Em 2019, o empreendedor Rodrigo Batista vendeu a participação que detinha no Mercado Bitcoin, exchange de moedas virtuais que cofundou em 2013 ao lado dos irmãos Gustavo e Maurício Chamati. De lá para cá, ele se envolveu em diferentes projetos. De uma seguradora digital até uma bolsa de valores para startups.

Nos últimos meses, no entanto, seu foco se voltou para o mercado de criptomoedas com a Digitra.com. Após captar, em maio deste ano, um aporte de US$ 5 milhões com a Profitus Participações, empresa de investimentos de Ricardo Vilella Marino, herdeiro do Itaú e sócio da holding que controla o banco, Batista vai colocar, nas próximas semanas, sua nova operação no ar.

E, ironia das ironias, a sua segunda exchange, que nasce para enfrentar gigantes globais como Binance e FTX, vai concorrer também com o Mercado Bitcoin no Brasil. “Eu sempre achei que o mercado cripto seria dominado por empresas com soluções globais”, afirma Batista em entrevista ao NeoFeed.

Ainda em fase de construção, a Digitra.com aposta nessa tese porque será aberta para clientes do mundo inteiro. Ainda fora do ar para negociações, a plataforma já está permitindo o cadastro de usuários e recebeu inscrições vindas de países como Portugal, Ucrânia e Argentina, além do Brasil.

A expectativa é de que o negócio conquiste 1 milhão de clientes nos primeiros 12 meses de operação. A meta é agressiva. Por outro lado, se ainda fica longe dos 28,5 milhões de usuários da Binance registrados até outubro do ano passado, o primeiro milhão de contas cadastradas colocaria a Digitra.com numa briga acirrada no Brasil.

O Mercado Bitcoin tem 3,8 milhões de contas, enquanto a Foxbit terminou o ano passado com “quase um milhão de clientes”, segundo dados das próprias empresas. Na competição internacional, a disputa também ficaria mais nivelada contra a FTX, cuja operação americana tem 1,2 milhão de usuários.

O ganho de escala é fundamental para que o negócio da Digitra dê certo. Isso porque a empresa tem como estratégia zerar as taxas de compra e venda de moedas dentro de sua plataforma. O plano segue uma tendência do mercado, que já vinha reduzindo as alíquotas nos últimos anos, num movimento que começou a ganhar tração com a Binance e que foi seguido por outras corretoras.

“Eu via que o modelo de negócio das empresas iria mudar porque as taxas estavam caindo”, afirma Batista. Ele conta que o Mercado Bitcoin chegou a cobrar 4,5% por transação efetuada. Atualmente, a exchange brasileira cobra 0,3% para quem está enviando uma ordem de compra ou venda de um criptoativo. A Binance, por sua vez, trabalha com uma alíquota menor: 0,1%.

O decréscimo dessas taxas só pode ser viabilizado quando uma empresa tem escala suficiente para que a conta feche com margens mais baixas. Além, é claro, de ter uma estrutura que permita que a operação possa obter receita com outras fontes. O Mercado Bitcoin, por exemplo, já opera com NFTs e Fan Tokens, produtos financeiros, vai criar uma bolsa para startups e busca se tornar uma Instituição de Pagamento.

Sem esta fonte de renda, a Digitra.com quer gerar receita a partir de outros serviços dentro da sua plataforma, o que inclui a oferta de produtos financeiros como derivativos e opções. Se ganhar escala, terá uma base suficientemente grande para sustentar sua operação.

Em outra frente, a exchange também vai operar com uma divisão voltada para clientes com tíquetes maiores – em uma média de R$ 300 mil. A "solução wealth” começou a rodar em novembro do ano passado e já tem cerca de 200 clientes. “São family offices que olham para cripto em busca de um investimento mais estruturado e com opções de realizar ETFs”, afirma Batista. “A demanda é menor, mas mais pessoal.”

Sobre outras formas de receita, Batista conta que nada está escrito em pedra. O que significa que o serviço pode alterar seu modelo de operação ao longo dos anos para, por exemplo, cobrar uma assinatura mensal que permita que os usuários transacionem e realizem diferentes operações de forma ilimitada. Esse plano, no entanto, ainda está sendo estudado.

Para atrair clientes, a Digitra aposta no uso de tokens – que são diferentes de moedas digitais. Esses tokens são cedidos aos usuários que se cadastram e fazem operações dentro da plataforma como uma forma de remuneração (sem valor monetário, no início) pelo uso da plataforma. “Eu inverto a lógica do mercado de exchanges”, explica Batista. “O cliente passa a ser remunerado para operar.”

Serão criados 300 milhões de tokens sob a sigla DGTA e que são transacionados a partir do blockchain da rede Stellar. Esses tokens garantem benefícios para os usuários, como descontos em taxas aplicadas para algumas transações mais robustas da plataforma e vantagens exclusivas como acesso antecipado a novas funções. No futuro, esses tokens poderão ser comercializados.

O modelo pode ser chamado de trade to earn (negocie para ganhar, na tradução literal). O formato é semelhante ao adotado por empresas de jogos virtuais que remuneram usuários a partir de ações que eles realizam – daí o termo play to earn (jogue para ganhar, em português). A Socios.com, que trabalha com fan tokens de clubes de futebol e de outros esportes, segue essa linha com um token próprio.

Mercado agitado

Por ora, a Digitra concentra sua atenção no lançamento da plataforma. Inicialmente a operação entra no ar possibilitando transações entre bitcoin e ether com paridade ao dólar. A ideia é ter 50 “pares” de moedas virtuais até o fim do ano e 200 ao fim do período de 12 meses.

Para trazer novas moedas para dentro da plataforma, a companhia está utilizando parte do investimento recebido. O valor, aliás, é bem menor do que o que empresas rivais, já bem mais estabelecidas, captaram recentemente.

No ano passado, o Mercado Bitcoin captou US$ 200 milhões e foi avaliado em US$ 2,1 bilhões. Neste ano, a FTX levantou US$ 400 milhões num aporte que contou com investidores como Softbank e Temasek e foi avaliada em US$ 8,5 bilhões. A Binance, por sua vez, já está avaliada em US$ 43,7 bilhões. Outra rival, a Coinbase vale US$ 15,4 bilhões.

Batista afirma que pretende buscar outros investimentos. “Queremos buscar mais capital, mas entendemos que o mercado está mais desafiador”, diz. “O dinheiro existe, mas os investidores estão mais seletivos e querem negócios que tenham se provado. Em algum momento, os fundos vão precisar alocar o dinheiro e nós já teremos feito isso.”

Atrair novos investidores pode ser complicado também pelo momento do mercado. A Digitra.com chega quando os criptoativos enfrentam um período de baixa histórica. No fim do ano passado, com a queda acentuada dos preços das principais moedas virtuais, investidores que apostam no segmento chegaram até a cunhar o termo “inverno cripto”.

Batista, entretanto, espera que o setor se recupere e diz que o atual preço dos ativos não afeta negativamente sua operação. "Acredito que é mais fácil fundar uma empresa em um momento de baixa do que no de alta, desde que a operação tenha capital para suportar este período", afirma. “Esse momento de baixa deixa de lado a correria ditada pelos preços e pressões de curto prazo.”

O mercado de criptomoedas apresenta números distintos. Entre novembro do ano passado e o fim de junho deste ano, o preço das principais moedas virtuais despencou. O bitcoin, por exemplo, caiu de US$ 65 mil para menos de US$ 20 mil. Uma pesquisa da empresa Crypto.com, por sua vez, estima que o número de usuários de criptoativos vá aumentar de 295 milhões para mais de 1 bilhão até o fim deste ano.

O Brasil também apresenta números promissores para os empreendedores do setor. O segmento movimentou R$ 300 bilhões no ano passado, segundo dados do Banco Central. Para efeito de comparação, este montante representa metade do valor movimentado em ações, fundos, BDRs e ETFs na B3 durante o mesmo período e 27% recursos depositados na poupança, de acordo com a Anbima.