Uma postagem na rede social X do economista Mohamed El-Erian, um dos nomes mais respeitados no mercado de títulos, na terça-feira, 22 de julho, surpreendeu analistas e ampliou a crise entre o presidente Donald Trump e Jerome Powell, o presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA – sob intensa pressão da Casa Branca para baixar os juros.
Sem meias palavras, El-Erian sugeriu que Powell deveria deixar o cargo para proteger a independência do Fed.
“Se o objetivo do presidente Powell é salvaguardar a autonomia operacional do Fed (que considero vital), então ele deveria renunciar”, postou El-Erian, presidente do Queens' College, da Universidade de Cambridge, e conselheiro econômico-chefe da Allianz, controladora corporativa da PIMCO, onde foi CEO e codiretor de investimentos.
El-Erian reconheceu que essa não é a visão consensual, que favorece a permanência de Powell até o final de seu mandato. Nem é o melhor resultado possível, o que segundo ele é “simplesmente inatingível”.
“No entanto, é melhor do que está acontecendo agora – ameaças crescentes e crescentes à independência do Fed, que, sem dúvida, aumentarão caso ele permaneça no cargo", acrescentou o economista na rede social.
Autoridades do Fed defenderam a suspensão dos cortes de juros devido à incerteza quanto ao efeito das tarifas sobre os preços e ao fato de a inflação ainda não ter atingido a meta de 2% (em junho, foi de 2,7% na base anual). O Fed espera que as tarifas criem pressão ascendente sobre a inflação.
A demora do órgão em baixar os juros levou a Casa Branca a abrir uma campanha para tirar Powell do cargo. Além de insultos pessoais e à ameaça de antecipar a nomeação do substituto do presidente do BC americano, cujo mandato vai até maio de 2026, Trump passou a usar uma reforma bilionária da sede do Fed, em Washington, para colocar em dúvida a idoneidade de Powell – indicado pelo próprio Trump ao cargo, em 2017, e reconduzido depois pelo então presidente Joe Biden, em 2022.
Independência sob risco
Por trás da pressão da Casa Branca há muita tensão quanto ao risco de o Fed perder a independência em conduzir a política monetária dos EUA sob um presidente aliado a Trump. Na prática, essa mudança poderia remodelar o que tem sido a base dos ativos financeiros dos EUA por décadas— um banco central distante da rotina política.
El -Erian, porém, ignorou o risco de Trump jogar por terra a independência do Fed. "Quanto à reação do mercado, a maioria dos candidatos frequentemente mencionados para substituir o presidente Powell seriam capazes de acalmar qualquer potencial nervosismo do mercado", postou o economista.
Em entrevista posterior ao portal Axios, El-Erian admitiu que essa é uma circunstância incomum, já que o mandato de Powell como presidente expira em maio do ano que vem e seu substituto será anunciado até o final deste ano, o que o torna um "pato manco" de qualquer maneira.
Embora o melhor cenário seja que Powell permaneça e não haja ataques ao Fed, El-Erian disse que isso "não vai acontecer". Na entrevista ao portal, o economista americano de ascendência egípcia surpreendeu ao fazer duras críticas ao atual presidente do Fed.
“Se Powell fosse CEO de uma empresa, teria perdido o emprego, dados os erros de política e um escândalo sob sua liderança”, disparou El-Erian, acrescentando que o presidente do Fed acreditava que a inflação seria transitória, o que fez com que o banco central americano demorasse mais para aumentar as taxas de juros em 2022.
Para reforçar seu argumento pela saída de Powell, El-Erian traçou o cenário no curto prazo. “Se as ameaças à independência do Fed continuarem, isso resultará em um dólar mais fraco e uma curva de rendimento mais íngreme, com taxas de juros de mercado mais altas” advertiu.
Outros analistas fizeram previsões do que aconteceria no Fed após a demissão de Powell: um período de profunda incerteza sobre quem estaria no comando do banco central mais poderoso do mundo.
Presumivelmente, o vice-presidente Philip Jefferson — pouco conhecido pelos mercados financeiros — lideraria temporariamente o Conselho de Governadores, enquanto o presidente do Fed de Nova York, John Williams, lideraria o Comitê Federal de Mercado Aberto, responsável pela definição de políticas. Por tradição, o chefe do Fed de Nova York é o vice-presidente do comitê.
A volatilidade de curto prazo é dada como certa. A questão mais importante que os analistas estão ponderando é como os mercados poderiam precificar um novo regime monetário sob controle mais direto da Casa Branca.
Neste aspecto, a tendência é, na prática, a confirmação do prognóstico de El-Erian para o curto prazo. Uma grande possibilidade é que um novo presidente do Fed alinhado aos desejos de Trump de cortar as taxas de juros de curto prazo possa acabar gerando uma curva de rendimento muito mais íngreme — taxas de curto prazo mais baixas combinadas com taxas de longo prazo mais altas.
A ponta longa da curva de rendimentos dos títulos do Tesouro é motivo de preocupação. “Já temos um déficit fiscal elevado e potencial para pressões de preços ao consumidor decorrentes de tarifas com as quais se preocupar", escreveram Padhraic Garvey, Francesco Pesole e Chris Turner, do ING, consultoria de serviços financeiros.
Segundo eles, adicionar taxas iniciais que são indiscutivelmente baixas demais para a economia corre o risco de prolongar a inflação mais alta, caindo no cenário de rendimentos iniciais mais baixos e rendimentos de longo prazo mais altos.
“Isso geraria uma fuga do dólar americano em direção ao euro, ao iene japonês e ao franco suíço”, advertiram os analistas do ING.
Independentemente de quem ocupar a vaga de Powell, caso a intervenção da Casa Branca no BC americano se confirme, Trump dá mais um passo para tornar os EUA cada vez mais parecidos com um país do Terceiro Mundo.