A definição de quem ocupará o posto de ministro da Fazenda é uma das mais esperadas em relação ao governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. E, enquanto o mercado aguarda – e cobra – uma decisão, o novo mandatário do País emitiu, ao que tudo indica, um importante sinal nessa direção.
Um dos nomes mais cotados para assumir o cargo, Fernando Haddad foi escolhido por Lula para representá-lo em evento realizado nesta sexta-feira, 25 de novembro, pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em São Paulo.
Na terça-feira, Haddad havia declinado do convite feito pela entidade para participar do evento. Mas mudou de ideia e atendeu prontamente ao pedido de Lula. E, no almoço com os executivos dos grandes bancos, falou, “em nome do presidente”, sobre alguns dos focos que irão guiar a agenda do novo governo.
“A primeira é a questão do orçamento público, tanto do ponto de vista da receita quanto da despesa”, afirmou Haddad, em sua participação. “Há uma determinação clara de Lula de que nós possamos dar, logo no início do próximo governo, uma prioridade total à reforma tributária.”
Ele ressaltou que um compromisso inicial será a aprovação de uma primeira etapa dessa reforma, especialmente no que diz respeito a tributos indiretos, com uma proposta de emenda constitucional já em tramitação, a partir de ideias formuladas pelos economistas Bernard Appy e Nelson Machado.
“Mas, na sequência, o presidente pretende encaminhar uma proposta de reformulação dos impostos sobre renda e patrimônio para completar o ciclo de reforma dos tributos no Brasil”, disse. “É um compromisso realizar essa agenda em 2023.”
Haddad também fez menções ao teto de gastos. Ele ressaltou que, embora essa política seja reputada por muitos como aquela que garantiu um maior controle sobre a inflação, ao mesmo tempo, ela não foi efetiva para conter a piora da qualidade do gasto público.
“Precisamos repensar vários gastos que foram autorizados e outros que foram represados como, por exemplo, nas áreas de ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura e assim por diante”, disse. “Temos uma tarefa enorme de reconfigurar o orçamento e dar a ele mais transparência.”
Na prática, ele destacou que, além da reforma tributária, no plano das despesas, outra prioridade na agenda já para 2023 será melhorar a qualidade dos gastos por meio de um “choque de gestão” em programas que precisam ser recuperados ou inteiramente reformulados.
Como exemplo, ele citou que houve avanços no Bolsa Família, durante os governos do PT, e que o programa representava menos de 0,5% do PIB. Na comparação, fez referência ao Auxílio Brasil, que não teria resolvido os problemas na faixa da baixa renda e representa mais de 1,5% do PIB.
Em um segundo aspecto importante no calendário à frente, Haddad abordou a questão da intermediação financeira. Ele frisou a necessidade de o Brasil se valer da tecnologia disponível e do conhecimento acumulado nos períodos de hiperinflação para acelerar o barateamento da oferta de crédito no País.
“A intermediação do Estado, no que diz respeito ao orçamento público, se completa com a intermediação financeira, a partir de um sistema de crédito robusto, mais acessível, com menos spread e mais racional”, observou.
“Esse é outro pilar de sustentação do desenvolvimento econômico no Brasil que nós estamos dispostos, em colaboração com o setor bancário, com o Banco Central, a auxiliar nessa agenda", acrescentou.
Um terceiro tema abordado foi a gestão e a alocação mais racional de recursos, muitas vezes já disponíveis e mal aplicados. Como exemplo, ele citou os investimentos em educação básica, cujos níveis, em relação ao PIB, estão relativamente próximos de países desenvolvidos, mas sem alcançar resultados similares.
Em outro ponto, Haddad criticou o fato de o País investir cada vez menos em ciência e tecnologia. Especialmente em um cenário no qual há uma janela de oportunidades que poderiam abrir um horizonte de investimentos em frentes como hidrogênio verde, energia eólica, energia solar e carros híbridos.
“Temos uma indústria automobilística que está se refazendo, temos vantagens competitivas e não estamos aproveitando as oportunidades que estão se abrindo”, disse “Inclusive, contando, eventualmente, com a parceria de empresas estatais que, hoje, investem pouco em ciência e tecnologia, apesar dos lucros.”
Como um último tema, o “candidato” a ministro da Fazenda abordou a questão do pacto federativo e a necessidade de se restabelecer um equilíbrio do poder executivo com as demais esferas e instâncias governamentais.
“Precisamos virar a página da guerra que se estabeleceu entre a presidência da República, os governos estaduais e os demais poderes”, afirmou. “E recuperar a institucionalidade para trazer um pouco de paz ao País.”
Ao que tudo indica, a reação do mercado às falas de Haddad não foi positiva. Por volta das 13h40, perto do fim da sua participação no evento da Febraban, o Ibovespa, que vinha em queda, acelerou esse recuo que, às 16h, chegou a mais de 2,8%.