No disputado mercado de concessões rodoviárias, há uma nova empresa, com pouco mais de um ano de vida, que está com apetite. Trata-se da Via Appia, criada por um fundo de investimento constituído pela gestora Starboard, em 2023, que já administra mais de mil quilômetros de rodovias em São Paulo e em Minas Gerais e chegou a um faturamento de R$ 1 bilhão.

Em março de 2023, a nova companhia arrematou em leilão o trecho norte do Rodoanel Mario Covas, com investimento previsto de R$ 2,5 bilhões. Em maio deste ano concluiu a compra de ativos da AB Concessões, empresa do grupo Bertin e da italiana Mundys (ex-Atlantia, dona da Via Colinas e Via Nascentes), em um negócio de R$ 3,5 bilhões.

Agora, a Via Appia está de olho em sete leilões de rodovias federais e de outras três estaduais que estão previstos para acontecer no segundo semestre de 2024, cuja estimativa é gerar R$ 70 bilhões de investimentos.

“Dos lotes federais, já descartamos dois, dos estaduais estamos estudando os dois de São Paulo, com boa possibilidade de participar de um deles, pelo menos”, diz Brendon Ramos, CEO da Via Appia, em entrevista ao NeoFeed.

De acordo com Ramos, a Via Appia tem preferência por novos ativos restritos a São Paulo e Minas Gerais. Mas o alvo não são apenas novas concessões. Como foi o caso da compra de ativos da AB Concessões, a empresa da Starboard, no momento, analisa a aquisição de outras duas concessões que estão em operação.

O objetivo da Via Appia é claro: adquirir ativos e se consolidar no setor com vistas a um IPO no máximo até 2027 – algo comum quando o investidor é um fundo. A Starboard, por exemplo, já fez esse movimento com Mineração Caraíba, que abriu o capital no Canadá, e com a 3R Petroleum, no Brasil.

“Temos o objetivo de gerar valor em nossos ativos no menor espaço de tempo, o cronograma de novos investimentos mira um prazo máximo de cinco anos”, afirma Ramos, que veio da Starboard e tem no currículo passagens por outros fundos de infraestrutura. “Nossa ambição é ter a maior margem Ebitda do setor."

O alvo é se tornar a terceira maior empresa de concessões rodoviárias do Brasil, atrás apenas de CCR e EcoRodovias. Mas há algumas diferenças em relação a estratégia desses dois players.

O primeiro ponto é investir em rodovias, com preferência para adquirir concessões em operação – não há interesse em outros modais, como aeroportos ou ferrovias. “Decidimos nos dedicar exclusivamente a rodovias e a todo negócio atrelado a elas, assim ganhamos escala e sinergia, obtendo uma relação maior entre receita e custo”, diz Ramos.

Outra premissa é apostar em contratos que possam agregar aditivos, como obras viárias. Ramos afirma que não se trata de buscar ativos com alto grau de risco. Como exemplo, ele cita a Via Colinas – concessão que cobre o movimentado corredor rodoviário entre Piracicaba, Sorocaba e Campinas, no interior de São Paulo.

O contrato de concessão não prevê obras, mas Ramos diz que está negociando com o governo de São Paulo a construção de vias marginais e outras obras de infraestrutura na SP-075, na região urbana de Campinas, que teve grande aumento de tráfego nos últimos anos e apresenta riscos de segurança.

E, por fim, o objetivo é dar retorno ao acionista, no caso à Starboard, em um curto período de tempo. “Portanto, estamos sempre no modo acelerado, é um viés diferente de outras concorrentes que têm mentalidade de longuíssimo prazo”, afirma Ramos.

A escolha de ativos sempre leva em conta essa premissa, tanto que a Via Appia desistiu de participar do leilão da BR-381, a “rodovia da morte”, realizado nesta quinta-feira, 29 de agosto, e vencido pela gestora 4UM (antiga J. Malucelli).

O interesse pelo leilão esfriou depois que o Dnit, órgão do Ministério dos Transportes, mudou o contrato, que previa obras para a vencedora. O próprio Dnit vai fazer a obra e entregar para a concessionária. “Perdeu a graça, a gente prefere ter o problema na mão”, afirma Ramos.

Se fosse fazer a obra da BR-381, o executivo diz que provavelmente repetiria o que foi feito no Rodoanel: contrataria mais de uma construtora e planejaria uma fase de pré-construção inteligente, que segundo ele é essencial para ter uma ótima execução da obra, com otimização de custos.

“Fomos muito criteriosos no Rodoanel, já gastamos R$ 92 milhões só com o projeto e esse gasto vai aumentar, podendo chegar a R$ 150 milhões”, diz. Ele afirma que o caso da BR-381 explica por que nenhum dos finalistas do leilão tem rodovia sob concessão: “Todos os players com rodovia têm descrença na capacidade do Dnit de entregar uma obra a tempo.”

Oportunidade

O cuidado na alocação de capital da Via Appia reflete como os fundos de investimentos veem o negócio das concessões. A análise que os fundos fazem para entrar no negócio basicamente é uma comparação com as demais oportunidades de investimento.

De acordo com o CEO da Via Appia, o fator que vai ditar essa entrada ou não dos fundos de investimentos é a taxa de retorno interna. Até 2022, a TIR estava em um dígito, ou seja, um projeto dava uma taxa interna de retorno de IPCA + 9,5% - um retorno, na média, sem atratividade.

“Quando isso começa a aumentar para IPCA +12%, que é o que temos visto nessas novas de licitações, isso passa a atrair o mercado financeiro, o investidor começa a fazer conta”, afirma Ramos. Ou seja, para os governos atraírem esses investidores é preciso propor uma TIR mais alta.

A fórmula, no entanto, é complexa. Para o fundo obter um retorno mais alto, significa que a rodovia que está sendo licitada vai ter de entregar mais caixa para esse investidor. “São duas opções para aumentar o caixa: ou a tarifa cobrada do cliente é mais alta ou os investimentos que têm que ser feitos na rodovia são mais baixos; é um ou outro ou uma combinação dos dois”, diz Ramos.

Para o executivo, com o risco de as taxas de juros querendo subir, a tendência é que essas TIRs sejam reavisadas para cima, como tem acontecido no último ano. “Isso naturalmente vai atrair novos players que não são do setor”, diz.

Dois deles entraram recentemente. A gestora 4UM, que venceu o leilão da BR-381, tem como cotistas as famílias Malucelli, Salazar, Federmann e Backheuser — acionistas das empresas MLC, Aterpa, Senpar e Carioca Engenharia. Outro estreante que participou da disputa foi a gestora Opportunity.

Elas se juntam a outros fundos que já estão administrando concessões, como Pátria, Perfin e Monte, além da Via Appia, sendo que outros fundos – como XP e Kinea – estão usando as debêntures incentivadas para oferecer investimentos em infraestrutura.

Outro impulso foi a mudança nos modelos de contratos de concessão, cujos investimentos em expansão ficaram atrelados a gatilhos de serviços, sem a obrigação de fazer aportes logo no início do contrato, apenas se o tráfego maior demandar.

A insegurança jurídica, porém, continua. “Isso não mudou com a entrada do mercado de capitais e dificilmente vai mudar”, lamenta Ramos. “Mas a insegurança jurídica já está dentro da matriz de risco de todos os investidores que atuam no setor.”