As teorias financeiras de gestão de portfólio provam que os melhores retornos são obtidos tomando mais risco, minimizados com diversificação, em um longo prazo de investimento e, obviamente, com uma boa seleção de ativos que oferecem o melhor risco versus retorno.
Parece fácil, mas sua execução é difícil. Principalmente pela dificuldade de se abrir mão de liquidez para possuir uma carteira de potencial maior retorno.
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Por esse motivo, os grandes gestores de longo prazo estão no imaginário de muitos investidores, principalmente os de endowments, fundos das faculdades americanas que gerem recursos de doações de ex-alunos das universidades para pagar despesas e, principalmente, financiar projetos, ou criar reserva para uma necessidade futura.
Um desses gestores é Scott Malpass, que atuou no endowment da universidade americana Notre Dame de 1988 até 2020, período no qual fez o total sob gestão saltar de US$ 400 milhões para US$ 15 bilhões com um retorno médio anual de 12%. O resultado colocou a instituição entre as mais rentáveis dos EUA.
Devido ao seu desempenho, Malpass é considerado uma lenda do endowment, tendo ganhado diversos prêmios ao longo de sua trajetória. O The Wall Street Journal já o descreveu certa vez pelos seus resultados como “um ano digno de um Heisman" (prêmio anual de melhor jogador de futebol americano universitário).
"Você não precisa ter todos os vencedores, mas precisa ter certeza de que não tem todos os perdedores", diz Malpass, nesta entrevista exclusiva ao NeoFeed, em que ele conta os segredos de seus investimentos. Spoiler: escolher bem as gestoras é essencial.
Após a sua aposentadoria, Malpass fundou, em 2021, a gestora de recursos Grafton Street Partners, que investe em empresas da nova economia tanto no mercado público como privado. "A proposta é realmente ser um veículo de muito longo prazo de investimento concentrado em boas ideias. Não tão diversificado como um endowment, mas almejando o mesmo longo prazo", diz ele.
Atualmente, Grafton Street Partners já possui mais de US$ 500 milhões sob gestão, inclusive, de algumas famílias brasileiras, que aportaram recursos na gestora. Suas maiores apostas são nos setores de tecnologia na nuvem, internet das coisas, fintechs e inteligência artificial.
Malpass esteve no Brasil em um evento fechado promovido pela Turim, um dos maiores e mais tradicionais gestores de patrimônio do Brasil, para seus clientes (fundos de pensão, fundações e famílias) para falar sobre a sua experiência em gestão e dar conselhos para conseguir retornos consistentes no longo prazo.
Na ocasião, falou ao NeoFeed, em sua primeira entrevista para um veículo brasileiro:
Quais teriam sido os principais fatores que levaram ao resultado impressionante que você alcançou neste período no endowment?
Um grande desafio é estar em uma universidade, que é um lugar de estudo e não de negócios e investimentos. Então, ter um board e um comitê de investimentos forte foi essencial para se ter uma boa governança, com claro senso de quais são as prioridades e vontade de delegar autoridade ao CIO, o que é essencial. E tive recursos para contratar e construir um time excelente, os melhores. Nós tínhamos um budget para viajar e conhecer gestores pelo mundo, o que também é essencial.
Nos melhores endowments americanos, o time de investimentos possui grande autoridade para poder decidir rapidamente sobre oportunidades de investimentos. E há grande alinhamento entre o time de governança, o CIO e a equipe de investimentos, e como manter todos entusiasmados, e recompensá-los da forma correta. Quem não tem isso, acaba com resultados de investimentos insatisfatórios.
Você está dizendo que ter um budget para entrevistar gestores é essencial. O que você fazia exatamente com ele?
Nós entrevistávamos centenas de gestores por ano. Nós tínhamos 18 pessoas na equipe de investimentos que procuravam bons gestores, e muitos deles eram de fora dos Estados Unidos. Tínhamos na média 35% dos investimentos globalizados. E é importante ir e visitar esses gestores com frequência para entenderem o que estavam fazendo. Ao mesmo tempo que também é essencial conhecer novos talentos, ou talentos emergentes pelo mundo. E isso não é possível fazer de verdade sentando no seu escritório. Você precisa vê-los pessoalmente e passar um tempo com eles, entender se é uma pessoa confiável para você dar dinheiro, se tem dever fiduciário. Entender seus valores, sua integridade, e senso de propósito e se está condizente com os da sua instituição.
E como você selecionava esses gestores? O que você diria que é essencial em uma seleção?
Esse é o nosso core business: buscar e depois avaliar talentos de investimento em gestoras. Caso atendam aos nossos critérios, investimos dinheiro neles. Obviamente, a gente faz toda a parte analítica, comparando os retornos com os benchmarks. Mas é difícil saber o que de fato levou aqueles números. Quanto foi talento, ou conjuntura de mercado e quanto de sorte esteve envolvida? Quanto foi realmente devido a um olhar único que você poderá contar no longo prazo? Então, na minha opinião, para escolher um gestor é preciso ir além desse básico e realmente avaliá-los, o que acredito que a gente fazia de forma única. É importante saber quem é aquela pessoa, a sua personalidade. Então, eu criei um mecanismo para entender bastante sobre a natureza humana desse gestor, o que move a sua determinação, talento e intelecto.
"Você não precisa ter todos os vencedores, mas precisa ter certeza de que não tem todos os perdedores"
Que tipos de perguntas você faz a um gestor?
Não é nada complicado. Se você perguntar coisas básicas, você já vai aprender bastante sobre essa pessoa. Eu tento entender os seus hobbies, o que o motiva na sua profissão, como ele se sente enfrentando diferentes tipos de situação, que tipos de erros ele cometeu na sua carreira, como lidou com eles... Alguém que diga que nunca errou ou tente jogar seus erros em algum outro problema como o mercado, eu me afastaria, mostra que é alguém que não sabe lidar com erros.
Mesmo os mais bem-sucedidos cometem erros, ninguém é perfeito e saber lidar com erros é muito importante, tentar eliminar o maior número de erros possível é a chave do negócio. Por que como seletor, você não precisa ter todos os vencedores, mas precisa ter certeza de que não tem todos os perdedores.
E acima de tudo, você precisa garantir que a filosofia de investimentos faz sentido, e eles precisam mostrar que seguem essa filosofia à risca ao longo do tempo. Quem muda de filosofia ao longo do tempo, provavelmente não terá bons retornos no longo prazo. E a filosofia de investimentos não precisa ser única, muito menos complicada, mas encontrar quem consegue executá-la de forma única e eficiente em relação ao mercado é quem eu considero um sucesso.
"Alguém que diga que nunca errou ou tente jogar seus erros em algum outro problema como o mercado, eu me afastaria, mostra que é alguém que não sabe lidar com erros"
Como você lidava com esses erros? Com um drawdown? Muitos gestores no Brasil dizem que os investidores aqui não permitem o erro, não investem mesmo no longo prazo. Você, como um endowment, como realmente entendia um erro justificável e um que levava ao desinvestimento no fundo?
É verdade, nós realmente tínhamos mais paciência que a média do mercado, mas isso não impedia de ter conversas difíceis com os gestores que não estavam performando bem. Nós sempre fomos muito próximos dos nossos gestores, conversando com eles todo o tempo. Assim, a gente conseguia entender exatamente por que eles fizeram qualquer movimento.
E caso a performance não estivesse boa, a gente precisava saber exatamente o porquê. Se foi alguma mudança regulatória que pegou o mercado de surpresa, se tem um novo entrante, competidor no mercado. Claro que podem ter fatores de curto prazo que afetam o resultado de uma empresa. E claro que às vezes você está de um lado errado do mercado e é preciso avaliar: essa mudança é permanente ou transitória? E entender se é preciso mudar a posição ou não.
E simplesmente, às vezes, o resultado negativo tem razões compreensíveis, e às vezes não tem. E nesse momento é preciso ter uma conversa difícil e tentar entender se ele tem confiança nos erros que cometeu ou se ele não foi consistente com a sua filosofia. Se for o segundo caso, é preciso pensar em terminar a relação com a gestora. Porque se eles estão confusos com o que estão fazendo, eles não estão bem, e você acaba perdendo a confiança no gestor. E isso realmente acontece.
Imagino que vocês faziam uma seleção muito criteriosa dos gestores para ficar com eles por muito tempo. Por quanto tempo vocês ficavam com os gestores?
Sim, considero que a nossa seleção era muito vitoriosa. Nós tivemos relacionamentos de bem longo prazo, por 20 a 30 anos com os mesmos gestores. Eu diria que a maioria dos relacionamentos duraram mais de 10 anos, alguns mais de 20 anos, e uma minoria conseguiu seguir conosco por quase 30 anos. Não foi comum, mas tivemos. Acredito que nossa média de retenção é bem maior que a média do mercado de fundos de pensão, que até onde eu acompanhei era de menos de 10 anos, em média. Mas, assim, qual é o ponto de fazer todo o trabalho de seleção de gestores se não é para ficar com eles no longo prazo? É um trabalho extensivo, caro. Só faz sentido pensando no longo prazo.
Para além da seleção de bons gestores, devem ter tido decisões estratégicas bem acertadas que levaram ao seu retorno. Poderia me dizer três coisas que foram certeiras?
Primeiro de tudo, contratar a equipe mais talentosa possível, mais talentosa que eu. Ninguém pode saber tudo, e ter os melhores em cada área é fundamental. Em segundo, diria que ter uma exposição relevante em mercados privados, como private Equity, venture capital e real estate, e identificando os melhores nesse segmento nesses 32 anos. Isso foi extremamente lucrativo para nós. Na época da minha saída, nossa exposição estava em 40% a 45% em mercados privados.
Em terceiro, diria que tivemos grande mérito em ser um dos primeiros investidores na China, desde 2000. Desde a década de 1990, ia bastante a China, e estava convencido na mudança estrutural em curso que iria acontecer, mas ainda não havia um mercado desenvolvido para a gente investir. E assim que nasceu, entramos e tivemos grandes parceiros por lá. Obtivemos retornos realmente expressivos.
Pegamos várias reformas que ajudaram o mercado a se desenvolver, e pudemos participar em grande parte do crescimento dessa potência. Diria que agora está mais desafiador investir em China, mas não se desiste da China. É um local de grande inovação e formação de novos mercados.
"A gente se concentrou em comprar bons ativos, que continuam sendo bons ativos independentes do cenário"
Estamos falando bastante sobre a importância da seleção de gestores para resultados no longo prazo. Mas o quanto a análise macroeconômica é importante na decisão de investimentos de longo prazo?
Diria que é algo importante de monitorar, mas não é algo que dominou nossa análise de investimentos. Acima de tudo, a gente se concentrou em comprar bons ativos, que continuam sendo bons ativos independentes do cenário. Achar quem realmente está fazendo algo inovador, como os investimentos que fizemos em startups, trazendo novos produtos e serviços para o mercado. Ou ver quais eram grandes tendências em alguns mercados, como no caso da China. A gente se concentrou nisso. E acredito que o cenário macroeconômico não interfere em nada na busca por pessoas realmente valiosas ou mudanças de paradigmas.
Por quê?
Sempre vão ter crises, sabe? Eu comecei neste mercado em 1988, e tivemos nos EUA a crise de crédito de 1991; em 1998 a crise asiática; a bolha pontocom nos anos 2000; a grande crise financeira de 2008; depois a pandemia; e mais recentemente a inflação. Estou citando aqui só as realmente grandes, tá? O que eu quero dizer: sempre tem alguma coisa acontecendo no mercado e você precisa por isso em perspectiva. Muita coisa aconteceu e na época foi anunciado como grande catástrofe, e depois os mercados voltaram mais fortes do que nunca. Diria que fazer market timing é muito difícil, na maioria das vezes você pode ser levado a fazer uma análise errada e tomar uma decisão errada. E o resultado de estar certo na maioria das vezes é um ganho marginal. Tirando grandes movimentos do Fed, não me concentraria muito no resto. Realmente não afetou nossas decisões de investimentos.
E diversificação geográfica, você acha que é importante em uma estratégia de construção de portfólio?
Essa é uma boa pergunta. Não sei se tenho a resposta, vou dizer o que fizemos. Lá na década de 1980, a gente procurava bons ativos, independente de onde eles estavam no mundo. Queríamos os melhores. Mas ao longo do tempo nós decidimos buscar mais ativamente um portfólio global, e fomos construindo isso ao longo do tempo. Mas vimos que nem sempre valia a pena. Achamos boas oportunidades em mercados privados na Europa, fomos bastante ativos no middle market por lá.
E os países emergentes?
Nos mercados emergentes, nós o estudamos bastante e, depois de algum tempo, chegamos a conclusão que para realmente fazer dinheiro nesse mercado era necessário escala, uma grande população consumidora. Só com isso você fica apenas com um punhado de países. Além disso, é preciso ter uma razoável estabilidade, regras claras. Não sobra quase nada.
Na Rússia, nós praticamente não investimos devido a tensões políticas e pouca proteção para investidores. A China acabou desenvolvendo uma proteção para os investidores e, então, ficou atrativa, e fizemos grandes investimentos lá. A Índia também é bem atrativa. Pela escala, boa qualidade de recursos humanos, boas companhias e bom mercado de capitais, mas achamos difícil achar bons gestores para trabalhar conosco lá e não fizemos grandes investimentos. E tem o Brasil, que é um país de grande escala, deveria ser uma oportunidade, sempre ficamos de olho, mas tensões políticas acabaram dificultando o acesso, e não achamos tantos bons gestores com os nossos propósitos e fizemos poucos investimentos.
"E tem o Brasil, que é um país de grande escala, deveria ser uma oportunidade, sempre ficamos de olho, mas tensões políticas acabaram dificultando o acesso"
Recentemente você fundou uma asset management. Pode contar sobre esse projeto? No que você está investindo?
Depois que eu saí do endowment, fui abordado por algumas grandes famílias que me sugeriram fazer um fundo para gerir um pedaço do dinheiro deles. E isso me soou muito divertido, porque tenho um relacionamento com vários excelentes gestores e tenho um grupo de ex-alunos muito talentosos para trabalhar comigo. Então, encarei o desafio e comecei a asset, com 7 ex-alunos, e levantei dinheiro. Investimos apenas em equity, tanto no mercado público como privado, mas sempre no longo prazo.
A proposta é realmente ser um veículo de muito longo prazo de investimento concentrado em boas ideias. Não tão diversificado como um endowment, mas almejando o mesmo longo prazo. Já temos mais de US$ 500 milhões sob gestão. E temos até mesmo famílias brasileiras como clientes, que quando souberam desse projeto me procuraram. Para mim é ótimo, uma desculpa para vir mais vezes a esse país maravilhoso.
Mas qual é a sua principal tese de investimento?
Eu diria que é investir em negócios que estão do lado certo das grandes mudanças estruturais que estão acontecendo no mundo. Isso inclui tecnologia na nuvem, internet das coisas, fintechs e inteligência artificial. Mas não apenas só tecnologia, mas empresas que estão desenvolvendo a nova economia globalmente. No que não vamos investir por exemplo: commodities e utilities.
Scott, aqui no Brasil está se tentando desenvolver endowments. Qual a dica que você nos daria para ter o sucesso que você teve?
O principal é acessar os melhores gestores do mundo. E isso não é nada fácil. Os melhores geralmente já estão fechados e é preciso ter uma boa equipe para buscar e identificar as melhores estratégias no mercado para fazer isso dentro de casa. Se você não tem essa equipe e recursos e tempo para fazer essa busca, eu diria que é melhor terceirizar e pagar para algum gestor fazer, ou usar fundos passivos, como fundos de indexes. São bastante líquidos, muito simples e fazem um trabalho ótimo a um baixo custo.
Se você tentar complicar as coisas, pode acabar com resultados abaixo do desejável. No fim, você vai acabar pagando taxas altas para os gestores e não conseguindo retornos que justifiquem a equipe para buscá-los e as taxas que eles cobram. É preciso se ater aos princípios básicos de investimentos e se realístico. Senão, você acaba contratando um monte de gente média, mas que cobra caro, e no fim de 30 anos você vai ficar frustrado com o resultado.
Então, para quem está começando, você sugere terceirizar a gestão ou usar investimentos passivos?
Exatamente. Se juntar aos melhores gestores do mundo é a chave para ter retornos consistentes de longo prazo acima do benchmark. Principalmente nos mercados alternativos, os melhores gestores já estão fechados para captação. Mas sempre haverá novos talentos para investir dinheiro novo, mas identificar eles é muito difícil. Se você não achar os top tiers, você acaba contratando um monte de gestor médio, que muitas vezes não vão bater o mercado, e que vão cobrar altas taxas e tirar o mínimo de rentabilidade que eles conseguem. No longo prazo, não há resultados satisfatórios.