Aos 61 anos, Scott Galloway ostenta um currículo de respeito como escritor, empreendedor e professor de marketing da Stern School of Business da Universidade de Nova York. E toda essa experiência o coloca como um dos grandes gurus do Vale do Silício.

O americano costuma compartilhar essa bagagem em postagens irônicas e ácidas por meio do “No Mercy, No Malice”, blog onde faz comentários sobre o mundo dos negócios e, em particular, o mercado de tecnologia. E que, todo fim do ano, abre espaço para suas previsões para os 12 meses seguintes.

Em linha com esse calendário, Galloway publicou suas “profecias” para 2026 na sexta-feira, 19 de dezembro, no apagar das luzes de 2025. O novo leque, como de praxe, é extenso e repleto de frases que combinam análises precisas com seu humor certeiro.

Desta vez, o pacote inclui desde questões como as correções nas ações de empresas de inteligência artificial (IA) e o estouro da bolha dos data centers até a ameaça crescente ao duopólio da Nvidia e da OpenAI no plano da IA e o impacto dessa tecnologia em Hollywood.

A bola de cristal de Galloway reserva espaço ainda para temas como a corrida no setor espacial, o domínio da Waymo na avenida dos carros autônomos e as perspectivas favoráveis para a Amazon. Bem como a tradicional cutucada em Elon Musk, um de seus alvos preferidos.

Também como de costume, Galloway aproveitou para fazer um balanço das previsões feitas por ele para 2025. E, dessa vez, o guru estava bastante afiado. Das 11 profecias feitas, apenas uma não se cumpriu: o IPO da Shein.

Confira, a seguir, os principais temas abordados por Galloway para 2026:

1 – A correção das ações de inteligência artificial
Para Galloway, a questão não é quando a bolha da inteligência artificial (IA) vai estourar, mas qual será o catalisador para que isso aconteça. Ele tem a resposta pronta: China. E acrescenta alguns dados para embasar essa previsão.

O guru ressalta que Donald Trump alterou as tarifas sobre o país da Grande Muralha 17 vezes em 2025 e que o governo de Xi Jimping está cansado de ter um grande parceiro comercial com processos decisórios lentos e o comportamento de um “guaxinim sob efeito de metanfetamina”.

Ao classificar a política tarifária de Trump como a definição da estupidez, Galloway também aponta que, desde 2019, a participação da China nas exportações para os EUA caiu de 17% para 10%. Enquanto, as exportações globais chinesas cresceram 40% e as importações permaneceram estáveis.

“Se eu fosse conselheiro de Xi, eu o aconselharia a ir direto ao ponto, promovendo o dumping de IA, repetindo a estratégia de dumping do aço dos anos 2000. Isso já está em andamento – e funcionando”, escreve ele.

Galloway observa, por exemplo, que 80% das startups do portfólio da Andreessen Horowitz já usam modelos chineses de IA de código aberto. Assim como o Airbnb. E que esses modelos já têm desempenho igual ou melhor que os americanos, mas com uma fração de investimento de capital.

“Inundar o mercado com modelos de IA competitivos e mais baratos pressionará as margens e o poder de precificação das sete maiores empresas do setor, derrubando um índice S&P assustadoramente concentrado e provavelmente levando os EUA, possivelmente o mundo todo, à recessão”, afirma.

2 – O estouro da bolha dos data centers
Não faltam números para justificar essa “profecia”. Galloway cita que a OpenAI está prometendo US$ 300 bilhões – um dinheiro que ela não tem – à Oracle para uma infraestrutura que a Oracle não construiu.

“Não podemos ver o contrato em si, mas isso é uma grande mentira”, diz, frisando que a maior ilusão da IA até agora é a suposição de que, nos próximos anos, os EUA terão a infraestrutura necessária para suportar essa onda.

“A OpenAI precisa de 20% da capacidade elétrica atual dos EUA – o equivalente a 250 usinas nucleares – a um custo de US$ 10 trilhões”, diz Galloway.

Ele afirma ainda que há uma espera de cinco a oito anos para conectar um novo data center à rede. E que, enquanto isso, a China tem mais que o dobro da capacidade energética dos EUA, pela metade do custo. E complementa:

“A segunda maior ilusão da IA? Criação de empregos. O número médio de funcionários em tempo integral em um data center é equivalente ao número de pessoas que trabalham em dois restaurantes Applebee’s”.

3 – Duopólio da Nvidia e OpenAI sob ameaça
Galloway observa que, com base em seu valuation, a Nividia está dizendo ao mercado que vai adicionar US$ 800 bilhões em receita nos próximos cinco anos – o equivalente à receita somada da Apple, IBM, Meta e Tesla.

Já a OpenAI, dona de uma receita anual de US$ 20 bilhões, projeta adicionar US$ 180 bilhões no mesmo intervalo, o equivalente à receita combinada de Disney, Fox, The New York Times, Paramount e Warner. “Além disso, os compromissos de investimento da OpenAI, de US$ 1,4 trilhão, superam a dívida da Argentina”, destaca.

Em contrapartida, ele frisa que a competição está acirrada. Seja com a China lançando modelos de IA comparáveis, com menor investimento. Com a Anthropic assumindo a liderança entre os usuários corporativos. Ou com a Alphabet contra-atacando.

“As atualizações do Gemini estão melhorando e, possivelmente, a maior concentração e talentos em IA reside na Alphabet. A OpenAI pode ser a Netscape da nossa era, ou seja, a disruptora que desfruta de um momento de destaque antes de ser eclipsada por uma empresa já estabelecida”, diz.

4 – A “top pick” entre as big techs: Amazon
Galloway se diz otimista em relação à Amazon, mesmo com a empresa registrando um desempenho abaixo das sete maiores empresas de tecnologia.

“A convergência de IA e robótica é o coquetel de champanhe e cocaína que impulsiona a expansão da margem de lucro da Amazon no varejo, catalisando um aumento de 2 vezes no valor bruto de mercadorias do seu maior negócio até 2033, sem a contratação de novos funcionários”, afirma.

Ele observa que, assim como a linha de montagem da Ford reduziu o tempo de produção automotiva em 88%, os investimentos da Amazon em robótica reduziram o tempo entre o clique e a entrega em 78%.

O professor também aponta que, enquanto as demais empresas se baseiam na valorização da informação (bits) em detrimento dos objetos (átomos), a Amazon usa bits para mover átomos de forma mais rápida e barata. E conclui:

“Notavelmente, o mercado ainda não precificou isso; em 2025, as ações da Amazon eram negociadas com um índice P/L de 33, em comparação com sua média histórica de 58. O maior acréscimo de valor para o acionista proveniente da IA ocorrerá em empresas que utilizam a IA de terceiros. Especificamente, a Amazon”.

5 – Espaço – “The Next Big Thing”
Citando exemplos como o computador pessoal, a internet e a IA, o guru afirma que, quando uma tecnologia fica mais barata, surgem startups e o ecossistema atrai capital cada vez mais barato, o que impulsiona a inovação e assim por diante. E que esse é o cenário, agora, do setor espacial.

“Nos últimos 15 anos, o custo para colocar um quilograma de carga útil em órbita caiu 89%, enquanto o investimento espacial privado nos EUA aumentou seis vezes”, observa, acrescentando que a SpaceX domina o setor, com 84% dos lançamentos espaciais dos EUA em 2024, alta de 18% sobre 2008.

“Se eu fosse o responsável pelo RI, posicionaria a SpaceX da seguinte forma: o Google detém 93% da informação com suas buscas, o Meta controla dois terços das conexões sociais, a Amazon detém metade do comércio eletrônico. A SpaceX controla 90% de todo o resto no universo . Tudo é um subconjunto do mercado endereçável que é o espaço”, escreve Galloway.

6 – O melhor investimento (ao qual você não tem acesso): TikTok EUA
Galloway diz que a matemática da venda forçada dos TikTok, a menos que “você seja um dos apadrinhados” de Trump. Nesse contexto, ele cita que a receita publicitária da empresa nos EUA em 2024 foi de US$ 12 bilhões.

“Aplicando um índice preço/vendas de 10x, seu negócio nos EUA tem um valor implícito de US$ 120 bilhões. Levando em conta a participação na receita com a China, o acordo de Trump avalia o TikTok nos EUA em US$ 28 bilhões. Mas eu sou democrata, então não posso investir” afirma.

7 – Vídeos de curta duração e IA impactam Hollywood
Ele aponta que, para a indústria criativa, o retorno sobre o capital humano é inversamente proporcional ao tamanho da tela e cita alguns dados para referendar essa visão. Entre eles, o fato de que 78% dos americanos entre 10 e 24 anos assistem a filmes e programas de TV no YouTube e no TikTok.

Em outros dados, ele recorre ao exemplo do programa infantil “The Kids Diana Show”, no YouTube, que tem episódios com duração média de 2 a 10 minutos, “perfeitamente calibrados para a capacidade de atenção cada vez menor dos jovens”. E conta com 137 milhões de inscritos.

“O outro meteoro que se dirige para Hollywood é a IA. O que a IA fará com Hollywood é o que os podcasts estão fazendo com a TV”, ressalta.

8 – Waymo domina o mercado
Galloway parte da estatística de que os acidentes de carro matam 40 mil americanas anualmente para dizer que a direção autônoma pode ser o equivalente à cura ao câncer de próstata, mal de Parkinson e câncer de mama combinadas. E que a Waymo se destaca nessa avenida.

Ele cita que a empresa passou de 38 mil viagens pagas por mês, em 2023, para 1 milhão em apenas dois anos. E que a companhia está superando, de longe, rivais como a Tesla. E complementa que o segundo player que chama atenção nesse espaço é a Uber.

“Ela é agnóstica em relação à tecnologia, optando por investir capital na experiência do consumidor. Como disse o ex-CEO Travis Kalanick, a parte mais cara do negócio é a pessoa no banco do motorista”, escreve.

9 – Robôs humanoides = Carros autônomos de 2015
Ele afirma que, assim como os carros autônomos em 2025, os robôs humanoides, são outra arma de Elon Musk para distrair a atenção do fato de que a Tesla é uma montadora de carros. E cita a fala do bilionário de que o robô Optimus, da empresa, será uma “falha no sistema que gera dinheiro infinito”.

“É como se ele estivesse sob efeito de cetamina”, observa. “As oportunidades atuais/futuras não são robôs que imitam humanos, mas sim robôs que aumentam/substituem humanos em escala industrial.”