A crise entre Estados Unidos e Brasil, aberta com a imposição de tarifas de 50% ao País por parte do presidente americano Donald Trump a partir de 1º de agosto, embora não tenha deflagrado a campanha presidencial de 2026, certamente tornará a eleição do ano que vem ainda mais polarizada.
É o que afirma o cientista político Oliver Stuenkel, professor da Escola de Relações Internacionais da FGV em São Paulo, pesquisador do Carnegie Endowment for International Peace - um think-tank de política externa com sede em Washington-, e colunista da revista Foreign Policy.
Em entrevista ao NeoFeed, Stuenkel adverte que a ameaça tarifária vai causar mais danos políticos à oposição bolsonarista do que ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Na maioria dos países, esse tipo de interferência política nos assuntos internos como a feita por Trump pega muito mal”, diz o acadêmico, citando as acusações de Trump contra o Judiciário brasileiro, de perseguição política a Bolsonaro.
O tarifaço ainda traz um prejuízo concreto ao Brasil, pois ameaça empregos e afeta a economia brasileira. Neste sentido, Lula pode culpar a família Bolsonaro, que instigou o Trump a adotar essas sanções.
Por isso, segundo ele, essa iniciativa de Trump tende a trazer benefícios eleitorais ao PT. Stuenkel cita o exemplo do Canadá, onde o candidato trumpista, que estava à frente das pesquisas, acabou perdendo a eleição quando o presidente americano começou a ameaçar impor tarifas ao país vizinho.
Se por um lado essa disputa pode acelerar a polarização política no País, o analista prega cautela sobre o tema decidir, desde já, a eleição presidencial de 2026. Isso porque as tarifas só entram em vigor em três semanas, e Trump pode negociar ou recuar, como já fez anteriormente.
Para o governo brasileiro, no entanto, a melhor chance para reverter essa crise não está na diplomacia, mas na articulação de uma aliança com senadores e deputados americanos que representam regiões dos EUA onde empregos que estão sob ameaça por causa dessas tarifas.
“Há um sentimento muito hostil ao presidente Lula dentro do governo americano”, diz. Leia a seguir outros trechos da entrevista de Stuenkel, concedida por telefone desde os Estados Unidos:
Independentemente do prejuízo comercial, quem neste primeiro momento se deu bem em termos políticos com essa tarifaço imposto por Trump: o governo Lula ou a oposição bolsonarista?
De fato, a ameaça tarifária de Trump contra o Brasil é muito diferente da briga que os Estados Unidos têm, por exemplo, com a China, porque o mal-estar com os chineses é de natureza comercial. A princípio, esse tarifaço do Trump é um desafio para o governo Lula, mas o risco é muito maior para os seus adversários políticos. Porque, em geral, na maioria dos países, esse tipo de interferência política nos assuntos internos pega muito mal. Neste caso, ainda traz um prejuízo concreto ao Brasil, ameaça empregos, afeta a economia brasileira.
Boa parte do bolsonarismo culpa o governo Lula por esse episódio, por ficar criticando a política comercial de Trump. Faz sentido esse argumento?
É difícil defender esse tipo de sanção econômica contra o Brasil. E, obviamente, o governo federal vai adotar uma retórica que culpa a oposição bolsonarista por essas tarifas, lembrando que foi a família Bolsonaro que instigou o Trump a adotar essas sanções – que por definição, são muito impopulares. Então, como se trata de algo ruim, ambos os lados vão tentar culpar o outro. Mas quando a gente olha para o histórico de como países costumam reagir a esse tipo de ameaça, geralmente o governo nacional se dá bem, ou seja, lida melhor com essa ameaça.
"É difícil defender esse tipo de sanção econômica contra o Brasil"
Isso pode, então, gerar ganhos eleitorais para o governo do PT?
Sim, porque foi o que aconteceu, por exemplo, no Canadá. O candidato conservador trumpista estava na frente das pesquisas, mas as ameaças de Trump ao Canadá impactaram negativamente em sua performance eleitoral e ele acabou perdendo a eleição. Então, a princípio, eu diria que esse é o cenário mais provável para o caso brasileiro também.
Qual a tendência daqui para frente, tendo em vista o xadrez eleitoral para 2026: Lula e o governador Tarcísio de Freitas, os candidatos presidenciais mais prováveis, amenizando o discurso para atrair o centro ou polarizando ainda mais o debate?
A tendência é polarizar ainda mais o debate político. Acompanhei situações semelhantes na Austrália, na Alemanha, além do Canadá, e polariza em praticamente todos os lugares porque, como falei, grande parte da população rejeita esse tipo de interferência. O Tarcísio vai ter que deixar muito claro que ele se opõe a essas tarifas, mas, ao mesmo tempo, ele não pode abandonar o Bolsonaro. Então, o desafio eleitoral para o Tarcísio, a partir dessa situação, é maior.
Esse aumento da polarização no Brasil pode facilitar o surgimento de uma candidatura de centro-direita em 2026, com um candidato que se apresente contra o PT e sem compromisso explícito com o bolsonarismo? Seria uma alternativa ao Tarcísio.
Nesse ambiente polarizado vai ser muito difícil surgir uma nova candidatura que não esteja de alguma forma ligada ao PT ou a Bolsonaro. Tarcísio busca articular uma visão mais moderada, mas tem receio de se distanciar da base bolsonarista, que ele precisa para ser eleito. O mesmo vale para o surgimento de outras candidaturas de centro-direita, é típico de cenários polarizados. Ao mesmo tempo, é preciso aguardar qual serão os próximos capítulos dessa situação com os EUA.
"Nesse ambiente polarizado vai ser difícil surgir candidatura que não esteja ligada ao PT ou a Bolsonaro"
Então ainda é cedo para dizer que esse episódio abre de vez a corrida eleitoral de 2026?
Com certeza, mesmo porque há chance de haver uma mudança significativa rapidamente. Tudo pode acontecer. Ainda temos 20 dias para as medidas anunciadas entrarem em vigor. Trump pode adiar a implementação ou recuar, como já fez antes. Então é difícil dizer agora qual será o impacto eleitoral, porque ainda não sabemos se se trata de uma crise curta ou se vamos ficar falando disso por meses.
Você acha que o presidente Lula vai usar essa crise para reverter a queda de popularidade e, ao mesmo tempo, defender o setor comercial que foi afetado por esse tarifaço?
Temos aqui duas questões. A primeira é que, quando esse tipo de ataque ocorre, você sempre pode utilizar isso para fomentar o nacionalismo. No Brasil, há uma corrente antiamericana forte, ou seja, é possível utilizar isso para mobilizar a base. Acho provável que isso de fato ocorra, não necessariamente para aumentar a aprovação do governo, mas certamente para complicar a vida da direita brasileira, que será tachada de entreguista, de ter defendido e celebrado a vitória de um candidato que acabou atacando o Brasil.
E a segunda questão?
Essas tarifas não só são ruins para exportadores brasileiros, são ruins para importadores americanos também. Ou seja, têm muitos empregos que estão sendo ameaçados agora que compradores americanos não podem mais ter acesso a produtos brasileiros. Carnes é um exemplo. Então, isso afeta uma série de indústrias aqui nos Estados Unidos também.
O que o governo brasileiro precisa fazer?
Tanto o Itamaraty quanto o governo brasileiro precisam mobilizar, aqui nos Estados Unidos, os que serão prejudicados por essas tarifas. Esses são muito mais influentes na Casa Branca do que o governo brasileiro. Então, a diplomacia brasileira precisa fazer isso, articular uma reação de senadores e deputados americanos que representam regiões onde empregos que estão sob ameaça por causa dessas tarifas. E também governadores, de preferência do Partido Republicano, para ligar para a Casa Branca para se queixar, avisar que as tarifas afetam as chances de reeleição nas eleições de meio de mandato, no fim do ano que vem. Então é preciso mapear esses atores para que eles se mobilizem na Casa Branca.
Há pouco espaço para diplomacia agir?
Sim, quando falo com integrantes do governo Trump noto que há um sentimento muito hostil ao presidente Lula. E isso atrapalha muito, sinto isso em todas as conversas, seja no Departamento de Estado, no Departamento de Comércio, no Conselho de Segurança Nacional, seja na Casa Branca, todos enxergam o governo Lula com muita desconfiança.
"Entre integrantes do governo Trump noto que há um sentimento hostil em relação ao presidente Lula"
Como reverter isso?
É um baita desafio. Vou passar o dia hoje visitando esses órgãos, é uma situação realmente preocupante. Conheço empresas brasileiras que, com essas tarifas, não vão sobreviver, penso no produtor de vidros especiais em Santa Catarina, no cara que vende portas de madeira, aço, isso tudo vai para o mercado americano. Tem muita empresa de médio porte que vai sofrer muito. É claro que tem esse lado do nacionalismo, mas o governo brasileiro precisa se mobilizar porque essa crise pode prejudicar a economia brasileira com um todo.