A chegada do navio-sonda NS-42 da Petrobras ao porto de Santana (AP), em junho, marcou de forma extraoficial o início das operações da estatal para explorar a Margem Equatorial — área em alto-mar a mais de 150 km da costa e que se estende por 2.200 km, do Amapá ao Rio Grande do Norte, considerada a nova fronteira de petróleo do País.

O NS-42 deveria iniciar o mapeamento do bloco 59, o primeiro que a Petrobras pretende perfurar, na Bacia da Foz do Amazonas — apesar do nome, situada a 500 km da foz principal do rio. No entanto, o navio segue ancorado à espera da Avaliação Pré-Operacional (APO), última etapa do licenciamento ambiental pelo Ibama, agendado na semana passada para 12 de agosto.

Segundo especialistas ouvidos pelo NeoFeed, a Petrobras só deverá obter o aval após a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, que vai ocorrer em novembro, em Belém (PA). Na pior hipótese, o licenciamento pode ser barrado.

A Margem Equatorial, envolta em polêmica desde a primeira concessão feita pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) em 2013, representa uma oportunidade dupla para o Brasil. Os investimentos da Petrobras podem chegar a R$ 17,5 bilhões até 2029, gerando 150 mil empregos nas regiões Norte e Nordeste.

Só o bloco 59 pode gerar receita líquida de R$ 1,3 trilhão. Considerando toda a Margem Equatorial, o potencial ultrapassa R$ 2 trilhões, de acordo com estimativa do Ministério das Minas e Energia.

Além disso, a exploração é essencial para o planejamento energético do País. Segundo a Petrobras, as reservas atuais — excluindo a Margem Equatorial — começarão a declinar entre 2029 e 2030, com risco de perda da autossuficiência por volta de 2032. Sem novas frentes, o Brasil voltaria a importar petróleo.

Não há garantia, porém, de que a perfuração encontrará petróleo na região — algo que o NS-42 poderá confirmar após autorização do Ibama.

“A Margem Equatorial é considerada a joia da nova fronteira brasileira de exploração muito em função do grande desempenho das petroleiras que atuaram na região da Margem Equatorial dos países vizinhos”, afirma João Victor Marques, da FGV Energia, acadêmico e especialista no mercado de petróleo.

A Guiana chegou a 11 bilhões de barris em reservas provadas pela Exxon, que deve produzir quase 1 milhão de barris por dia até 2027. A semelhança geológica com Suriname e Guiana explica o otimismo.

Segundo estudo da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE),  o bloco 59 tem potencial estimado de 5,6 bilhões de barris — acréscimo de 37% às reservas brasileiras, hoje em 15 bilhões. É o maior volume da Margem Equatorial, que inclui cinco bacias e 42 blocos, com reservas que podem ultrapassar mais de 10 bilhões de barris.

A Petrobras prevê perfurar 19 blocos na Margem Equatorial, sendo 10 na Bacia da Foz do Amazonas, conforme resultado de leilão da ANP em junho.

“A pressão para liberar a exploração da Margem Equatorial é grande, a garantia dessa penúltima fase do licenciamento do bloco 59 dada pelo Ibama ampliou atratividade do leilão realizado pela ANP”, diz Marques.

No 5º Ciclo da Oferta Permanente, Petrobras e Exxon arremataram dez blocos sem concorrência. Chevron e CNPC levaram nove após vencerem disputa contra Petrobras/ExxonMobil em sete áreas. Juntas, pagaram R$ 845 milhões em bônus de assinatura.

Ainda no papel

O otimismo é compartilhado por Telmo Ghiorzi, presidente-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo (Abespetro), que representa mais de 50 empresas do setor.

“Estamos falando de perfurar um bloco, o 59, um dos vários que existem na Bacia do Foz do Amazonas. Se encontrar petróleo, aumentam os indícios de que outras áreas também terão”, diz ele. “E se sair a licença ambiental deste primeiro bloco, a tendência de outros blocos também receberem autorização é grande.”

Ghiorzi alerta que tudo ainda está no papel: “A Exxon ficou 30 anos perfurando na Guiana sem achar nada. O Brasil já perfurou na Bacia da Foz do Amazonas também sem resultado – perfurou raso ou no lugar que não era o ideal.”

O NeoFeed procurou dez empresas do setor de apoio à exploração de petróleo para falar das perspectivas na Margem Equatorial. Nenhuma quis dar entrevista, algumas alegando falta de agenda de executivos ou ausência de planos — sinal de que preferem uma liberação do Ibama antes de fazer anúncios.

Veículos especializados, porém, detectaram movimentações mirando a Margem Equatorial. A Modec, produtora de plataformas presente no País há mais de 20 anos, estaria em diálogo com a Petrobras sobre novas FPSOs adaptadas à região.

Bacia da Foz do Amazonas, uma das cinco da Margem Equatorial brasileira

Navio-plataforma FPSO, da Petrobras

Árvore de natal molhada, estrutura de 100 toneladas

A Onesubsea - que comprou integralmente as operações de subsea da Aker Solutions Brasil, que produzia árvores de natal molhadas em Curitiba - tem ampliado sua capacidade de produção para águas ultraprofundas. A Bravante, especializada em logística offshore, estaria reposicionando parte da frota para o Norte e Nordeste e firmando acordos com estaleiros locais para adaptação de embarcações às exigências ambientais.

O mesmo movimento foi feito pela Wilson Sons, especializada em logística portuária, que expandiu sua infraestrutura em Belém e Itaqui, antecipando a demanda por apoio marítimo e rebocadores na região.

Tensão ambiental

A demora para a liberação da exploração na Margem Equatorial pelo Ibama é justificada pelo risco ao ecossistema local. Na Bacia da Foz do Amazonas está a maior área contínua de manguezais do mundo.

Um dos maiores estudos de impacto ambiental foi conduzido pela Greenpeace Brasil e o IPEA, durante expedição ao litoral do Amapá, em 2024. Foram feitas simulações de vazamentos com boias oceanográficas monitoradas em tempo real. Segundo ambientalistas, um acidente poderia atingir centenas de quilômetros de costa no Amapá e países vizinhos, afetando recifes, manguezais, vida marinha e comunidades tradicionais.

A Petrobras contesta a conclusão do estudo, alegando que o óleo se deslocaria para áreas oceânicas internacionais, longe do litoral brasileiro. Mais recentemente, de forma pragmática, a estatal passou a seguir o roteiro exigido pelo Ibama.

Em nota, a estatal esclarece que, este mês, o órgão vistoriou recursos previstos no Plano de Emergência Individual e no Plano de Proteção à Fauna, incluindo embarcações e centros de atendimento em Belém e Oiapoque. Segundo a Petrobras, tudo foi avaliado positivamente, e a empresa aguarda a Avaliação Pré-Operacional (APO), uma simulação de vazamento que representa a última etapa do processo.

John Jamis Loomis, professor de ESG da FGV, observa que a legislação ambiental não mudou desde 2013, quando surgiu a primeira concessão da Margem Equatorial, mas a pressão política aumentou após a descoberta de petróleo na Guiana.

Ele acredita que o governo deve esperar a COP 30 para autorizar a exploração. “O Brasil tentará se posicionar como líder ambiental e impulsionar o financiamento climático, principal prioridade, por isso deve esperar a atenção internacional estar fora do Brasil”, diz.

Loomis considera baixa a probabilidade de acidente, mas alerta para os desafios geológicos (formação menos estável) e a biodiversidade da Margem Equatorial, maior que a do litoral do pré-sal. Os riscos em plataformas offshore, longe da costa, são maiores pela dificuldade de resposta rápida.

Ele cita o desastre da BP no Golfo do México, em 2010 — que levou meses para ser contido e mais de uma década para mitigar impactos —, como exemplo de como uma probabilidade baixa pode gerar uma tragédia ambiental.

Para Loomis, a reforma da Lei de Licenciamento Ambiental, recém-aprovada pelo Congresso, também preocupa. A nova lei cria uma licença especial para projetos estratégicos, como a Margem Equatorial, com análise simplificada e prazo máximo de 12 meses.

“A lentidão do licenciamento, que gerou a reforma, está ligada à falta de recursos humanos e tecnológicos nos órgãos ambientais, como o Ibama, e não apenas à burocracia”, diz. Segundo ele, isso gera um “ciclo cínico”: cortam-se recursos, o processo fica ineficiente e essa ineficiência vira justificativa para cortar ainda mais.

Os custos da exploração

Já o setor de óleo e gás aguarda com ansiedade a aprovação do Ibama. Ghiorzi, da Abespetro, compara o momento atual ao da descoberta do pré-sal, em 2006, após dois anos de pesquisas.

“Ao confirmar a existência de petróleo na Margem Equatorial, a incerteza geológica vai embora”, diz. “Depois que achou, todos topam pagar US$ 4 bilhões numa plataforma de exploração.”

O processo de exploração pode levar mais de uma década: dois anos para confirmar viabilidade e até outros oito para montar infraestrutura. A vida útil de uma exploração offshore dura de 35 a 40 anos. O custo para descobrir a viabilidade de um poço varia entre US$ 2 e US$ 3 por barril. Se forem confirmadas reservas de 10 bilhões de barris, por exemplo, seriam necessários pelo menos US$ 20 bilhões nessa fase inicial.

Os altos custos se devem à tecnologia embarcada. O segmento mais demandado inicialmente são os navios-sonda, como o NS-42 — há cerca de 120 no mundo, 33 no Brasil. “Se essa sonda encontrar indício de petróleo, devem vir mais outras dez para perfurar no entorno do poço, e o contrato de afretamento gira em torno de US$ 300 mil a US$ 400 mil por dia por cada sonda”, explica Ghiorzi.

Entre as empresas do setor estão Constellation (ex-Grupo Queiroz Galvão), Seadrill, Transocean, Valaris e a brasileira Foresea (ex-Ocyan).

A infraestrutura inclui base em terra, hotéis, armazéns, barcos e helicópteros. Após a declaração de comercialidade à ANP, tem início nova fase: o bloco muda de nome para um animal da fauna marinha brasileira e começa a construção da plataforma de exploração, conhecida como FPSO, que perfura a 4 mil metros de profundidade.

Uma FPSO pode ter até 20 poços associados, elevando o custo para US$ 10 por barril. As plataformas são os ativos mais caros: demoram três anos para serem instaladas e podem ser alugadas (US$ 1 milhão/dia) ou compradas (cerca de US$ 4 bilhões). Entre os fornecedores estão SBM (Holanda), Modec (Japão) e Ocean.

A infraestrutura submarina que acompanha a plataforma é gigantesca. Um dos principais equipamentos é a árvore de natal molhada, estrutura submarina de até 10 metros de altura e 100 toneladas que controla o fluxo de petróleo, gás, areia e enxofre vindo da cabeça do poço.

Cada poço tem sua própria árvore de natal, conectada à FPSO por tubos flexíveis submarinos ultrassofisticados. Cada unidade custa entre US$ 5 milhões e US$ 15 milhões. Apenas cinco países fabricam esse equipamento, o Brasil entre eles, com fábricas em Taubaté (SP), Curitiba e Rio de Janeiro. Unidades nacionais já exportaram 150 unidades para a Guiana.

Na fase de produção plena, o custo operacional gira em torno de US$ 8 por barril, incluindo estrutura, pessoal, equipamentos e royalties, segundo a Abespetro. Somando as três etapas, o custo total sobe para US$ 18 por barril.

“O preço de venda precisa estar acima de US$ 35 para valer a pena, o chamado breakeven”, afirma o dirigente. No mercado internacional, o petróleo é negociado a cerca de US$ 70 por barril.

Como a exploração exige conteúdo nacional, Ghiorzi destaca que árvores de natal molhadas, barcos de apoio, tubos e outros equipamentos submarinos fabricados no Brasil devem ter forte demanda na Margem Equatorial.

“O Brasil avançou em mão de obra especializada e em equipamentos, mas pouco na fabricação de navios-sonda ou plataformas. Ainda assim, a exploração da Margem Equatorial deve abrir 150 mil empregos no Norte e Nordeste”, prevê.