Em mais um passo de sua estratégia para diversificar seu negócio e reduzir a dependência dos ciclos do mercado de ações, a B3 está apostando alto em um mercado que tem um potencial de R$ 10 trilhões (isso mesmo: o número não está errado): trata-se das duplicatas escriturais.
Nesta sexta-feira, 25 de julho, a B3 está lançando sua principal aposta no segmento de duplicatas. Batizada de Monitor de Recebíveis, a nova plataforma vai concentrar os dados das duplicatas escriturais do país.
O mercado, de fato, é gigante. Estima-se que os R$ 10 trilhões representem o total de notas fiscais emitidas. Mas apenas entre 10% e 15% são antecipados por diversos problemas.
“Quando houver uma melhor formalização e o financiador (geralmente bancos e gestores de FIDCs) tiver segurança, essa taxa tende a melhorar”, afirma Humberto Costa, diretor de Produtos de Balcão na B3, em entrevista ao NeoFeed.
Historicamente, o mercado de duplicatas funcionava de forma pouco padronizada, com documentos físicos ou digitais sem registro centralizado, o que abria espaço para fraudes, falta de transparência e altos custos operacionais.
Na prática, uma mesma duplicata podia ser utilizada mais de uma vez como garantia de crédito, sem que os financiadores tivessem visibilidade sobre isso.
Com a duplicata escritural, esse processo passa a ser digital e registrado em entidades autorizadas pelo Banco Central, com rastreabilidade, reconhecimento eletrônico da dívida e uma base interoperável que permite a todos os agentes enxergarem o histórico e a validade dos títulos.
A centralização das duplicatas, que vem sendo construída desde a Lei 13.775/2018, será obrigatória a partir de 2027, com cronograma escalonado conforme o porte das empresas. Regulada pelo Banco Central, a estrutura da duplicata escritural foi desenvolvida para combater fraudes e dar mais segurança às operações de crédito.
Esse não é um mercado exatamente novo para a B3, que já atua como registradora de duplicatas mercantis e, mais recentemente, de duplicatas escriturais. Mas é com o avanço das tecnologias de análise de risco e a centralização das informações em uma base interoperável que Costa acredita ser possível destravar o verdadeiro potencial do setor.
“A duplicata ainda é uma esteira muito manual no mercado. Com o Monitor de Recebíveis, queremos entregar automação, inteligência e um ambiente mais moderno para todos os elos da cadeia”, afirma Costa.
Embora a plataforma já esteja disponível para o mercado, o volume de dados ainda é limitado. Isso porque a estrutura de escrituração da B3 aguarda aprovação formal do Banco Central para operar plenamente dentro do novo modelo.
Trata-se de uma fase de testes e homologação técnica, prevista na própria Convenção das Duplicatas Escriturais, que estabelece os critérios para que as plataformas sejam integradas ao novo sistema interoperável.
Nessa etapa, as instituições precisam demonstrar que suas soluções são compatíveis com os padrões técnicos exigidos pelo Banco Central, antes de serem oficialmente habilitadas como escrituradoras no modelo definitivo.
“A partir do momento em que houver essa aprovação, o sistema entra em funcionamento com carga total e a base de dados passa a ganhar escala”, afirma Costa.
Embora esse mercado tenha potencial de movimentar o dobro da soma do valor de mercado de todas as empresas listadas na bolsa, a B3 não estará sozinha.
Outras entidades autorizadas pelo Banco Central — como a CERC, a TAG Registradora e a Núclea (antiga CIP) — também atuarão como escrituradoras, responsáveis por centralizar as ofertas de duplicatas escriturais em suas respectivas plataformas. Todas elas estarão conectadas a uma base interoperável, com acesso mútuo às informações, mas caberá a cada uma agregar valor ao processo.
Para se diferenciar da concorrência, a B3 aposta na inteligência de dados e na automação da esteira de crédito como seus principais trunfos.
O Monitor de Recebíveis dará acesso ao histórico de pagamentos das empresas, frequência de compras, comportamento de sacados e cedentes, vínculos societários e tipo de nota fiscal — se é de serviço ou mercadoria, por exemplo.
Essas informações poderão ser integradas aos modelos proprietários de crédito usados por bancos e gestoras, ampliando a capacidade de análise e a precisão na precificação do risco.
“Isso deve contribuir para a redução dos juros cobrados nas operações, que é o objetivo do Banco Central, já que o financiador terá mais informações sobre essas empresas”, afirma Costa.
Parte da tecnologia embarcada na plataforma, segundo ele, é proveniente da Neurotech, especializada em inteligência artificial e modelos preditivos de risco e adquirida pela B3 em 2022 por R$ 619 milhões, podendo chegar a R$ 1,1 bilhão com os pagamentos de earn-out.
Para viabilizar o acesso às informações e garantir a segurança das operações, a plataforma da B3 funciona com base em dois mecanismos centrais: o opt-in e o aceite do sacado, recursos previstos na estrutura regulatória da duplicata escritural.
No primeiro, a empresa cedente autoriza previamente os financiadores a enxergarem suas duplicatas assim que forem emitidas. Já o aceite do sacado — ou seja, da empresa que contratou o serviço ou comprou o produto — confere validade adicional ao título, atestando que aquela dívida realmente existe.
Além de uma maior homogeneidade nas informações das empresas, Costa também espera impactos na originação, já que a base de dados será compartilhada entre os agentes autorizados. Essa divulgação mais ampla das operações, segundo ele, tende a aumentar a competição entre os financiadores — o que, na prática, também pode contribuir para taxas de juros mais baixas.
Costa explica que caberá à própria empresa decidir com quais financiadores deseja operar, por meio de um sistema de opt-in de autorização prévia. “A empresa autoriza previamente quais financiadores podem acessar suas duplicatas, e, a partir desse momento, toda nota fiscal emitida já entra automaticamente na base visível para esses agentes”, afirma.
A rentabilização da plataforma, explica Costa, virá da comercialização do acesso aos dados e funcionalidades, principalmente voltadas a bancos e gestoras de FIDCs. Segundo ele, a ideia é que a B3 esteja presente em toda a esteira do crédito, desde a emissão da duplicata até sua liquidação, entregando valor agregado suficiente para justificar a cobrança pelo uso da plataforma.
Diversificação é o negócio
A diversificação do negócio tem sido o principal fator por trás da resiliência da receita da B3 nos últimos anos. Essa estratégia ganhou tração especialmente nos últimos anos, com as aquisições da Neurotech e da Neoway, que, somadas, podem superar os R$ 3 bilhões.
Mesmo com uma queda próxima de 25% nas receitas atreladas ao mercado — que incluem ações, derivativos e balcão —, a companhia tem conseguido manter o nível geral de faturamento relativamente estável.
Em 2021, esses segmentos respondiam por 88% da receita total, que foi de R$ 2,667 bilhões no primeiro trimestre. Já em 2025, a participação caiu para 77%, dentro de um faturamento total de R$ 2,657 bilhões.
No mesmo período, a linha de tecnologia e dados avançou e já representa R$ 720 milhões da receita, mais que o dobro do registrado quatro anos atrás. É nesse espaço que a B3 aposta suas fichas para o futuro: menos dependência dos volumes negociados na bolsa e mais presença em toda a esteira do crédito, infraestrutura e dados financeiros.
Essa maior variedade de negócios é o que tem animado analistas do Itaú BBA para o resultado deste ano, com projeção de um crescimento de receita de um dígito médio a alta.
"Continuamos vendo a B3 bem diversificada, o que ajuda a compensar eventuais mudanças negativas no mercado e no volume geral de ações. Espera-se que os segmentos de derivativos e renda fixa mantenham um ritmo saudável de crescimento à medida que o mercado evolui e a B3 lança novos produtos", afirmam em relatório.
Avaliada em R$ 68,1 bilhões, os papéis da B3 valorizam-se 27,1% em 2025.