Há quase 15 anos, Tony Soprano, o mafioso violento, corrupto e, ao mesmo tempo, irremediavelmente humano, se despediu da TV. Como “Família Soprano’’ (1999-2007) fez história, dando prestígio inédito à uma produção feita para telinha, foram várias as ideias para resgatar a família disfuncional de New Jersey mais amada pelo telespectador.

“The Many Saints of Newark” foi a que vingou. Uma das atrações recém-lançadas na HBO Max, o longa-metragem funciona como prequela da série, revisitando a juventude de Tony. O próprio filho do ator James Gandolfini, Michael Gandolfini, de 22 anos, se encarrega da versão júnior do personagem eternizado pelo pai.

Com a morte de James Gandolfini, em 2013, aos 51 anos, a ideia de sequência da série foi descartada por seu criador, David Chase. Como voltar no tempo parecia ser a melhor saída, inicialmente a proposta era seguir os passos do pai de Tony, Giovanni “Johnny Boy” Soprano, com ação dos anos 1930 ou 1940.

Mas o foco aqui acabou caindo em Dickie Moltisanti (Alessandro Nivola), o tio preferido de Tony. Chefe da máfia Moltisanti, ele apresenta as mesmas características que Tony demonstrará na fase adulta. É mulherengo, comilão, explosivo, impulsivo e violento.

A trama é ambientada no fim dos anos 1960, retratando uma época tumultuada em New Jersey. Enquanto Dickie enfrenta gângsteres rivais, crescem os conflitos raciais. O tio que Tony idolatra é uma espécie de mentor para o jovem – em parte porque o seu pai, Johnny Soprano (Jon Bernthal), cumpre pena na prisão. Para piorar, a mãe de Tony, Livia Soprano (Vera Farmiga), já dá sinais de que precisa de antidepressivos.

O que o filme faz pela série é dar uma ideia de quem teria servido de exemplo para Tony. Principalmente no que diz respeito à jornada psicológica do personagem, que entrará em crise no final dos anos 1990, precisando de ajuda psiquiátrica. Impossível não se lembrar do Tony da série, quando Dickie mata pessoas com ataques de fúria.

Ainda assim, o roteiro do filme não se dedica integralmente ao que mais importa aos fãs de “Família Soprano’’: a personalidade e a formação de Tony. Esse é o seu maior defeito. Até porque o filho do ator está ótimo como o futuro chefe da máfia, merecendo aparecer mais.

Independentemente da semelhança física, Michael capricha em alguns maneirismos que o pai deu ao personagem mafioso, como comer com apetite voraz, quase debruçado sobre o prato.

A escolha de Dickie como protagonista pode não ter sido a melhor. Por um lado, o personagem nunca apareceu na série e, por outro, ele sequer passa tempo suficiente com Tony para justificar a proposta de mostrar o seu trabalho de mentor no filme, com direção de Alan Taylor.

A subtrama dos conflitos raciais entre brancos e negros tem ainda um efeito dispersivo, além de não estar conectada ou acrescentar o que quer que seja ao universo da produção original.

A narração de Christopher Moltisanti (voz de Michael Imperioli), o filho de Dickie, podia ter sido melhor empregada como elo com a série. Mas são poucas as intervenções em áudio de Christopher, o sobrinho de Tony que acaba morto pelo próprio mafioso, por sufocamento, na sexta e última temporada.

O mais curioso é que o jovem Tony se decepciona com o tio Dickie no final do filme. E isso serve de espelho para a relação de Tony com o sobrinho no futuro – já que Christopher certamente também não esperava o destino que teria nas mãos do tio.

Apesar das críticas mistas que recebeu, “The Many Saints of Newark” abre as portas para mais narrativas derivadas de “Família Soprano’’. David Chase revelou que existe ainda um projeto de prequela para série, também para a HBO Max. A princípio, a ambientação da história se daria depois dos acontecimentos do filme e antes dos da série.

Com o “boom” de séries, impulsionado mais recentemente pela pandemia, a influência e a importância da saga dos Sopranos são ainda mais evidentes. Foram seis temporadas da HBO que mudaram o rumo da televisão, apresentando algo até então nunca visto.

Longe dos chamados enlatados, como as séries eram conhecidas, “Família Soprano’’ concedeu ao produto televisivo uma aura de prestígio na indústria do entretenimento, algo mais associado ao cinema. A distância que existia entre filme e série, em termos de qualidade de roteiro e de profissionais, começou a diminuir.

Os pais de Tony, Johnny Soprano (Jon Bernthal) e Livia Soprano (Vera Farmiga)

Ao tratar TV como filme, o orçamento da produção também aumentou, garantindo equipamento que proporcionasse uma abordagem mais cinematográfica, incluindo tomadas e movimentações de câmeras mais sofisticadas.

Cada temporada com Tony foi encarada como um filme extenso, de cerca de 13 horas. E não necessariamente como uma produção de 13 episódios de uma hora (em média) cada.

Para começar, isso deu ao enredo calcado na máfia a coragem para apresentar e humanizar um protagonista de TV de ética duvidosa, tirando o telespectador da chamada zona de conforto. Na época, a proposta representou um risco, por personagens assim serem mais aceitos nas telas.

O formato consolidou o conceito de narrativa longa em série, permitindo que o roteiro se aprofundasse no desenvolvimento dos personagens, além de propiciar terreno para o surgimento de subtramas, que se ajudam, se completam e enriquecem a trama principal.

E isso foi algo que encorajou os atores, incluindo os mais renomados, a embarcarem nas produções televisivas, o que era raro, considerando o caráter mais superficial das séries até então. Seus conflitos eram apresentados e resolvidos muitas vezes no mesmo episódio, diferentemente do que se vê hoje.

Graças à “Família Soprano’’, mais séries seguiram o mesmo caminho, usando cada episódio para introduzir novos elementos, deixando o enredo cada vez mais complexo e intrigante. A ponto de o espectador, de tão engajado, muitas vezes torcer para que a história, como a de Tony Soprano, nunca acabe.