Nos últimos meses, a criação de uma liga para organizar o calendário, negociar direitos comerciais e ditar os rumos do futebol brasileiro ganhou contornos de rivalidade dignos dos embates travados nos principais gramados do País.
Duas propostas formam esse certame: a Liga Brasileira de Futebol (Libra), com o Mubadala Capital, braço do fundo soberano do governo de Abu Dhabi, como investidor; e a Liga Forte Futebol (LFF), apoiada pela gestora brasileira Life Capital Partners e o fundo americano Serengeti Asset Management.
Agora, um terceiro nome está entrando nesse campo. O NeoFeed apurou que a CVC Capital Partners, um dos principais players globais de private equity, tem negociações com o Mubadala, em uma movimentação que, numa segunda etapa, pode atrair o bloco da LFF para a criação de uma única liga.
Seja quais forem os termos, a nova jogada traz um reforço de peso para esse debate. Com sede em Luxemburgo, a CVC tem mais de € 140 bilhões de ativos sob gestão. E, na semana passada, em meio a um mercado mais restrito, captou € 26 bilhões para o maior fundo de private equity da história.
Garantidas por um acordo de exclusividade, as conversas entre Mubadala e CVC tiveram início há pouco mais de quatro meses. Desde então, esse diálogo ganhou corpo e novas possibilidades começam a ser colocadas na mesa.
“Mubadala e CVC já estão bem engajados em ter um acordo entre eles, seja para um bloco comercial ou uma liga”, diz uma fonte ao NeoFeed. “E, nesse momento, há uma disposição para entender se existe um arranjo que possa acomodar uma terceira parte, no caso a LCP/Serengeti, nesse formato.”
Conforme apurou o NeoFeed, essa avaliação da dupla já evoluiu para uma aproximação com o consórcio da LFF, que conta com a assessoria da XP, do escritório Alvarez & Marsal e a Livemode em sua proposta de criação de uma liga do futebol brasileiro.
As conversas ainda são preliminares, mas têm como ponto de convergência a formação de uma liga unificada. A entrada da CVC e a alternativa de um modelo de três sócios são vistas como facilitadores para que se chegue, enfim, a esse consenso.
“Potencialmente, a CVC destrava um nó e pode ser o fiel da balança de uma equação que, até pouco tempo, seria impossível”, afirma outra fonte. “A percepção é de que existência de um terceiro sócio, desse porte e numa governança tripartite, é a solução para que essas duas pontas possam conviver.”
Apesar dessa abertura para o diálogo com os, até aqui, “rivais”, o NeoFeed apurou que o grupo do Mubadala, assessorado pelo BTG Pactual e a Codajas Sports Capital, não estaria disposto a aceitar um eventual acordo que igualasse sua participação com a fatia do consórcio da LFF na operação.
Um pedido nesses termos foi justamente o que brecou uma tentativa inicial de conversa entre as duas partes, há pouco menos de dois meses. A aproximação foi intermediada por dirigentes do Atlético-MG, clube que, na época, ainda integrava o bloco da LFF.
Há outro desafio, porém, no caminho de um acordo. “Investidores tendem a ser mais pragmáticos e são mais abertos a conversar”, diz uma das fontes ouvidas pelo NeoFeed. “Mas não adianta nada haver um acerto nessa esfera se os clubes, principais interessados, não toparem o que for proposto.”
Experiência em campo
Apesar de figurar como o elemento mais recente nessa equação, a CVC Capital Partners não é uma novata nesse debate. Desde o primeiro semestre de 2022, quando o BTG Pactual bateu na porta de 141 fundos globais levando a proposta da Libra, a gestora mostrou interesse no projeto.
Na época, porém, a CVC entendeu que o processo para chegar a um acordo com todos os clubes demandaria muito tempo e energia e declinou da sua participação. No entanto, manteve-se atenta aos desdobramentos até se aproximar do Mubadala, que havia abraçado a tese.
No âmbito da conversa que os dois players vêm mantendo desde então, não há perspectiva de nenhuma mudança nos valores e na proposta feito pelo Mubadala aos 16 clubes que hoje compõem a Libra. Entre eles, Flamengo, Corinthians, Palmeiras e São Paulo.
Como um passo intermediário para a criação da liga, a oferta inclui um aporte de R$ 1,3 bilhão em troca de uma participação de 12,5% nas receitas de um bloco comercial para negociar cotas de transmissão, a partir de 2025.
Já na LFF, a proposta é de R$ 2,3 bilhões, pelo mesmo prazo e também na direção intermediária de um bloco comercial, mas por uma fatia de 20%. Hoje, 21 times têm um acordo direto com essa ponta, em uma escalação que inclui Fluminense, Athletico-PR, Goiás, Ceará e Fortaleza.
“No Mubadala, o entendimento é de que têm recursos e não precisam dividir o cheque com ninguém”, observa uma fonte. “A lógica da entrada da CVC é muito mais sob a ótica da experiência que eles têm no mercado de esportes, mídia e entretenimento, e da presença deles no Brasil.”
Nesse contexto, à parte de uma eventual aproximação com a LFF, o diálogo entre Mubadala e CVC tem sido bastante calcado no foco operacional de uma possível parceria em uma liga. E inclui questões como fair play financeiro entre os clubes e a elaboração de um plano de negócios para ampliar as receitas.
A CVC tem, de fato, um elenco extenso e de peso para contribuir nesses e outros temas. Em dezembro de 2021, por exemplo, a gestora desembolsou € 1,9 bilhão por uma participação de 10% da La Liga, a liga espanhola de futebol.
Seu portfólio inclui ainda ativos como a The Ligue de Football Professionnel, que coordena as ligas de futebol francesas; a Women’s Tennis Association (WTA); a Volleyball World; o Gujarat Titans, franquia de críquete da Índia; e diversas ligas e propriedades ligadas ao rúgbi, entre outros investimentos.
Já no Brasil, em 2018, a gestora pagou US$ 562 milhões por uma fatia de 30% na Moove, distribuidora de lubrificantes automotivos e industriais do Grupo Cosan. E, há um mês, investiu um valor não divulgado na Delly’s, distribuidora de food service criada pelo Pátria Investimentos.
Enquanto a CVC se prepara para colocar seu time em campo, recentemente, alguns clubes mudaram de lado ou confirmaram suas posições nessa disputa. Nesta semana, por exemplo, o Internacional finalmente aderiu à proposta da LFF.
O time gaúcho integrava o bloco da Liga Forte desde o início, mas, demorou para selar o acordo após seu Conselho Deliberativo decidir avaliar a proposta da Libra. O resultado veio com um placar apertado, com 157 votos para a LFF e 145 para a oponente.
Em contrapartida, há duas semanas, o Atlético-MG, que, até então, era um dos principais nomes da LFF, migrou para a Libra. Antes, Botafogo, Cruzeiro e Vasco já haviam feito o caminho inverso, ao assinarem um acordo à parte com a LCP e o Serengeti, formando o Grupo União, composto ainda pelo Coritiba.
Procurados, o grupo por trás da Libra, assessora pelo BTG Pactual, e a XP, que está com a LFF, não concederam entrevistas. Já o Serengeti Asset Management, na figura de Jody LaNasa, seu fundador e CEO, deu uma pista do que pode vir pela frente em nota enviada ao NeoFeed.
“Continuaremos explorando maneiras de aprimorar ainda mais a proposta de valor para todas as partes interessadas, incluindo os clubes da LFF e do Grupo União. Embora acreditemos que ter uma liga unificada seja uma prioridade e nos esforçaremos sempre para alcançá-la, no momento, estamos totalmente focados em concluir a transação atual”, afirmou LaNasa.