Desde que entrou em vigor, em julho de 2020, o Marco Legal de Saneamento atraiu investimentos públicos e privados por conta das exigências impostas a estados e municípios para que, até 2033, 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% a tratamento e coleta de esgoto.
Em três anos, foram contabilizados mais de R$ 75 bilhões em investimentos por empresas privadas e estatais em cerca de 225 municípios brasileiros.
O país, no entanto, ainda está longe da meta de saneamento. Embora 83% dos brasileiros tenham acesso a água tratada, 50% sobrevivem sem a coleta de esgoto, agravando outro problema sanitário que tem sido negligenciado pelo poder público - a poluição das águas costeiras e interioranas do país.
“As principais fontes de poluição dessas águas envolvem esgoto doméstico, os de indústrias e do setor de serviços, além dos resíduos sólidos, gerados por falta de coleta”, afirma Virgílio Viana, professor da Fundação Dom Cabral (FDC) e superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
O avanço gerado pelo marco do saneamento levou a FDC a mobilizar lideranças de diferentes segmentos da sociedade brasileira, por meio de sua iniciativa Imagine Brasil, para discutir medidas visando atacar a despoluição de rios, lagoas, igarapés, riachos e praias.
“A ideia é começar a estruturar a base legal, o modelo de governança e o papel de diferentes atores nesse processo”, diz Viana.
Para atrelar ações e investimentos previstos pelo marco regulatório ao estabelecimento de metas de despoluição das águas para 2033, a FDC organizou um seminário na primeira semana de agosto, em São Paulo, para discutir medidas visando a despoluição das águas.
O evento teve participação de Veronica Sanchez, presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Gesner Oliveira, da Fundação Getúlio Vargas; do senador Confúcio Moura (MDB-RO) e representantes do Ministério da Fazenda, das empresas de saneamento Aegea, Iguá e Sabesp, e da ONG Trata Brasil.
Além das experiências repassadas pelos representantes das empresas de saneamento – que, graças ao marco, estão levando saneamento para comunidades miseráveis que antes não tinham acesso a água potável e coleta de esgoto –, os participantes discutiram algumas medidas essenciais.
Entre elas, triplicar o que é investido anualmente em coleta de esgoto e criar estímulos para atrair o capital privado para atuar na despoluição.
Poluição descontrolada
Outros dados dispersos dão uma ideia do tamanho do problema. De acordo com a ANA, dos 5.570 municípios brasileiros, somente 2.007 cidades contam simultaneamente com Estações de Tratamento de Água (ETA) – plantas que tratam a água antes de seu consumo – e Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), unidades dedicadas ao tratamento de efluentes industriais e domésticos.
Sem esses processos, boa parte da água não tratada acaba poluindo rios, lagoas e riachos.
Nas praias, a situação não é diferente: cerca de 2 milhões de toneladas de resíduos sólidos vazam para o mar da costa brasileira anualmente.
No entanto, o trabalho das empresas privadas de saneamento que passaram a prestar serviços após a aprovação do marco começa a aparecer.
A concessionária Águas do Rio, por exemplo, aprovou investimento emergencial de R$ 2,7 bilhões para, nos próximos cinco anos, combater a poluição da Baía da Guanabara – onde mais da metade dos cerca de 9 milhões de habitantes do seu entorno não tem esgoto tratado.
A FDC contratou uma consultoria especializada para compilar os dados de poluição, tratamento de esgoto, investimentos necessários.
O levantamento será discutido em audiências públicas e encaminhado ao Congresso Nacional, para elaboração de lei específica, provavelmente vinculada ao marco de saneamento, que atraia investimentos privados voltados para a despoluição.
“Existe uma necessidade de investimento para darmos um salto grande, mas há viabilidade e interesse de empresas internacionais, desde que tenham regras claras”, diz Aldemir Drummond, professor da FDC e coordenador do Imagine Brasil.
Para Viana, a despoluição das águas é um problema dentro de outro maior: o do cumprimento de metas do marco do saneamento, que segundo ele vai exigir investimentos na ordem de R$ 500 bilhões, até 2033. “Se somarmos todos os planos de investimentos, tanto setor privado, quanto público, isso alcança 40% desse valor. Ou seja, temos um déficit de 60%”, adverte.
Parte desse déficit pode ser reduzido com os cerca de 30 projetos, entre privatizações, PPPs e concessões, que estão sendo estruturados pelos governos locais e estaduais, segundo estudo do Trata Brasil.