Uma novela que está prendendo o setor de telecomunicações ao passado está perto de chegar ao fim.

Na manhã desta quarta-feira, 11 de setembro, o Senado pode ser o palco dos capítulos finais de uma trama que vem sendo encenada desde 2015.

A Comissão de Ciência e Tecnologia da Casa deve votar o PLC 79/16, que altera a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), em vigor desde julho de 1997, uma legislação ultrapassada e que concentra as principais obrigações e investimentos das empresas de telefonia no telefone fixo.

Se aprovado, o texto deve ir ao Plenário nesta tarde e, se mais uma vez for aprovado sem modificações, será encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro para sanção.

O projeto chega a esse estágio depois de uma tramitação de quase quatro anos no Congresso. O texto tem origem no PL 3453, apresentado em outubro de 2015 e aprovado em caráter terminativo em dezembro de 2016.

Encaminhado para sanção presidencial dois meses depois, o projeto retornou ao Congresso na sequência, em função das contestações de parlamentares de oposição. E só voltou à pauta, de fato, nos últimos meses.

No centro de uma demanda antiga das operadoras, o PLC 79/16, traz, entre suas principais mudanças, a migração dos serviços de telefonia fixa do regime de concessão para o modelo de autorização.

Na prática, as empresas que atualmente se enquadram nessa modalidade – Telefônica, Vivo, Algar e Sercomtel – deixariam de ser obrigadas a destinar, por conta de metas de universalização, uma parcela considerável de recursos para serviços pouco demandados atualmente.

É o caso, por exemplo, da instalação e manutenção de orelhões em suas áreas de concessão. A ideia é que esses investimentos possam ser redirecionados para a expansão da infraestrutura de banda larga do País.

Estudo estima que o governo poderia ter de indenizar as atuais operadoras em R$ 22 bilhões em 2025, caso o modelo atual de concessão seja mantido

“A legislação atual foi feita há mais de 20 anos, em uma época que a telefonia fixa era considerada um serviço essencial, como água ou luz”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, especializada em telecomunicações. “A lei é anacrônica e preserva um serviço que ninguém quer e que só traz um alto custo regulatório para as teles e atrasos ao País.”

Bens reversíveis

Outra questão incluída no texto são os bens reversíveis. Eles incluem uma gama extensa que compreende desde imóveis até qualquer mínima estrutura responsável pelo serviço de telefonia fixa.

Sob as regras atuais, esses ativos, uma herança da época das privatizações, deveriam ser devolvidos pelas operadoras à União em 2025, ano que marca o fim das concessões do serviço.

Já o PLC 79/16 estabelece a incorporação de boa parte desses ativos pelas operadoras que aderirem ao modelo de autorização. Em contrapartida, seriam definidas metas de investimento em banda larga para essas teles, especialmente em regiões do País nas quais hoje esse tipo de infraestrutura é precário ou inexistente.

O tema é cercado de polêmicas. De um lado, os críticos alegam que as operadoras estariam ganhando de presente bens que pertencem à União. E cujo valor de patrimônio poderia chegar a R$ 105 bilhões, segundo cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU).

Já para aqueles que enxergam a proposta sob um viés positivo, há outros componentes em jogo. Em especial, o fato de as concessões em questão se encerrarem em 2025.

“A União teria que fazer uma nova licitação para um serviço deficitário, pelo qual ninguém se interessa”, diz Renato Pasquini, diretor-geral da consultoria Frost & Sullivan. “Ou teria de volta uma infraestrutura de cobre, velha e sucateada.”

Tude, da Teleco, acrescenta: “Retomar esses ativos não faz sentido”, afirma. “Sem esse expediente, com o fim da concessão, o governo vai perder a chance de trocar esses bens por investimentos em infraestrutura.”

Uma pesquisa da consultoria Accenture, obtida pelo site Teletime, coloca outros aspectos nesse pacote. O estudo estima que o governo poderia ter de indenizar as atuais concessionárias de telefonia fixa em R$ 22 bilhões em 2025, caso o modelo atual de concessão seja mantido.

As projeções da EY  indicam um impacto positivo de R$ 58 bilhões na economia

Segundo a Accenture, essa seria a conta dos bens reversíveis não-amortizados. A consultoria destaca ainda que a União, a partir de 2025, teria que prestar um serviço cuja concessão é deficitária.

Impacto

Outros números estabelecem um contraponto às críticas formuladas ao projeto de lei. Com a aprovação do texto, a Frost & Sullivan projeta que os acessos de banda larga fixa passem de 28,4 milhões, no ano passado, para 43,2 milhões em 2023, na esteira dos investimentos nessa infraestrutura.

Sem a aprovação, o País teria 37,6 milhões de acessos de banda larga fixa em 2023. A consultoria prevê que os efeitos desse cenário começariam a ser percebidos no fim de 2020.

“O PLC 79/16 é o oxigênio para que essa indústria seja repaginada”, diz José Ronaldo Rocha, gerente sênior de consultoria da EY. “Nós estimamos que os investimentos anuais do setor, hoje na casa de R$ 28 bilhões, cresceriam cerca de 20% já no ano seguinte à aprovação.”

As projeções da EY vão além das injeções de recursos no setor. Segundo a consultoria, esse cenário traria um impacto positivo de R$ 58 bilhões na economia. “Há benefícios indiretos e efeitos multiplicadores nas cidades que vão receber esses investimentos em infraestrutura.”

Além de ampliar a capacidade de investimentos, as fontes consultadas pelo NeoFeed destacam que esse novo contexto traria maior segurança jurídica ao setor, especialmente no que diz respeito à possibilidade de venda de ativos hoje restritos por conta da questão dos bens reversíveis.

Dona da maior área de concessão de telefonia fixa, a Oi ganharia fôlego nesse processo

E a maior beneficiada nesse cenário seria a Oi, que está em recuperação judicial e encontra dificuldades para se reerguer. Dona da maior área de concessão de telefonia fixa, com abrangência praticamente em todo o País, a operadora ganharia fôlego nesse processo.

“A Oi precisa atrair capital e ninguém vai se interessar pela empresa se não tiver liberdade e certeza de onde pode investir”, afirma Pasquini, da Frost & Sullivan.

Ele acrescenta que a sobrevivência da tele não depende da aprovação do PLC. “Mas esse é um ponto fundamental, pois a estratégia de buscar eficiência para reverter o cenário e voltar ao jogo tem um limite.”

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