Conforme os lances subiam, os suspiros se tornavam mais e mais ruidosos. Na manhã desta quinta-feira, 10 de julho, quando o martelo soou, os presentes na sede da Sotheby 's, em Paris, foram ao delírio. Gritinhos de espanto e aplausos tomaram conta da sala.
Velha, desgastada e manchada, a Birkin preta da Hemès fora vendida por (inacreditáveis) € 8.582.500. Sim, US$ 10 milhões — ou R$ 55,6 milhões! Era um recorde anunciado. Dias antes do lote número oito da coleção Fashion Icons ir a leilão, os pré-lances já haviam ultrapassado € 1 milhão. Aquela, porém, não era apenas uma Birkin, mas “a” Birkin.
A agora bolsa mais cara do mundo é o protótipo original, criado nos anos 1980 para a atriz e cantora inglesa Jane Birkin (1946-2023). A primeira, a que serviu de modelo para aquela que se tornaria símbolo máximo do luxo, uma espécie de lenda no universo da alta moda.
A Birkin de Jane possui algumas singularidades jamais replicadas nas Birkins que vieram depois dela — o que a torna ainda mais exclusiva. Uma das principais diferenças entre a original e as versões comerciais é a alça de ombro fixa, já acoplada à bolsa.
O tamanho da bolsa de € 8,5 milhões também é único, uma mistura dos dois maiores modelos, entre os quatro produzidos comercialmente pela Hermès. Suas ferragens em latão dourado também não se encontram nas Birkins mais “comuns”. Na época de seu lançamento, os acabamentos eram banhados a ouro. Atualmente, eles vêm em ouro rosa, paládio e rutênio.
Também não há no mundo uma Birkin com as iniciais JB gravadas pela Hermès na aba frontal. Tampouco com o cortador de unhas preso a uma corrente em uma de suas alças.
Com uma estética própria, nos 1960 e 1970, Jane lançou moda ao combinar a elegância parisiense com a casualidade britânica, em um estilo conhecido como effortless chic. Assim, avessa às unhas compridas e pintadas, ela as mantinha sempre aparadas — graças ao cortador que sempre levava na bolsa. Outra característica exclusiva da primeira Birkin são as marcas dos adesivos de causas políticas e humanitárias que sua dona colava na peça.
“Não há dúvida de que a bolsa Birkin original é verdadeiramente única — uma peça singular da história da moda que se tornou um fenômeno da cultura pop”, diz Morgane Halimi, chefe global de bolsas e moda da Sotheby's, em comunicado.
No saco de vômito
A Birkin nasceu da necessidade de uma mulher atribulada com a carreira e os cuidados com duas filhas. A história começa em 1981, em um voo da Air France de Paris a Nova York. Àquela época Jane costumava usar cestas de vime como bolsa. Ao tentar colocá-la no compartimento de bagagem superior, acabou deixando cair tudo o que estava dentro. Seu companheiro de assento era Jean-Louis Dumas, então diretor da maison fundada em 1837.
Jane comentou com o executivo como era difícil encontrar uma bolsa grande o suficiente para o seu dia a dia. Ali mesmo, em um saco de vômito, Dumas rascunhou a Birkin. Pediu permissão à artista para batizá-la com o seu nome e, autorização concedida, em 1984, Jane ganhou sua bolsa — diz-se que até sua morte, ela recebia cerca de US$ 40 mil de royalties, sempre repassados para instituições de caridade.
O modelo foi inspirado na primeira bolsa da Hermès, a Haut à Courroies (HAC), desenvolvida originalmente para transportar equipamentos de equitação. Com a chegada dos veículos automotivos, passou a ser usada como mala. Mas seu sucesso nunca se equiparou ao da Birkin — aliás, nenhuma bolsa jamais despertou tanto desejo quanto à que foi criada para Jane.
O frisson causado pelas Birkins pode ser explicado por sua escassez e trabalho artesanal — o que pauta a lógica do mercado de alto luxo. Não importa o modelo, a bolsa só é produzida por encomenda. Fala-se muito em uma lista de espera, mas conforme os especialistas é mito.
Para conquistar o privilégio de possuir uma Birkin, deve-se antes ser cliente fiel da Hermès. Em outras palavras, antes gastar (muito) dinheiro em cachecóis, perfumes, joias e roupas da marca parisiense. Pronta-entrega só nas plataformas de revenda de artigos de luxo, onde pode chegar a (muitas) dezenas de milhares de dólares.
500% de valorização
A aura de “raridade” das Birkins vem também de seu desenvolvimento artesanal. Cada peça é feita à mão por um único artesão altamente qualificado, treinado durante cinco anos na arte do corte, costura e montagem das peças de couro. Uma Birkin consome entre 18 e 25 horas de trabalho.
A oferta muito menor do que a demanda faz com que as Birkins só valorizem. Um estudo da plataforma Baghunter, em 2016, previa: em uma década, o valor das bolsas deveria dobrar. Em 35 anos, elas valorizaram 500% — oferecendo um retorno real superior ao S&P 500 e ao ouro, transformando-se em um investimento alternativo dos mais promissores.
Imagine até onde pode chegar a “mãe” de todas as Birkins. “É incrível pensar que uma bolsa inicialmente projetada pela Hermès como um acessório prático para Jane Birkin se tornou a bolsa mais desejada da história e provavelmente continuará sendo por muitos anos”, afirma o executivo da Sotheby's, no mesmo comunicado.
A Birkin de Jane já foi exibida no Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York e no Museu Victoria e Albert de Londres.
Antes de chegar à Sotheby’s, havia sido doada por sua dona, em 1994, a um leilão para arrecadar fundos para o tratamento de pacientes portadores do vírus da Aids. Em 2000, foi colocada novamente à venda, sendo arrematada por Catherine Benier, colecionadora e dona da loja vintage Les 3 Marches, em Paris.
“Vinte e cinco anos atrás, quando a adquiri, ela já era a bolsa mais cara do mundo”, conta em entrevista ao jornal The New York Times, sem revelar quanto desembolsou pela peça. “Consegui a bolsa depois de uma disputa acirrada entre mim e outros licitantes estrangeiros... É a joia da minha coleção.”
Incentivada por outros colecionadores, ela decidiu levar “a” Birkin à Sotheby’s. O resto é história. Uma crônica de € 8,5 milhões.