O acordo comercial fechado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, com o primeiro-ministro japonês Shigeru Ishiba, anunciado na Casa Branca na noite de terça-feira, 22 de julho, abriu uma nova frente na política comercial de Trump, com duas consequências.

De um lado, consolidou a estratégia do presidente americano de impor incialmente tarifas de importações extorsivas aos parceiros comerciais dos EUA, para negociar depois um acordo por meio do qual Trump obtém concessões e, de quebra, tarifas mais elevadas dos parceiros do que antes da primeira ameaça.

Por outro, mostrou que a percepção de que o Japão, entre os países com superávit comercial com os EUA, obteve o “melhor acordo” – ou, na prática, o “menos pior acordo” – indica que a abordagem agressiva de Trump está não só se consolidando como produzindo resultados tangíveis.

No acordo fechado na Casa Branca, o país asiático passa a pagar 15% de tarifas, menor do que os 25% impostos por Trump no início do mês, mas acima dos 10% incialmente previstos. O fato de Ishiba ter comemorado “o melhor acordo” indica que as taxas elevadas impostas pelos EUA são o “novo normal”.

Neste sentido, o presidente americano – que na véspera já havia obtido das Filipinas um acordo comercial amplamente vantajoso para os EUA – passa um recado para os países que ensaiam algum tipo de resistência à sua estratégia, como é o caso da União Europeia e, em particular, ao Brasil: o rolo compressor das tarifas não só vai continuar como tende a aumentar o cacife de Trump na mesa de negociações.

A política comercial de Trump ficou clara desde 2 de abril, no chamado “Dia da Libertação”, quando anunciou a imposição de 10% de tarifas como base mínima – algo inédito nas relações dos EUA com os parceiros comerciais.

A reação inicial negativa do mercado financeiro americano e o temor de incerteza econômica global fizeram Trump recuar, suspendendo a adoção imediata ou abrindo caminho para uma negociação. Mas os 10% mínimos jamais foram revisados para baixo.

Por outro lado, o presidente americano jamais deixou de ameaçar os parceiros comerciais, optando por uma tática diversionista – agregando tarifas extorsivas a diferentes países, obrigando-os a abrir um canal próprio de negociação com a Casa Branca.

Os mais de três meses de incerteza no cenário mundial por causa da ameaça das tarifas, com avanços e recuos de Trump, curiosamente, acabaram ajudando o presidente americano a consolidar sua estratégia.

Na prática, Trump venceu pelo cansaço, obrigando o setor produtivo a partir para a reação, em vez de ficar esperando uma definição da política tarifária, que varia de um setor para outro por causa da dependência de importação de inúmeros países.

Com isso, produtores globais anteciparam compras e redirecionaram mercadorias destinadas aos EUA por meio de países terceiros sujeitos a tarifas mais baixas.

Essa resiliência diante de uma incerteza econômica pouco vista anteriormente nos EUA acabou abrindo caminho para um “novo normal” – no qual todos buscaram a se adaptar às circunstâncias.

Novo cenário

Vários indicadores reforçam esse novo cenário, dentro e fora dos EUA. De acordo com o J.P. Morgan, a economia mundial cresceu a uma taxa anual de 2,4% no primeiro semestre deste ano.

Os volumes de comércio estão aquecidos, os mercados de ações de ambos os lados do Atlântico se recuperaram para níveis recordes e as previsões de crescimento da Europa à Ásia estão sendo elevadas. Nos EUA, em especial, famílias e empresas continuaram gastando e investindo, apesar da incerteza.

Enquanto isso, as tarifas seguem arrecadando somas significativas para o Tesouro, sem retaliação contra os exportadores americanos. Com mais de US$ 100 bilhões arrecadados até agora neste ano, cerca de 5% da receita federal dos EUA vem de tarifas, contra 2% normalmente.

O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, acredita que a arrecadação tarifária anual será de US$ 300 bilhões. É um valor muito abaixo do arrecadado com impostos de renda, mas os efeitos negativos, por enquanto, estão sendo empurrados para debaixo do tapete.

O dólar despencou no primeiro semestre deste ano, perdendo 10% de seu valor em relação a uma cesta de moedas internacionais. Isso aumentará o custo das importações, além das tarifas.

Em algum momento, os consumidores americanos pagarão uma grande parte dos preços pelos produtos importados sobretarifados. Mas nada indica que Trump deve recuar. Pelo menos por enquanto, quando percebe que sua abordagem agressiva está dando resultados.

O acerto com Japão reflete essa nova etapa da política comercial do presidente americano, que mostrou habilidade política e muito oportunismo.

Em carta enviada no início do mês, Trump havia ameaçado elevar as tarifas ao Japão de 10% para 25%. A reação inicial do governo japonês indicava uma negociação dura. O ministro das Finanças japonês descreveu a reserva de US$ 1,1 trilhão em títulos do Tesouro dos EUA, a maior do mundo, como uma "carta" que poderia ser colocada na mesa.

A expectativa era de que o Japão poderia ter esperado como os mercados internacionais reagiriam quando as tarifas mais duras de Trump para uma série de países entrassem em vigor, em 1º de agosto.

A fraqueza política interna do primeiro-ministro japonês, porém, o obrigou a fechar um acordo rápido. Ishiba chegou pressionado na Casa Branca, após sua coalizão perder várias cadeiras no Parlamento nas eleições parciais de domingo, que colocaram seu cargo em perigo.

No fim, o primeiro-ministro comemorou o resultado obtido, pois conseguiu uma concessão do presidente americano: a imposição ao gigante asiático de uma taxa fixa de 15% sobre as exportações de automóveis, que representam quase 30% das remessas do Japão para os EUA, em vez da taxa setorial de 25% que Trump tem cobrado de todos os países.

Mesmo assim, Trump não abriu mão de 50% de taxa sobre aço e alumínio.