“Não sou preta nem branca, sou considerada brown aqui nos Estados Unidos. É como eles chamam os latinos. E o ataque às pessoas marrons tem sido amedrontador”, diz a cantora e compositora Luciana Souza, em entrevista por Zoom ao NeoFeed, antes de embarcar para o Brasil.

Com um histórico que vai do clássico ao jazz, da bossa nova ao pop, ela se apresenta na próxima terça-feira, 29 de julho, no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, acompanhada pela NYO Jazz — Orquestra Nacional Juvenil de Jazz dos Estados Unidos, um projeto do lendário Carnegie Hall. O maestro será o trompetista Sean Jones.

Luciana tem 59 anos, já foi indicada oito vezes para o Grammy e saiu vencedora em 2007 na categoria de melhor álbum latino. Filha de músicos, paulistana, mudou-se para os Estados Unidos aos 18 anos para estudar no Berklee College of Music, em Boston, uma das escolas mais prestigiadas do mundo. Não voltou mais.

Hoje vive em Los Angeles, é naturalizada americana e casada com o produtor musical Larry Klein, com quem tem um filho.

Seu nome é pouco conhecido no Brasil fora do meio musical, onde ela é uma referência. Nos Estados Unidos, já se apresentou e gravou com o pianista Herbie Hancock, com o cantor e maestro Bobby McFerrin, e com expoentes da música pop, como Paul Simon e James Taylor.

Ao comentar que é pouco conhecida no Brasil, ela ri.  “Na verdade, sou muito desconhecida. Tenho uma grande reputação entre os músicos de jazz... Não quero chamar de elitista, mas não sou uma pessoa pública…”, diz.  “Não sei se isso é bom ou ruim, é o que me aconteceu.”

Luciana conta que não é voltada para a vida social nem para os eventos: “Vou a um show, vou ver meus amigos, dou aula, cultivo minhas relações”. Além da música, o que gosta mesmo é de ficar em casa com o marido e filho, de cozinhar e receber os amigos.

“Faço shows e adoro cantar ao vivo. Mas a exposição não combina com minha personalidade. Preciso ter Instagram. Preciso. Mas eu não gosto.”

No Brasil, ela não canta desde o início de 2024, quando se apresentou no Sesc com o Trio Corrente, também um grupo de jazz com destaque no cenário nacional. Mas as visitas ao País são constantes. Há poucos meses, a família alugou uma casa na praia em Ubatuba, no litoral paulista. “Dessa vez fui só passear”, lembra.

Música desde sempre

A música entrou muito cedo na família. O pai, o baiano Walter Santos, era amigo de infância de João Gilberto, em Juazeiro. “Quando o João foi para o Rio, ele chamou meu pai, que participou na gravação de Chega de Saudade com Elizete Cardoso. No coro estão as vozes do Jobim, do João e do meu pai”, conta.

Foi nesse ambiente, sempre cercada por músicos, que ela cresceu. Os pais compunham música para publicidade, para rádio e televisão.

O caminho natural foi fazer um bacharelado em jazz composition. “Virei uma cantora de jazz, mas canto muito música brasileira, música contemporânea que não tem letra, em espanhol ou que língua for. Trabalho com vários estilos há muito tempo”.

Em São Paulo, a cantora e compositora será regida pelo trompetista Sean Jones (Foto: Divulgação)

No Cultura Artística, Luciana será acompanhada pela NYO Jazz — Orquestra Nacional Juvenil de Jazz dos Estados Unidos (Foto: Divulgação)

Em São Paulo, Luciana viveu entre Higienópolis, Pinheiros e Vila Madalena. Seu padrinho é Hermeto Pascoal. Os pais tinham um selo de disco chamado “Som da Gente”. “Durante anos, eles lançaram muitos discos de músicos instrumentais e eu cresci com essa ideia do jazz instrumental na cabeça”, diz.

Mas, além da música, havia a política. A família era progressista, contra a ditadura militar, e hoje ela se preocupa muito com a ameaça à democracia que existe nos Estados Unidos.

“É muito triste viver aqui num momento em que você vê a democracia acabar. Quando o governo nega a Constituição, os direitos humanos e trata os latinos como animais. É uma coisa assustadora para nós que vivemos num estado militar no Brasil e sabemos o que isso é.”

“Suave, friamente sensual e penetrante”

Em termos de influências na música brasileira, ela cita João Gilberto, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mas, acima de tudo, se declara “jobiniana” da cabeça aos pés — “Canto muito Jobim, gravo Jobim, faço questão”.

Entre as cantoras, fala de Gal Costa, Leny Andrade e Joyce. Já entre as norte-americanas, faz uma declaração de amor à grande diva Ella Fitzgerald e à Carmen McRae, que também chegou a se apresentar no Brasil.

Outra grande influência na sua formação foi o trompetista e cantor Chet Baker, conhecido tanto por seu talento vertiginoso como pelo abuso de drogas.

“Ele teve um significado profundo na minha vida porque ele faz uma conexão entre o jazz tradicional e improvisado e a música brasileira, porque a bossa nova bebeu muito do jazz”, explica. “E ele encontra o João Gilberto num casamento perfeito naquela maneira de cantar que é mais contida, mais sutil, digamos assim.”

Essa também é a maneira de Luciana cantar, que o jornal The New York Times definiu como “suave, friamente sensual e penetrante”. No show de São Paulo, ela vai interpretar apenas músicas brasileiras e em português.