Enquanto gigantes do setor de energia de várias partes do mundo começam a revisar seus investimentos em soluções sustentáveis, aderindo à agenda pro-combustíveis fósseis do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, projetos verdes para o setor continuam avançando no Brasil, em especial na área de biocombustíveis.
O exemplo mais recente vem da Acelen Renováveis, empresa de energia criada pelo fundo Mubadala Capital, que está investindo US$ 3 bilhões num projeto inédito focado na produção de combustíveis renováveis a partir da macaúba - planta brasileira de alto poder energético e que necessita de pouca água para viver.
A Acelen concluiu na semana passada a primeira extração de óleo da macaúba em fluxo contínuo, ou seja, em escala industrial, no Acelen Agripark - centro de inovação tecnológica agroindustrial da empresa, em construção na cidade de Montes Claros (MG).
A extração industrial de óleo de macaúba ocorreu a partir de uma tecnologia inédita. Até então, esse processo estava restrito a experimentos de laboratório, o que impossibilitava a escalabilidade.
O objetivo da Acelen no longo prazo é produzir 1 bilhão de litros do óleo de macaúba na refinaria de Mataripe (BA) para dois tipos de biocombustíveis avançados. Um deles é o HVO (Óleo Vegetal Hidrotratado), alternativa ao diesel que pode ser usado em veículos e máquinas.
A empresa, porém, aposta na utilização do óleo de macaúba para produzir em larga escala o Combustível Sustentável de Aviação (SAF, na sigla em inglês), a versão verde do querosene usado pelos aviões comerciais.
A redução de emissão pelas linhas aéreas só passará a ser obrigatória a partir de 2027, quando tem início o aumento gradual da mistura obrigatória de SAF ao querosene em todos os voos internacionais, até a possível substituição completa do combustível fóssil na aviação, em 2050.
A expectativa é de que o mercado de SAF movimente globalmente US$ 400 bilhões por ano, sendo US$ 30 bilhões no Brasil, quando estiver consolidado. Numa mostra do potencial desse mercado, apenas 0,2% do combustível de aviação consumido globalmente por ano tem características sustentáveis.
O biocombustível de aviação pode ser produzido a partir de várias matérias-primas renováveis disponíveis em larga escala no País - como bagaço de cana-de açúcar, óleo de cozinha usado, gordura animal e até lodo de esgoto, além da soja, do milho e do girassol.
No caso do óleo macaúba – espécie de palmeira nativa -, há uma janela de oportunidade para o País se transformar numa potência global de biocombustível de aviação.
Enquanto o óleo de soja usado para produzir SAF tem uma produtividade de 500 litros por hectare, com a macaúba essa relação é de 2.500 litros por hectare, demandando cinco vezes menos área plantada.
Além disso, a norma internacional da SAF proíbe a produção dos biocombustíveis feitos a partir de insumos ligados ao desmatamento. Como o Brasil tem aproximadamente 40 milhões de hectares de terras degradadas, leva uma nítida vantagem em relação a muitos países.
A Acelen, por exemplo, pretende plantar 180 mil hectares de macaúba nos estados da Bahia e de Minas Gerais, utilizando somente terras degradadas.
Extração e plantio
Victor Barra, diretor de agronegócios da Acelen Renováveis, afirma que as linhas de extração, criadas pela equipe de engenharia da empresa junto com parceiros, tornaram possível a retirada contínua de óleo de macaúba com o desenvolvimento de equipamentos adaptados para a planta.
“Atualmente estamos na fase de comissionamento, por meio de testes nos equipamentos para garantir a máxima eficiência operacional”, afirma o executivo ao NeoFeed.
Em janeiro deste ano, a empresa já havia dado outro passo ao iniciar o plantio das primeiras 85 mudas no Agripark, aproveitando a atual janela de chuvas na região de Montes Claros.
Erguido em uma área de 138 hectares, dos quais 59 hectares serão destinados a experimentos (com oito áreas experimentais e uma de controle), o Agripark terá capacidade de germinar 1,7 milhão de sementes por mês e produzir 10,5 milhões de mudas por ano.
No total, o Acelen Agripark terá investimento total de R$ 314 milhões, sendo R$ 258 milhões financiados via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Não é apenas a Acelen que está apostando no óleo de macaúba como biocombustível. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria estadual de Agricultura e Abastecimento tem investido na produção sustentável de macaúba, promovendo a cultura como alternativa para a recuperação de áreas degradadas e de olho no seu potencial mercado como biocombustível.
Por meio da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e da CATI Sementes e Mudas do órgão, o objetivo é facilitar o acesso de produtores de todas as regiões do estado às mudas e sementes de macaúba, fornecendo conhecimento técnico e preços acessíveis.
O IAC iniciou suas pesquisas com a palmeira em 2006, um ano após o começo dos estudos no Brasil, que coincidiu com a criação do Programa Nacional dos Biocombustíveis.
Em 2023, o IAC fez um projeto em cooperação com a Acelen visando tornar o conhecimento técnico da planta viável para pequenos e médios agricultores para uma produção futura em larga escala. O objetivo é alavancar o estado de São Paulo como um polo nacional na produção de óleos vegetais.