O mercado de emissão de dívidas ficou adormecido em boa parte do primeiro semestre de 2023. Mas, depois da turbulência provocada pelos eventos Americanas e Light, no início do ano, a demanda por títulos corporativos voltou. Segundo dados da Anbima, em junho e julho, foram a mercado R$ 64,6 bilhões em títulos de renda fixa – 40% de toda a emissão do ano.

O que anima o mercado de assets e wealth management é que, colada às emissões na casa dos R$ 5 bilhões, como as da TIM e da Aegea, há um movimento forte para emissões menores e menos óbvias em razão da demanda reprimida.

O NeoFeed conversou com oito boutiques que fazem emissões de pequenas e médias empresas que querem ir a mercado. Elas trabalham com originações menores que as feitas pelos grandes bancos. Todos demonstram otimismo com este segundo semestre.

Na Manchester, por exemplo, um escritório de assessoria de investimento com R$ 15 bilhões sob custódia, mesmo com o cenário adverso houve sete operações de janeiro a junho, totalizando R$ 380 milhões. Mas muita coisa ficou parada e agora está a ponto de destravar.

A empresa está com 12 mandatos em andamento, que somam mais de R$ 1 bilhão. Muitas são empresas que estão vindo a mercado pela primeira vez - uma das especialidades da casa.

“No primeiro semestre, as emissões AAA estavam pagando prêmios muito gordos, o que obrigaria as empresas menores a emitirem a taxas absurdas. Aí o empresário desistia”, diz Guilherme Cavallin, head de crédito, mercado de capitais e M&A da Manchester Investimentos. “Agora, com a volta da normalidade, o que ficou represado está saindo e mais gente está se animando a ir a mercado.”

Na AVIN Capital, braço de mercado de capitais do escritório de investimento Acqua Vero, que atende empresas com receita entre R$ 50 milhões e R$ 1 bilhão, a expectativa também é muito grande com 160 operações originadas que podem se converter em emissões.

“Temos escritórios em grande parte do Brasil e surgem várias possibilidades de deals, mas, com o mercado ‘seco’, pouca coisa andou”, afirma Renato Mekbekian, diretor de distribuição da AVIN. “Agora mudou. Ainda este ano vamos fazer mais quatro ou cinco emissões totalizando R$ 500 milhões. E muita coisa do setor imobiliário e do agronegócio, que demandam capital e que também há grande apetite no mercado”.

Agronegócio e imobiliário dão push

Se teve um segmento no mercado que pouco parou durante o estresse do primeiro semestre foi o agronegócio, com os Fiagros, fundos especializados em crédito do agronegócio. O lançamento do novo produto criou uma demanda adicional para o setor, que é altamente dependente de capital, o que tem gerado várias emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).

De acordo com a Anbima, foram emitidos cerca de R$ 18 bilhões de CRAs até julho deste ano, 30% a menos do que no mesmo período do ano anterior. Mas grande parte dessas emissões foram para os Fiagros, que já somam R$ 14 bilhões sob gestão, um crescimento de 60% em relação ao fim do ano passado.

“O middle market está voltando ao mercado e o agro tem movimentado isso porque são empresas que tem grande demanda de capital, e esses títulos tem sido absorvido pelos Fiagros”, afirma Mathias Teixeira, diretor de originação da Ecoagro, uma das maiores securitizadoras do agronegócio brasileiro. “Nos últimos três meses, vimos R$ 4 bilhões de emissão por mês. E a expectativa é que, em agosto e em setembro, os pedidos de emissão aumentem muito com o novo cenário.”

Quem também está de olho nesse segmento é o Grupo Nexgen, do escritório de Investimento da XP em Goiás especializado no agronegócio, que fez recentemente a emissão do CRA de R$ 300 milhões do Grupo José Alves e está com um pipeline de R$ 450 milhões para os próximos três meses.

“Acreditamos que podemos dobrar as originações neste segundo semestre. Há uma enorme demanda por CRA pela sua isenção de imposto e o crescimento dos Fiagros. Mas a indústria tem tido uma aceitação grande desse produto, como fundos e Family Offices”, diz Lincoln Guabajara, diretor de Investimentos da Nex Gestão.

Movimento semelhante acontece no setor imobiliário, com os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Segundo dados da Anbima, cerca de R$ 17 bilhões foram emitidos este ano, número modesto comparado com os R$ 24 bilhões do mesmo período do ano anterior.

Mas a perspectiva é que muito mais empresas venham captar agora no segundo semestre. E há demanda com o crescente mercado de fundos imobiliários. Segundo dados da CVM, 14 novas emissões de fundos imobiliários estão em análise, e somam mais de R$ 4 bilhões.

“Estamos vendo a volta das captações nos fundos imobiliários, e isso vai gerar uma grande demanda por títulos, o que diminui os spreads das captações. E isso é muito positivo para as empresas que querem emitir, porque vão conseguir captar a taxas bem vantajosas”, afirmou Odilon Costa, head de renda fixa da SWM.

O papel da queda da Selic

A perspectiva de uma queda da taxa básica de juros mais acentuada depois da última decisão do Copom é um dos fatores que está puxando a demanda represada no mercado por ativos de crédito. “Sem dúvidas, a queda das taxas de juros é uma sinalização muito positiva para essas empresas de que elas podem emitir sem ficarem sufocadas”, afirma Teixeira, da Ecoagro.

No jargão do mercado, a curva de juros está fechando. Se até pouco tempo uma emissão AAA estava captando a IPCA + 7%, agora o faz a IPCA + 5%. Além disso, já está sendo possível emitir para prazos menores e indexado ao CDI, o que é mais previsível para as empresas. E à medida que o juro vai caindo, o prêmio acompanha e fica menor para o investidor.

“Os clientes e o mercado em geral voltaram a ficar mais confortáveis com o crédito privado depois do estresse no início do ano. Os spreads se regularizaram também. Agora, muita gente está comprando esse ativo, pois estava sublocado e porque será preciso adicionar mais riscos para manter a rentabilidade com a queda dos juros”, afirma Felipe Higashino, portfolio manager de renda fixa da G5 Partners.

Quando a Americanas e a Light pediram recuperação judicial, duas grandes empresas tidas como exemplos de estabilidade, os investidores fugiram do crédito. O resgate a fundos foi enorme, e os gestores precisaram vender títulos de grandes empresas a preços de banana.

Nessa confusão que se transformou o mercado secundário, algumas gestoras aproveitaram os prêmios gordos para comprar as melhores empresas. Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, contou ao NeoFeed que conseguiu comprar bons títulos para seus fundos.

Um exemplo foi a debênture de uma empresa de linha de transmissão de energia, triplo A, que é o tipo de crédito de mais alta qualidade, pela previsibilidade de receita da companhia, pagando IPCA + 8%, isento de imposto de renda e com duration de quase uma década.

Nos últimos meses, o mercado se normalizou, e a prova foram as últimas emissões a taxas bem competitivas. E ao que parece, o empresariado e o mercado de capitais não querem deixar essa janela de oportunidade passar. E os investidores ganham opções.

“Com certeza teremos um segundo semestre bem animado em emissões, mas talvez menor do que no ano passado. Mas vemos um risco retorno favorável ainda no crédito, mas agora vai ser preciso ser mais seletivo para ver onde estão os bons retornos”, conclui Odilon Costa, da SWM.