Desde que o presidente americano Donald Trump anunciou sua política tarifária, em abril, uma polêmica começou a ganhar corpo entre os setores de varejo e da indústria dos Estados Unidos que importam produtos ou insumos do exterior: quem vai pagar a conta das tarifas elevadas?

Um relatório do Deutsche Bank divulgado esta semana, reforçado pelos resultados de balanço do segundo trimestre de multinacionais dos EUA, indica que nem os consumidores americanos nem as empresas exportadoras de países estrangeiros assumiram o ônus tarifário.

Pelo menos por enquanto, empresas americanas - da General Motors e Nike ao varejo local - estão absorvendo grande parte dos custos com o aumento de taxas de importação, à espera de uma definição mais clara da política tarifária, marcada por avanços e recuos, antes de partir para um eventual repasse das tarifas para os preços – o que deve alimentar a inflação.

Há vários sinais que reforçam essa tendência. O índice de preços de importação, que monitora o que os importadores pagam por muitos produtos produzidos no exterior antes da cobrança de tarifas, manteve-se estável nos últimos meses, sinal de que os fornecedores estrangeiros não estão reduzindo amplamente seus preços para compensar os custos para seus clientes nos EUA.

Além disso, muitas grandes empresas hesitam em vincular os aumentos de preços diretamente às tarifas, com medo de atrair a ira de Trump. Dias depois de o Walmart anunciar que alguns preços aumentariam em maio, Trump postou em sua rede social que o Walmart e a China deveriam "comer as tarifas", e não aumentar os preços.

O relatório do Deutsche Bank confirmou que os importadores dos EUA estão arcando com o custo tarifário. Os analistas do banco examinaram os preços de importação de produtos manufaturados dos EUA durante o segundo trimestre, quando as tarifas foram implementadas.

“Se os estrangeiros estivessem pagando pelas tarifas, esperaríamos ver uma redução acentuada no preço dos produtos importados, à medida que eles os absorvessem em suas próprias margens”, diz o relatório. Em vez disso, os dados mostram apenas “reduções leves de preços”, principalmente de produtos exportados pelo Canadá e, em menor grau, pelo Reino Unido.

No caso da China, onde as tarifas médias aumentaram mais de 30%, os preços de importação em dólares caíram apenas 1%. “Por enquanto, as evidências macroeconômicas de cima para baixo parecem claras: os americanos estão pagando pelas tarifas”, enfatiza o relatório.

O Deutsche Bank tirou três conclusões: primeiro, os exportadores no exterior "ainda não estão sentindo muito impacto das tarifas", o que pode fortalecer seu poder de barganha antes do prazo comercial de 1º de agosto.

Em segundo lugar, pode haver “mais pressão sobre os preços ao consumidor nos EUA em preparação”. Em terceiro lugar, como o custo econômico está caindo mais pesadamente sobre os EUA, a situação adiciona “um valor negativo adicional em dólar” à perspectiva macroeconômica mais ampla.

Reação da Casa Branca

Kush Desai, porta-voz da Casa Branca, criticou o relatório do Deutsche Bank, apontando para uma análise do governo que seria a prova de que os preços dos produtos importados caíram neste ano, apesar das tarifas.

“O governo tem consistentemente afirmado que o custo das tarifas será suportado pelos exportadores estrangeiros que dependem do acesso à economia americana, o maior e melhor mercado consumidor do mundo”, afirma Desai.

Segundo ele, o Conselho de Assessores Econômicos (CEA) de Trump descobriu que os preços de produtos importados caíram este ano e diminuíram mais rápido do que os preços gerais de produtos desde fevereiro— um padrão que, segundo o CEA, se aplica a produtos básicos, duráveis e não duráveis.

De dezembro de 2024 a maio de 2025, os preços gerais dos produtos do Índice de Preços de Gastos com Consumo Pessoal (PCE, na sigla em inglês) aumentaram 0,4% (com ritmo anualizado de 1%), enquanto o componente importado caiu 0,1%, de acordo com dados da CEA.

A análise da Casa Branca conclui que as tarifas “não são uma consideração de primeira ordem para a inflação” e “não reduziram o impulso desinflacionário dos produtos importados” até maio.

O fato é que o custo das tarifas começou a impactar nos resultados do segundo trimestre das grandes empresas americanas.

A General Motors informou esta semana que pagou mais de US$ 1 bilhão em tarifas sobre importações de automóveis no segundo trimestre. A empresa ainda não implementou aumentos de preços em larga escala em resposta às tarifas, mas não descartou tomar essa medida em breve.

A Nike admitiu no mês passado que as tarifas reduziriam o lucro da empresa em cerca de US$ 1 bilhão neste ano fiscal, com a maior parte do impacto ocorrendo no primeiro semestre, antes que as medidas de mitigação – leia-se, aumento de preços - entrem em vigor.

Outras multinacionais, como Texas Instruments , ASM International, AMD e Best Buy — empresas vulneráveis a tarifas devido à sua dependência de commodities essenciais, como aço, alumínio e semicondutores — citaram as tarifas como uma das razões por trás do enfraquecimento da demanda e dos lucros menores .

Enquanto isso, os últimos números de inflação indicam que os consumidores estão começando a sentir o impacto das tarifas.

A inflação geral subiu 2,7% em junho, em relação ao mesmo período do ano passado, ante 2,4% em maio. Os preços subiram 0,3% em relação ao mês anterior — o maior ganho mensal desde janeiro, após um aumento de 0,1% em maio.

O possível impacto das tarifas na inflação tem sido o principal motivo para o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, adiar o início do corte das taxas de juros, apesar das pressões de Trump.