Brasília - O deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP) é um dos mais influentes e experientes políticos do Congresso. Líder da Maioria na Câmara, onde já foi presidente, está no mandato desde 1995 a partir de reeleições. Em entrevista ao NeoFeed, ele avalia a atual ameaça do tarifaço pelos Estados Unidos como uma ação de Donald Trump com um único objetivo: dinheiro.
“É difícil acreditar que Trump orientaria o tarifaço por causa de Bolsonaro. É dinheiro”, disse Chinaglia, que critica a atuação do ex-presidente e do filho do deputado, Eduardo Bolsonaro. “Os dois abdicam da soberania do Brasil para apoiar os EUA”, afirmou.
Chinaglia critica também os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e de Goiás, Ronaldo Caiado, que, em entrevista ao NeoFeed, disse que não ficaria esperando Lula descer do palanque para negociar incentivos às empresas goianas.
“Quem não desce do palanque são aqueles que querem culpar as vítimas dos ataques dos EUA”, afirmou Chinaglia.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como o senhor avalia a ação da família Bolsonaro nos EUA?
Primeiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse que aplaudia a coragem do presidente Trump. Segundo, Eduardo Bolsonaro disse que se o Brasil fizer a anistia, tudo será resolvido. Diante de uma atitude dessas, onde o presidente norte-americano anuncia um tarifaço de 50% sobre as exportações brasileiras, é algo absolutamente chocante. Um ex-presidente e um deputado federal ficam a favor de uma potência como é os EUA, abdicando totalmente da soberania nacional, da defesa do Brasil frente a um ataque norte-americano.
Como o senhor avalia as tarifas de 50% de Trump?
Não há outra definição: é um ataque. Trump mente de várias maneiras. Uma é aquela que os EUA estão tomando prejuízo com o Brasil. Não é verdade. O superávit comercial é a favor deles. Segundo, que aqui tem uma ditadura judicial. Quando algo contraria Bolsonaro e seus aliados mais radicais, eles gostam de posar de vítima. Tem coisas, eu diria, inacreditáveis, além de serem inaceitáveis. É a prova que Bolsonaro não tem nenhuma preocupação de fato com os interesses do país e do povo brasileiro.
"A questão central não é o Bolsonaro, a questão central são os interesses norte-americanos, que não respeitam ninguém. É dinheiro"
O senhor vê alguma solução na negociação?
Veja os casos dos governadores Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado. Tarcísio foi mais longe. Ele primeiro procurou o secretário de negócios norte-americano para tentar negociar. Segundo ele fez crer, estava preocupado dizendo que tinha acabado com narrativa e fazer o seu trabalho e culpava o governo federal. Bom, ele sai dessa reunião de bico calado. Ele não contou para ninguém o que foi tratado e o resultado. Então, significa que ele não tem coisa boa para relatar. O Tarcísio procura o STF para autorizar o Bolsonaro a ir lá e negociar pelo Brasil, que ele resolveria a crise. Bom, o Tarcísio, que muita gente o imaginava com maior qualificação, mas nessa tentativa ele se desmoralizou, porque ele negou o óbvio, como o Caiado também está negando. Quantos países foram taxados pelos Estados Unidos? África do Sul, Alemanha, Angola, Áustria, Bangladesh, por aí. Trump está ameaçando os BRICS, China, Canadá, México, ou seja, são dezenas de países que estão sendo taxados. Eu diria que eles querem culpar as vítimas.
Mas o governo está conseguindo reagir e evitar o tarifaço?
Acredito que o Brasil tem que atuar e está atuando com o Itamaraty, buscando o acordo. O Brasil está tentando reverter, mas não a ponto de perder a soberania. Então, a oposição está defendendo no limite a intervenção de país estrangeiro, passando também pelo Judiciário. O Trump chegou a taxar a China por 120% em 125%. A China respondeu o seguinte: "Nós estamos preparados para qualquer guerra". Tem um interesse econômico dos Estados Unidos, que não gostam de ver os países independentes atuarem com independência. Eu acho que isso está muito mais próximo da verdade para o Trump do que o Trump de fato acreditar que aqui tem uma ditadura judicial aqui. Ele sabe que não tem. Ele incorpora o discurso da extrema direita daqui.
O senhor considera legítimo o movimento de governadores em buscar saídas para as empresas dos estados?
O governo federal está colocando Itamaraty, tem feito reuniões com empresários, é, no intuito, de que todo mundo contribua. Os governadores têm legitimidade, foram eleitos. É obrigação deles tentar proteger a economia e as economias estaduais. O que eu não acredito tanto é na eficácia, porque eles não comandam essa negociação maior. Agora, eu acho que é válido se reunirem e buscarem um entendimento, inclusive, com o governo federal, porque eles não conseguem falar em nome do Brasil.
Mas o governo não deveria ter buscado um entendimento com os EUA antes da escalada da crise?
Olha, é difícil acreditar que o Trump orientaria as ações de tarifaço por algo que Jair Bolsonaro ou Eduardo Bolsonaro viesse a falar. Isso aí para mim é uma ilusão. A prova disto é que não é o Brasil o único país a ser taxado. A União Europeia está sendo taxada, o Canadá está sendo taxado, o México está sendo taxado. Então, é uma política do governo Trump. Bom, se a gente fosse cobrar do governo brasileiro o que que dava para ter sido feito, nós podemos cobrar de todo mundo. Mas eu acho que a equação está com a seta no sentido inverso da verdadeira.
De quem é a responsabilidade, então?
A responsabilidade é do Trump. Ponto. O que que eu diria: o Trump se aproveitou dessa conversa, que o Eduardo Bolsonaro fez lá nos Estados Unidos para fazer o movimento dele. Para, digamos, colocar pressão de natureza política e ideológica no Brasil. Aí foi outro erro dele. Mais de 70% dos brasileiros estão aplaudindo o que o Lula tem feito. Fora disso, eu diria que seria uma especulação que ninguém consegue responder. E apesar disso tudo, o Brasil está negociando. A questão central não é o Bolsonaro, a questão central são os interesses norte-americanos, que não respeitam ninguém. É dinheiro. Já tem gente dizendo que a ação lembra um golpe de estado, porque vai procurar desestabilizar o governo Lula para depois, em 2026, colocar um legítimo representante norte-americano no governo do Brasil.