Não há qualquer traço de afetação em Claude Troisgros. Um dos mais renomados e inventivos chefs em atividade no país, recebeu a reportagem da NeoFeed em meio ao corre-corre de mais de um dia trabalho. Suado, de camiseta polo desbotada e calça jeans, o francês atravessou o saguão do restaurante Le Blond, inaugurado no ano passado, no Leblon, trazendo debaixo do braço uma tampa de uma pizza e um saco de biscoito polvilho.

Logo se soube do que se tratava. Ele havia, enfim, achado a tampa ideal para distribuir as suas pizzas, as mais originais do país - e que compõem o cardápio do CT Brasserie, no shopping Village Mall, na Barra. Quem mais teria a audácia de entregar pizzas nos sabores Vatapá, Escondidinho e Spaghetti à Bolonhesa?

A pizza, aliás, não é a primeira das instituições sagradas subvertidas por Claude. Ele também quer fazer frente a um dos patrimônios do Rio de Janeiro: o biscoito Globo. Para isso, fechou parceria com uma marca mineira, a Nazinha, fundada nos anos 1980 e que abastece a região metropolitana de Belo Horizonte com um dos melhores biscoitos de polvilho da região. A fábrica, com capacidade de produzir 300 toneladas de biscoito por mês, vai receber ainda mais investimentos.

Biscoito Globo: uma instituição carioca

Tudo para atender os planos de Claude, que são mais ambiciosos. Foram dois anos desenvolvendo essa linha de produtos em cima do biscoito, que ele não pretende levar apenas às praias do Rio para fazer frente ao concorrente centenário. O francês quer seu biscoito circulando por todo o litoral brasileiro e nas praças urbanas, vendidos em redes de supermercados, pequenos armazéns e onde for possível.

Se for levado em conta os sabores de biscoito desenvolvidos por Claude - Ervas de Provence, Hot Curry, Chocolate, Queijo Pecorino Romano e Original com Sal Marinho -, o mercado é, de fato, muito amplo. “É curioso que muita gente coma polvilho sem saber, seja na tapioca, no pão de queijo ou mesmo no sagu. Então pensei em dar mais alegria para o biscoito acrescentando ingredientes que fazem parte do meu dia a dia”, diz Claude.

Os pacotes de 50 gramas serão vendidos por R$ 5 a unidade. Por não conter glúten, Claude está de olho no imenso mercado de salgadinhos, consumido por milhões de crianças e considerado pelos pais os vilões da boa alimentação. Como a história do polvilho tem início na plantação e extração de mandioca, o mais brasileiro dos alimentos - e riquíssimo em fibras -, Claude está alinhado com sua tradição como chef de cozinha, de sempre valorizar produtos nacionais sem se descuidar da qualidade.

Expansão

Na contramão da crise, que afetou sobretudo o Rio de Janeiro, onde mora desde 1979, Claude não para de empreender. Ele reconhece as dificuldades, mas segue otimista. “Estamos no buraco, não me lembro de uma fase tão ruim, mas, por outro lado, tenho certeza de que a crise, como tudo na vida, vai passar. E quero estar pronto para quando as coisas começarem melhorar”, diz.

Os seus dramas são outros. Há anos, ele tenta resistir a cada vez mais inevitável expansão de seus negócios. Já transformado num carioca da gema, Claude sempre recusou convites para comandar filiais fora da cidade. Abriu apenas uma exceção, ao aceitar ser sócio do também chef Emmanuel Bassoleil no restaurante Roanne, em São Paulo. A experiência se mostrou traumática. Além de sofrer com a política econômica do governo Fernando Collor, Claude teve de abdicar, por causa da ponte área, do maior de seus prazeres: viajar de moto pelo Brasil.

As aventuras de Claude estão ameaçadas desde que os seus dois filhos, Thomas e Carolina, começaram a estudar a hipótese de levar os restaurantes do grupo para as principais capitais do país. São pelo menos dois convites por semana para abrir estabelecimentos em outras praças. Thomas comanda com mãos de ferro o Olympe, fundado há mais de trinta anos pelo pai, que, sob o comando do primogênito, ganhou uma estrela no Guia Michelin. Carolina cuida há muitos anos da parte administrativa dos restaurantes.

Perguntado se, desta vez, vai ceder à pressão e começar, enfim, o processo de expansão de seus restaurantes, Claude coça a cabeça. “Eu sempre resisti muito a essa ideia, porque no fim sabia que, mesmo com os filhos tomando conta, iria sobrar para mim”, diz Claude. “Mas agora é diferente. Estou ficando velho e, mesmo se eles resolverem me ligar de São Paulo, não vou conseguir atender. Não tem sinal em Catimbau (PE)”.

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