Os elevados preços das commodities e a movimentação de empresas americanas para aproximar dos EUA parte de sua produção e reduzir o risco de falta de suprimentos ou excesso de exposição a conflitos geopolíticos – consequências de lockdowns na China e da guerra na Ucrânia – têm beneficiado a América Latina, mas o cenário começa a mudar.

A Economist Intelligence Unit (EIU) – divisão de pesquisa e análise do grupo que controla a britânica The Economist – informa que a região começa a entrar em um período difícil, embora vários indicadores tenham destacado a força da atividade nas principais economias latino-americanas no primeiro semestre: o crédito do setor privado se recuperou, os salários em muitos países registram aumentos reais e o emprego ganhou ritmo.

“Um firme aumento do investimento externo direto na região, no primeiro trimestre de 2022, compõe esse cenário de atividade robusta”, diz a EIU que, sem citar montantes, afirma que vários países latinos registraram as maiores entradas de capital externo em mais de uma década.

A publicação pondera ser possível que parte do pico do investimento externo direto possa ser atribuído a transações pontuais ou a um acúmulo de investimentos atrasados pela pandemia de Covid-19. Entretanto, os altos preços das commodities – mesmo antes do pico provocado pela invasão da Ucrânia em fevereiro – alimentaram os fluxos de capital.

A Colômbia, grande produtor de petróleo, recebeu seus maiores fluxos desde 2005. No México, também importante produtor de petróleo, movimento similar foi observado.

Os analistas da EIU acreditam, porém, que as fraquezas percebidas no ambiente de negócios deverão restringir o fluxo de capital produtivo para a América Latina daqui para frente, “em meio a um alto nível de risco político na região, refletindo mudanças políticas dramáticas nas urnas nos últimos dois anos”.

Entre 2020 e 2021, ganharam candidatos da esquerda na maioria das eleições realizadas na região: Luis Arce na Bolívia; Pedro Castillo no Peru; Xiomara Castro em Honduras; Gabriel Boric no Chile; e Gustavo Petro na Colômbia. As atenções se voltam agora para as eleições no Brasil, em outubro.

A EIU avalia que a soma de riscos políticos e a queda dos preços das commodities levarão à redução do investimento externo direto nos próximos trimestres.

O economista Ilan Goldfajn, diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental e ex-presidente do Banco Central (BC), na semana passada em evento Febraban Tech, também alertou para um período difícil na América Latina em função da piora das condições financeiras decorrente do aumento global dos juros no combate à inflação.

“As economias da América Latina que tiveram crescimento robusto até agora, beneficiadas sobretudo pela valorização das commodities, viverão uma mudança de cenário em futuro próximo”, afirmou.

Goldfajn disse também que “o mais relevante no momento é uma desaceleração forte da atividade no mundo, nos EUA e Europa. Talvez até perto de uma recessão nos próximos 12 meses”.

Um dos mais respeitados economistas brasileiros, Goldfajn enviou uma mensagem aos governos da região que, segundo ele, têm uma importante missão: resgatar as economias da estagnação do crescimento. Mas não de qualquer maneira. “A estabilidade macroeconômica e fiscal deverá ser promovida com estabilidade social”, disse ele.

Goldfajn afirmou que “os governos têm que fazer superávits [fiscais], mas de forma progressiva e defendendo os mais vulneráveis. Não é fácil. Os governos precisam fazer opções”.

Para o ex-presidente do BC, os governos latino-americanos devem tirar as economias da estagnação do crescimento do PIB per capita. “No médio e longo prazo, isso só é possível com aumento de produtividade, investimento e educação. Sem essas condições, não será possível assegurar sustentabilidade econômica e social na América Latina.”