O tempo médio de permanência de um técnico na elite do futebol brasileiro é de 5,8 meses. Se o torcedor já está acostumado com a rotatividade de treinadores, o investidor segue pelo mesmo caminho: as trocas de comando estão se tornando cada vez mais recorrentes nas grandes empresas brasileiras.

Na tentativa de se adequar rapidamente às novas tendências e mudanças estratégicas, as cadeiras dos CEOs estão cada vez mais quentes. Um estudo feito pela consultoria Flow Executive Finders, com exclusividade para o NeoFeed, revela que 37% das companhias do Ibovespa trocaram de CEO entre 2023 e 2024.

Ao todo, 30 empresas mudaram de comando — um aumento de 42% em relação ao biênio anterior e de 20% em comparação com o período entre 2018 e 2019. São exemplo nessa lista Marcelo Noronha, Marcelo Chara e Fabio Godinho, que assumiram a liderança de Bradesco, Usiminas e CVC, respectivamente, em 2023. E no ano seguinte Paulo Kakinoff, Nelson Gomes e Gustavo Pimenta, na Porto, Raízen e Vale, respectivamente.

“As empresas optaram por mais estabilidade durante a pandemia. Mas, depois, a pressão por performance aumentou. Os ciclos estratégicos estão mais curtos, de dois a três anos, o que tem contribuído para o maior turnover de CEOs”, diz Luiz Gustavo Mariano, sócio da Flow Executive Finders.

Mariano atribui o encurtamento dos ciclos ao maior dinamismo da economia, com mudanças mais frequentes de tendências e tecnologias. “A previsibilidade também é menor. Em dois, três anos, pode mudar completamente tudo em termos de produto.” Ele considera, no entanto, que esse intervalo ainda é insuficiente para avaliar o desempenho de um CEO. “Em menos de cinco anos, é difícil aferir se é protagonismo desse CEO ou se é legado da equipe anterior.”

A maior alternância de CEOs tem se mostrado um movimento global. De acordo com um estudo da Russell Institute, 2024 foi o ano com o maior turnover de CEOs da história: foram 202 trocas em uma base de 1.600 empresas distribuídas por 13 dos principais índices de ações do mundo — um aumento de 9% em relação ao ano anterior.

No exterior, as mudanças se concentraram especialmente no setor de tecnologia, onde as trocas de comando aumentaram 90% em relação a 2023. “O setor está passando por um período de mudanças profundas, turbinadas pela inteligência artificial generativa, pelos investimentos em infraestrutura digital e pelo crescimento contínuo do software”, diz Sean Roberts, consultor da Russell Reynolds, no estudo.

Embora faça parte de um contexto global, o turnover de CEOs tem sido mais intenso no Brasil. Em 2024, 20% das empresas do Ibovespa trocaram de comando, contra 12% das companhias do S&P 500. A conjuntura dos últimos anos — com ações em queda, juros altos e movimentos estratégicos oscilando entre expansão e retração — tem influenciado essa dinâmica.

Roberto Gonzalez, especialista em governança corporativa e conselheiro independente, avalia que a pressão sobre os CEOs se intensificou, especialmente em setores que atravessam momentos mais desafiadores. “O cargo é o grande responsável pelo cumprimento das metas e, portanto, precisa arcar com as consequências dos insucessos.”

Nesse cenário, Mariano considera que a troca pode ser necessária. “Há líderes mais adequados para momentos de recuperação, como reorganização e corte de custos, e outros mais indicados para fases de crescimento e expansão.” Segundo ele, cada etapa estratégica exige habilidades distintas. “Quando a empresa entra em uma nova fase, é natural que o conselho entenda que é hora de trocar o CEO.”

Essa dinâmica ocorreu no setor de varejo, com a Casas Bahia contratando Renato Franklin, que estava na Movida, para organizar as operações. Ainda que com um desfecho inesperado, a Americanas realizou esse movimento três anos atrás, com a contratação de Sérgio Rial, que estava no Santander. O executivo permaneceu na cadeira por menos de dez dias, antes de denunciar o esquema de fraude que estava em curso na companhia - hoje a cadeira é ocupada por Leonardo Coelho.

Para o cargo de CEO, Mariano afirma que o importante é entender que tipo de estratégia ele conduziu no passado — se foi uma expansão geográfica, criação de novas verticais de receita ou transformação do portfólio. “Analisamos que tipo de governança ele vivenciou, sob quais condições ele performou e qual foi o ambiente em que atuou. Quanto mais similar for esse histórico à nova agenda da empresa, menor o risco da transição. Mas mudar de setor sempre traz alguma curva de aprendizado.”

Além da maior pressão por resultados, o mau desempenho das ações também tem levado a mudanças nos quadros societários, com impacto direto na escolha dos executivos.

“Nas empresas do Ibovespa, muitas vezes não há um controlador definido, e os cargos executivos acabam sujeitos à flutuação do capital votante nas assembleias. Isso torna o jogo de forças nos conselhos mais dinâmico e a sucessão nas diretorias, mais imprevisível”, diz Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, que defende os interesses de acionistas minoritários.

O estudo da Flow mostra que, em setores com maior presença de empresas familiares — e, portanto, com controle definido — há mais estabilidade no cargo de CEO. É o caso de companhias do agronegócio e da construção civil que integram o índice e mantêm os mesmos comandantes desde a pandemia.

A SLC Agrícola,  da família Logemann, é um exemplo de companhia com dono definido e uma liderança de longa data. À frente está Aurélio Pavinato, CEO há 12 anos e funcionário com mais de três décadas de casa. Ingressou como auxiliar técnico e gerente de fazenda e foi ascendendo até assumir o comando.

“Quando há controle definido, o minoritário tem maior previsibilidade sobre a gestão da empresa. Se será boa ou ruim, é outra história. Mas ele almeja essa previsibilidade para tomar decisões sobre comprar ou vender ações”, afirma André Vasconcellos, diretor de RI da Fictor Alimentos.

Na ponta contrária, os setores regulados, com maior presença de corporations, lideraram o número de trocas de CEOs. Em termos absolutos, foram 14 mudanças nos setores de petróleo e energia elétrica entre 2021 e 2024, segundo a Flow. O destaque é a Petrobras, que sozinha passou por seis trocas no período — reflexo mais da instabilidade do controlador, a União, do que de mudanças no corpo acionário.

De 2021 a 2024, passaram pelo comando da estatal Roberto Castello Branco, Joaquim Silva e Luna, José Mauro Ferreira Coelho, Caio Paes de Andrade, Jean Paul Prates e Magda Chambriard, que segue no cargo. As trocas foram marcadas por desgastes políticos, trocas de governo e volatilidade. Ainda que numa frequência menor, as estatais Caixa Seguridade e Banco do Brasil também trocaram de comando, assim como Sabesp e Eletrobras após suas privatizações.

“Empresas estatais são mais sensíveis a ciclos políticos e interferências externas, porque os governos são seus principais acionistas. A cada eleição, há risco de mudança na gestão e na estratégia, o que afeta a previsibilidade para o investidor e o desempenho das ações”, diz Marcos Duarte, analista de ações e fundador da Descomplica Investimento.

Para Mariano, da Flow, a troca de CEO não deve ser vista como falha, mas como uma adaptação natural a um novo momento da empresa — especialmente quando bem planejada. Ainda assim, também é comum que equipes de sucesso mantenham seus comandantes por longos períodos. Como diz o ditado, em time que está ganhando, não se mexe.