Semana retrasada, a história se repetiu. Tive um encontro com um CEO de uma empresa de tecnologia que tinha acabado de receber um grande aporte de um fundo de private equity. A questão central da nossa conversa já estava virando rotina.

Como manter a cultura com um crescimento tão acelerado, gente nova chegando e novas pressões do board? E mais: qual é o papel daquele CEO nisso tudo?

A reposta que o head de people estava propondo era a contratação de uma consultoria para fazer o book de cultura, um documento onde missão e valores seriam formalizados, quase uma Bíblia do que a empresa acredita e como quer se comportar.

Não sou contra esse tipo de trabalho. Ele tem sim o seu valor. Mas para mim cultura e valores são temas muito mais profundos do que um documento tenta tangibilizar. Observe as atitudes de Volodymyr Zelenskiy, o presidente da Ucrânia.

Desde 24 de fevereiro, o mundo foi sacudido por algo impensável. Uma guerra entre Rússia e Ucrânia, dois países da Europa tão desiguais em poderio militar, que traz momentos sombrios que desde a década de 1940 fazemos de tudo para esquecer.

No meio de mortes, mísseis, bombas, dor e angústia Zelenskiy, com olhos vermelhos, barba por fazer em frente à residência presidencial em Kiev, postou em seu Twitter um vídeo que tem circulado pelo mundo desde a última sexta-feira, 25 de fevereiro.

Misturando dignidade, força e uma dose de pragmatismo, Zelenskiy disse, respondendo a uma proposta dos EUA para retirá-lo de Kiev, que precisava era de munição e não carona. A frase, desde então, se tornou célebre.

De comediante a presidente, em uma história de digna de um roteiro de Hollywood, Zelenskiy vem oferecendo ao mundo lições preciosas de liderança, que servem de inspiração a líderes de todas as organizações. Incluindo aquele CEO que precisa consolidar a cultura na sua empresa de acelerado crescimento.

Penso que lideranças e cultura realmente se revelam em momentos difíceis. São nesses momentos em que a onça bebe água que comprovamos se o tal book ou os famosos “Powerpoints” param em pé. E se o líder é quem ele diz ser.

Se você, como aquele CEO, quer fortalecer a cultura da sua empresa, Zelenskiy no meio do caos nos ensina três pilares que vale a pena refletir.

1) Apareça

Na crise, seus colaboradores precisam te ver muito mais. Foi assim que em um vídeo, dois dias depois da invasão da Rússia que o presidente da Ucrânia fortaleceu o senso de orgulho e união dos ucranianos. Comunicação constante é fundamental para manter o moral, crença e energia elevadas.

2) Lidere pelo exemplo

Não adianta escrever uma coisa e depois agir de forma diferente. Conheço vários CEOs que, na crise da pandemia do novo coronavírus, evaporaram todo o discurso de foco no cliente e nos colaboradores, tomando decisões agressivas que acabaram dilapidando o engajamento.

Quando Zelenskiy disse que não ia fugir da guerra, recusando convite americano para o exílio, ele reforçou ainda mais a resistência dos ucranianos, mesmo diante de um inimigo tão mais poderoso.

3) Seja transparente e não subestime a audiência

Muitas vezes, líderes tentam perfumar notícias difíceis, quase que ignorando a inteligência dos seus colaboradores. Ao contrário de Putin, que aparece monocromático e frio em seu gabinete cercado de telefones do século passado, Zelenskiy representa nas suas comunicações o medo, a dificuldade e a esperança que habilita o coletivo ucraniano.

Tenho a convicção que o atalho para a credibilidade e confiança de qualquer time é a transparência. Transparência conecta e as pessoas entregam muito mais quando estão verdadeiramente conectadas (nas guerras e nos negócios).

Em momentos difíceis que a pandemia trouxe a quase todas as empresas tivemos exemplos de como liderar nas incertezas e de como destruir. Os casos mais famosos correram o mundo.

O exemplo positivo foi a carta enviada pelo CEO da Airbnb, Brian Chesky, comunicando a necessidade de demitir milhares de pessoas, mas fazendo de uma forma que os afetados recebessem essa triste notícia com respeito, dignidade e ações remediadoras.

Já Vishal Garg, CEO da empresa de empréstimo Better.com, que ironia, demitiu 900 colaboradores via o aplicativo de videoconferência Zoom e foi o tirano que acabou sofrendo do próprio veneno.

É lógico que, como todo ser humano de bom senso, quero que a guerra acabe. Aliás, gostaria que ela nunca tivesse começado. Mas aprendi que mesmo em uma situação tão difícil podemos aprender algo valioso, que nos faz repensar o que queremos ser, transmitir e deixar como herança para os outros.

Zelenskiy, procurando sobreviver e negociar o destino dos ucranianos, tem dado ao mundo lições inesquecíveis de liderança. Que a guerra termine e que as suas lições permaneçam. Liderança não é sobre o que falamos, mas sim o que nossas atitudes provocam nos sentimentos e ações das pessoas. Pensando e agindo assim, na crise ou no vento bom, o mundo vai retribuir.

*Sergio Chaia atua como coach de CEOs, empreendedores e atletas de alto rendimento. Foi chairman da Óticas Carol e CEO da Nextel. Atua como conselheiro da Daus e da Ri Happy. É também conselheiro e educador do Instituto Ser + , uma ONG voltada à recuperação de jovens em situação social de risco preparando sua inserção no mercado de trabalho. Autor do livro “Será que é possível?”