O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) publicou uma decisão que impacta de maneira significativa a indústria de Fundos de Investimento em Participações (FIPs) e, especialmente, o ecossistema de venture capital brasileiro. Embora a decisão proferida no processo administrativo envolvendo Digesto e Jusbrasil tenha pacificado dúvidas que persistiam por décadas sobre operações envolvendo empresas investidas por fundos, ela também trouxe novas preocupações.

Ao definir critérios mais claros para caracterizar o controle de uma investida por um fundo, o Cade passou a exigir que um número maior de operações seja submetido à sua aprovação prévia, o que pode tornar mais burocrático e lento o fechamento de rodadas de investimento — algo que o ecossistema de venture capital, altamente dependente de agilidade, não pode se dar ao luxo de enfrentar.

Apesar dos desafios, a decisão também abre espaço para uma discussão necessária sobre como o Cade pode otimizar seus processos e reduzir os custos regulatórios, especialmente para startups e fundos que impulsionam a inovação.

Para determinar se um ato precisa de sua aprovação prévia, o Cade considera se a operação envolve ao menos dois grupos econômicos com faturamento bruto no ano anterior de, respectivamente, R$ 75 milhões e R$ 750 milhões. A partir dessa análise, o órgão decide se a operação pode prosseguir ou se representa risco à competitividade do mercado.

O que torna esse processo particularmente relevante para fundos de investimento, como os FIPs, é a forma como o conceito de controle é interpretado, especialmente quando o fundo detém uma participação minoritária.

A questão do controle é central para a análise do Cade e influencia diretamente a decisão de exigir ou não a aprovação prévia de uma operação. Mesmo que um fundo de investimento tenha menos de 20% de participação no capital social de uma empresa, ele pode ser considerado como parte do grupo econômico dessa empresa se exercer algum tipo de controle sobre ela.

Esse controle pode ser exercido de diversas maneiras, como por meio de acordos de acionistas que garantem ao fundo o poder de influenciar decisões estratégicas, como a aprovação de planos de negócios, a definição de orçamentos anuais, ou a contratação de dívidas acima de determinados valores.

Essa definição de controle é fundamental porque, se o Cade entender que um fundo de investimento tem controle sobre uma investida, mesmo com participação minoritária, o fundo passa a ser considerado parte do grupo econômico da empresa.

Isso significa que a operação de investimento pode estar sujeita à análise do Cade, se os outros critérios de faturamento forem atendidos. Durante anos, o Cade foi criticado pela falta de clareza na definição desse controle, o que gerava incerteza para advogados e gestores de fundos ao lidarem com operações de investimento.

Na decisão envolvendo Digesto e Jusbrasil, o Cade finalmente trouxe uma lista mais clara de direitos e prerrogativas que, em seu entendimento, caracterizam o controle de uma empresa por um fundo de investimento, mesmo quando a participação acionária é minoritária.

Entre os exemplos citados pelo Cade estão vetos a questões fundamentais, como a aprovação de planos de negócios, orçamentos anuais e até a contratação de endividamentos acima de um valor predefinido.

Esses vetos, comuns em acordos de acionistas, configuram uma influência significativa do fundo sobre a gestão da empresa, e por isso são interpretados como elementos que indicam controle.

Implicações para o mercado de venture capital

O problema dessa nova orientação do Cade é que ela está em desacordo com exigências impostas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com as diretrizes da National Venture Capital Association (NVCA), amplamente adotadas pelos fundos de venture capital que operam no Brasil.

A CVM exige que os FIPs demonstrem uma "efetiva influência" sobre suas investidas, e muitos dos vetos mencionados pelo Cade são necessários para que os FIPs cumpram essa exigência. Ou seja, direitos de veto que garantem ao fundo a influência exigida pela CVM agora podem ser interpretados pelo Cade como indícios de controle, submetendo a operação ao crivo do órgão antitruste.

Além disso, a NVCA, que fornece um modelo de governança amplamente utilizado em operações de venture capital, inclui em sua lista de vetos padrão cláusulas que, segundo a recente decisão do Cade, caracterizariam controle por parte dos fundos.

Isso coloca um número significativo de operações envolvendo FIPs e fundos de venture capital em uma situação em que, mesmo sem intenção de adquirir controle, eles podem ser obrigados a passar pelo processo de aprovação prévia do Cade.

Essa exigência adicional gera mais burocracia e atrasos para o fechamento de rodadas de investimento, algo crítico para startups que dependem de agilidade para se expandir.

O venture capital, em sua essência, visa a fomentar o crescimento de novas empresas e, ao aumentar a concorrência, beneficiar o consumidor final. Submeter operações que promovem a competitividade à análise do Cade parece, à primeira vista, ir contra os próprios objetivos do órgão.

Um caminho para a desburocratização

Apesar dos desafios, há uma luz no fim do túnel. Em seu voto, o conselheiro Victor Oliveira Fernandes, relator do caso, sugeriu que o Cade adotasse uma de duas medidas: revisar a Resolução 33/2022, que define o controle minoritário, ou criar um guia de orientação que esclareça definitivamente essa questão.

Essa recomendação está alinhada com as diretrizes da OCDE, que incentiva o Cade a rever periodicamente seus critérios para reduzir os custos regulatórios para o empresariado brasileiro.

Essa é uma oportunidade para que a comunidade de venture capital inicie um diálogo com o Cade, buscando desburocratizar os processos de investimento e garantir que os fundos possam continuar a promover a inovação e o crescimento de empresas emergentes no Brasil.

A decisão do Cade no caso Digesto e Jusbrasil, embora tenha trazido avanços importantes na definição de controle acionário por fundos de investimento, também gerou novas dificuldades para o ecossistema de venture capital.

A maior exigência de aprovação prévia pode atrasar investimentos que, em sua essência, não prejudicam a concorrência, mas a fortalecem. O momento, contudo, é propício para um diálogo construtivo entre o setor e o Cade, com o objetivo de simplificar os processos e promover um ambiente regulatório que favoreça o crescimento e a competitividade no mercado brasileiro.

Marcus Valverde é managing partner do Marcus Valverde Sociedade de Advogados, escritório de advocacia dedicados a venture capital no Brasil. Ele é advogado americano e brasileiro, formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e com mestrado pela Harvard Law School (HLS).