Desde 2022, os fundos multimercados acumulam saídas líquidas de mais de R$ 850 bilhões. Somente nos últimos 12 meses, os resgates somaram mais de R$ 374 bilhões. Mas, em meio às incertezas do cenário macroeconômico nacional e internacional, os gestores voltaram a conseguir bons resultados.

Neste primeiro semestre, o Índice de Hedge Funds Anbima (IHFA) rendeu 8,4% ante 6,4% do CDI. Nos últimos 12 meses até junho, o retorno é de 13% do indicador contra 11,7% do benchmark.

Mesmo pequena, essa não deixa de ser uma reação dos gestores. Em uma janela maior, de 24 meses, eles estão abaixo do IFHA: renderam 20,3% contra 24,7% do CDI. E em três anos apenas 34,8% contra 41,6% do benchmark.

“A indústria voltou a bater o CDI, mas a janela de dois e três anos ainda é muito ruim”, afirma Sylvio Castro, diretor de global solutions e fund of funds do Itaú Unibanco.

“Mas, historicamente, a classe cumpriu um papel muito importante de diversificação nas carteiras. E olhando para frente parece uma virada, pois esses gestores são imbatíveis em capturar movimentos globais ou locais, é só preciso ter uma tendência”, complementa.

Para ele, depois de muito tempo de um mercado sem tendência, andando em ‘zigue-zague’ (o que é o pior cenário para esse tipo de estratégia), os gestores conseguiram capturar as tendências que apareceram mesmo em meio à instabilidade.

Recentemente, em abril deste ano, a classe de multimercados teve um dos seus melhores momentos históricos, conseguindo 4% de alta no mês, o equivalente a 378% do CDI. Mérito por terem se posicionado muito rapidamente ao “Liberation Day” - algo que mostrou que os gestores podem ir além do 'Kit Brasil'.

“Houve um grande choque, ninguém esperava por isso daquela forma, e eles foram rápidos. Uns ficaram vendidos em dólar, outros no S&P 500 e outros comprados em Brasil como um dos emergentes que se beneficiariam”, afirma Pedro Bumlai, sócio responsável pela área de Produtos da WHG, que recomenda 15% de alocação na classe estruturalmente.

“Esse trade foi emblemático para mostrar como os multimercados podem ser assertivos em posições globais”, complementa.

Outro exemplo aconteceu no segundo semestre do ano passado. Havia a hipótese de que os Estados Unidos fortaleceriam ativos locais com um fiscal expansionista e a desregulamentação.

Os gestores alocaram um pouco de risco nessa tese e, à medida que ela se confirmava, foram ampliando as posições. Quando todo o mercado passou a acreditar na mesma direção, os multimercados já estavam bem posicionados, embolsaram o resultado e começaram a reduzir as posições.

O dia depois de ontem

A grande questão é se, agora, os multimercados conseguem reconquistar investidores com esses resultados. E para a maioria dos especialistas em fundos, a sangria pode estar muito perto do fim ou mesmo ter terminado, mas captações positivas ainda dependem de janelas positivas mais longas e de uma acomodação da taxa de juros.

“Os investidores ainda estão correndo atrás do crédito privado, mesmo que com os spreads mais comprimidos”, diz Fernando Donnay, sócio e gestor de portfólio da G5 Partners.

“Isso só deve mudar realmente com a queda de juros, mas nós acreditamos em uma alocação mais estrutural”, complementa Donnay - a casa recomenda 10% de alocação sempre na classe.

O Itaú recomendou um aumento na alocação para em torno de 20% em multimercados há cerca de um ano. E, neste momento, tem obtido o resultado dessa estratégia.

Segundo o banco, os multimercados foram a classe que mais adicionou retorno nos últimos 15 anos, apesar de apenas ter superado os demais ativos em ano calendário uma vez, em uma análise de performance desde 2011. Por esse motivo, devem estar sempre na carteira do investidor.

Há, porém, uma ressalva. São poucos os gestores que de fato vão conseguir retornos consistentes ao longo do tempo. Na pandemia de Covid-19, a indústria inchou e agora vive um processo natural de consolidação, com os recursos concentrando-se em poucas casas capazes de atrair e reter talentos, investir em tecnologia e manter a consistência de geração de alfa.

“A classe vai se manter, mas talvez muito aquém do tamanho que tinha em 2021 e 2022. Alfa é uma commodity escassa, e os bons gestores são raros, mas estão cada vez mais preparados. Certamente essa crise vai selecionar quem realmente fica no mercado”, afirma Castro.

Segundo dados da Anbima, a indústria de multimercados tem hoje R$ 1,484 trilhão sob gestão, 9% a menos em termos nominais do que em dezembro de 2022.

Separando o joio do trigo

Na opinião dos especialistas, os tempos de bonança com juros baixos permitiram que gestores medianos conseguissem captar muito entregando alguma performance. O problema é que o desempenho ruim dos multimercados penaliza a recuperação: mesmo quem entregar boa rentabilidade pode sofrer para captar à altura, pois os investidores vão exigir bem mais.

“Esse é o momento de escolher os gestores certos, que realmente tem capacidade para seguir investindo no business, e não estão com a corda no pescoço, e vão entregar retornos acima da indústria”, afirma Bumlai.

Um estudo da consultoria Elos Ayta a pedido do NeoFeed, mostra como a seleção pode ser determinante para conseguir resultados. Analisando fundos multimercados não exclusivos com ao menos mil cotistas, 62% superaram o CDI em 12 meses. No entanto, 10% deles não conseguiram nem 50% do índice. E apenas 8% obtiveram retornos acima de 200% do CDI.

A recomendação dos especialistas para conseguir extrair o melhor da indústria é criar uma carteira de fundos multimercados com entre cinco a 10 nomes e que tenham estratégia de investimentos complementares, para que seja uma diversificação de risco entre eles.

Assim, pode-se combinar gestores que tomam mais risco internacional, outros em Brasil, outros mais em moedas e outros long-short, por exemplo.

“Escolher uma carteira de multimercados no olhômetro é a receita para pagar caro por um alfa que talvez você não tenha”, diz Castro, do Itaú Unibanco.

Como essa escolha é difícil para o investidor, os fundos de fundos oferecem a solução. O Orion Íon Seleção do Itaú, por exemplo, tem retorno de 15,6% nos últimos 12 meses com uma carteira formada pelas gestoras Capstone, SPX, Legacy, Kapitalo, Itaú Multimesas, Fundamenta e Genoa.

Outro fund of fund é o WHG Investment Focus, cujas principais apostas são responsáveis por 65% da carteira. Nela estão Genoa, Absolute, Kapitalo e Legacy. O retorno em 12 meses foi de 18,8%.

No G5 Allocation, o retorno foi de 21,3% com a seleção dos fundos Capstone Macro, SPX Hornet, Genoa Capital Vestas e SPX Raptor representando 80% do fundo, em uma aposta mais concentrada em risco.

“Estamos priorizando gestores menores e mais táticos, e fundos menores que tomam mais risco, que realmente consigam gerar alpha. E estamos muito felizes com essa estratégia. Está mostrando que aquela cultura de fundos gigantes multimercados é um limitador de alpha”, diz Donnay.

Esses são exemplos de diversificação das seleções de assets. A Genoa tem buscado posições em mercados emergentes, assim como a Kapitalo, que em carta recente afirma começar a ver boa simetria de risco na Colômbia. Já Legacy e Absolute olham mais oportunidades no mundo desenvolvido em relação ao Brasil.

Os especialistas explicam que a seleção dos gestores deve levar em consideração mais a análise qualitativa de quem é a gestora e o que ela está fazendo do que quantitativa, que só pode ser feita com base nos resultados passados.

Afinal, retorno passado não é garantia de rentabilidade futura. A seleção deles se deve a acompanhar os reforços para a equipe, capacidade de reter talentos e o investimento no negócio. E, no momento, poucas estão conseguindo fazer isso.

“Essa foi sem dúvida a crise mais longeva da indústria, machucou muito o investidor. Agora é preciso apostar nas gestoras que estão abrindo mão do resultado financeiro no curto prazo para ter um business mais forte no futuro. Sem dúvida, a indústria será outra depois disso”, afirma Bumlai.