%, há uma pancada em um setor que é importante. A outra coisa é começar a abrir exceções no Senado. Quanto mais exceção se abre, mais afastado de 25% vai ser. Essas interrogações precisam ser respondidas.

E o governo tem uma necessidade de arrecadação, não?!
A ministra Simone Tebet falou que enxerga que o déficit no ano que vem será em torno de R$ 30 bilhões, mas tem coelhos na cartola para zerar o déficit. Eu também tenho muita dificuldade de entender como se zera esse déficit, porque, na minha visão, teremos um número próximo a 1% de déficit no ano que vem. É um baita desafio e lembrando que essa questão fiscal é a pedra no sapato que temos ao longo dos próximos anos. Se olhar o consolidado do boletim Focus, os economistas estão projetando uma relação dívida/PIB cadente desde o início do ano, e acho que foi muito por conta dessa perspectiva do arcabouço fiscal, Mas se olhar para 2032, volta a subir. Então, não está resolvido na expectativa do mercado. Um ponto que vai deixar o mercado incomodado, na minha cabeça, tem a ver com o ano que vem. De onde vai vir essa surpresa, esses coelhos na cartola, que a ministra falou ontem?

Mas o mercado não é demasiadamente ansioso?
De onde vão sair R$ 100 bilhões? Não é uma tarefa fácil, não tem no bolso. Você pode ter alguns milhões, R$ 1, R$ 2 bilhões, mas R$ 100 bilhões não tem no bolso. Essas dúvidas irão permanecer durante um tempo. Com dois aspectos relevantes: o primeiro deles é que eu errei na projeção do PIB. Esperava 1% este ano e agora estou trabalhando com 2,1%. Porque eu fui, como quase todos, muito surpreendido pelo PIB do primeiro trimestre por causa daquela pancada do agro. Só que a forma de calcular o PIB faz com que o primeiro trimestre deixe a herança e o País vai crescer 2%. Porém, não se pode cair nessa tentação de que o Brasil está crescendo 2% agora. Ele não está. Eu, inclusive, acredito que o segundo trimestre será muito fraco. Não me surpreenderei se for um pouquinho negativo, porque ainda tem o efeito da política monetária restritiva e não teremos esse agro do primeiro trimestre sendo replicado. Ou seja, esse crescimento de 2% pode passar a falsa impressão de que vamos arrecadar muito, mas não é bem assim.

"O importante é que a inflação está começando a ficar fortemente ancorada"

A inflação está sob controle?
Quando o BC emitiu o comunicado pós-Copom, eu coloquei no meu comunicado que achava que seria ainda em agosto ou em setembro. O que eu falei foi 25 pontos em agosto e 50 pontos em setembro, caso não fizesse em agosto. Continuo com essa cabeça. Acredito que vai ser 25 pontos em agosto, depois outra de 25 pontos e mais duas de 50 pontos. E, dependendo do comportamento da inflação, ele faz uma de 25 pontos e três de 50 pontos, para a Selic ser de 12% e não 12,25%, que é o que estou trabalhando neste momento. Isso nem é tão relevante, 25 pontos para lá ou para cá. O importante é que a inflação está começando a ficar fortemente ancorada. Porque não adianta só olhar a inflação de 2024. Tem de olhar também as outras. E me parece que houve esse mérito do banco central de reancorar a inflação.

A manutenção da meta de inflação ajudou?
Outro aspecto que julgo bastante positivo, mérito, também, do ministro Haddad: havia aquela pressão do presidente, para mexer na meta de inflação, “3% é muito baixo, 5% não é um problema, porque era assim no meu primeiro governo”. Foi uma vitória a reunião do CMN que definiu que a meta é 3%, com intervalo que não é mais o ano-calendário, mas meta contínua. Isso também foi positivo para o mercado porque tira um pouco esse estigma que estava passando para a sociedade de que o BC é um vilão. Na verdade, o BC é o goleiro. O pessoal vai atacar e ele está para defender e não tomar gol. O trabalho é árido, é difícil passar para sociedade porque todo mundo quer juro baixo. Ele tem o trabalho chato a ser feito, mas fundamental, porque a inflação é o pior dos males na economia, especialmente para as classes de renda mais baixas. Acho que todos esses aspectos me fazem apostar em uma queda de 25 pontos da Selic.

Qual é o peso dos dois novos diretores do Banco Central, Ailton de Aquino e Gabriel Galípolo, na próxima reunião do Copom?
Não podemos esquecer dois pontos que são importantes. Primeiro a comunicação e a outra é a entrada dos dois novos diretores. Esses dois novos diretores, posso estar muito errado, mas eles virão com uma proposta de cair 50 pontos. Enquanto os outros, na minha leitura, não estou dizendo que estou certo, virão com 25 pontos. Abre-se essa dissidência, pode ser 25 pontos mas com dois sinalizando 50 pontos. Se vier um terceiro com 50 pontos, acho que abre uma janela para, em setembro, vir 50 pontos. Se forem só os dois, acredito que a chance é de 25 pontos do jeito que o comunicado foi escrito, com parcimônia. O [diretor do BC] Diogo Guillen falou ao longo da semana que a inflação ainda está, de alguma maneira, distante da meta. Ele está dizendo que, se é para cair, é 25 pontos. Foi o que li nas entrelinhas da fala dele. De qualquer maneira, eu trabalho com a Selic caindo a partir de agora, a não ser que ocorra um cataclisma, e encerrando 2024 em 9,5%.

"Acredito que o Fed vai fazer, pelo menos, mais uma alta de 25 pontos, mas não me surpreenderei se fizer uma outra"

O que pode dar errado?
O meu grande medo hoje, sinceramente, vem mais lá de fora do que daqui de dentro. Porque o Federal Reserva (Fed) se equivocou muito lá atrás e está se equivocando agora também. O Fed, hoje, está com um baita problema porque a inflação, e vou usar uma palavra do Lula, está tinhosa. Acho difícil essa inflação baixar a médio prazo. No curto prazo, não cairá. Ou seja, é muito difícil no curto prazo ir para 2%. Acredito que o Fed vai fazer, pelo menos, mais uma alta de 25 pontos, mas não me surpreenderei se fizer uma outra. E ficará com o juro alto por mais tempo do que o mercado imagina.

O Fed está pagando pelo que criou?
Desde a pandemia, o Fed foi um dos causadores dessa reflação, que é a inflação pós-período de exceção. Ele colocou o juro a zero e prometeu juro zero até 2024 naquele forward guidance maluco. Mas subiu o juro muito antes. O mercado se anestesiou desse dinheiro de helicóptero, e esse dinheiro, metaforicamente falando, causou um rally nos mercado financeiros. Do fim de 2021 até outubro de 22, o Nasdaq caiu quase 40%. Eu achava que cairia porque o mercado tinha ido além dos meus valuations. Demorou um tempo, mas caiu. Qual foi o argumento usado para aquela queda do Nasdaq? O juro saiu de zero para 4% e as empresas desse setor são alavancadas, por isso serão penalizadas. Mas, agora, o Nasdaq subiu 30% e o juro está em 5%, sem perspectiva desse juro cair no curto prazo. Ou seja, ou mentiram para mim lá atrás ou estão mentindo agora. Escolhe quem mentiu. Se for lá atrás, aceito. Mas se não foi lá, está errado aqui, neste momento. E esse é o grande ponto: vamos ficar com uma espada na cabeça porque quem está subindo lá fora não é o mercado. Quem está subindo é o que os garotos chamam de 7 magníficas [termo criado por Michael Hartnett, estrategista do Bank of America (BofA), para Apple, Microsoft, Amazon, Meta, Tesla, Alphabet e Nvidia]. E as 7 magníficas não são o mercado. Por isso, acho que está errado.

Há uma bolha no mercado americano?
Já passei por algumas bolhas e não tenho tanto medo. Mas existem dois tipos, como a bolha no seu pé. Se ela murcha, não dói. Incomoda, mas não dói. O problema é quando ela estoura, porque machuca e dói. Esse para mim é o ponto. Se havia uma bolha no Nasdaq, quando caiu 40%, uma queda enorme, não machucou porque ela murchou. O problema é: se agora for uma bolha, não tenho certeza, tenho desconfiança, será que vai ter murchar pela segunda vez ou desta vez a bolha vai estourar. Uma coisa é cair 10%, por exemplo, em seis meses. Outra é em uma semana. São coisas muito diferentes. Já vimos bolha estourando e machuca muito. O mercado acaba contaminado pelo estouro da bolha, pelo efeito riqueza. Agora temos esse problema. Se eu estiver certo neste meu incômodo, pode acontecer a qualquer momento e ter um revés lá fora e acabar, de alguma maneira, criando um contágio para cá.