Em um vídeo no seu canal no YouTube, em que se apresenta, a Jive Investments diz de si própria: “a gente compra problemas, resolve esses problemas e vende os ativos sem problemas.”

Foi com essa premissa que a gestora foi fundada, em 2010, ao comprar a carteira de crédito do Lehman Brothers no Brasil, o banco americano que quebrou em 2008 após o estouro da bolha imobiliária americana e que está na origem da crise financeira global.

Desde então, a gestora segue essa fórmula. Em geral, ela aposta dinheiro em empresas em dificuldades financeiras para tentar salvá-las e colocá-las de volta ao jogo, investindo em ativos ilíquidos e complexos como créditos não pagos, obras inacabadas, passivos ambientais, precatórios, entre outros.

Pela primeira vez, a Jive está fazendo uma aposta que não segue esse roteiro. A gestora está investindo R$ 95,2 milhões na inGaia, um marketplace do mercado imobiliário que conta com 8 mil imobiliárias e 50 mil corretores conectados.

“Estamos vendo uma rota de crescimento para a inGaia e queremos contribuir com nossa expertise financeira de investimentos e conhecimento de mercado imobiliário", diz Diego Fonseca, sócio da Jive, com exclusividade ao NeoFeed.

Com o aporte, a Jive se tornou sócia minoritária da inGaia. A rodada de investimentos ainda contou com a participação de acionistas da empresa de tecnologia que aproveitaram para colocar mais dinheiro. No total, a companhia levantou R$ 100 milhões na rodada.

A Jive, que vendeu uma fatia de 20% à XP em junho deste ano, tem R$ 8 bilhões de ativos sob gestão e, por enquanto, só recebe aplicações de investidores profissionais, aqueles que têm pelo menos R$ 10 milhões.

O investimento na inGaia é fruto de um relacionamento mais antigo entre as duas companhias. Há um ano e meio, a Jive é a parceira da inGaia em soluções para financiamento imobiliário.

Desde janeiro, os corretores que usam a plataforma podem oferecer a seus clientes um produto de crédito com garantia de imóvel, que tem por trás um fundo de R$ 400 milhões estruturado pela Jive.

Mickael Malka, presidente do conselho da inGaia

“Gostamos muito dessa parceria e dissemos a eles: o próximo passo é que vocês virem nossos sócios”, afirma Mickael Malka, presidente do conselho da inGaia.

Com a entrada da Jive, a empresa espera acelerar o seu plano de diversificação, a partir do lançamento de produtos que se beneficiem dos dados que são gerados diariamente pelas milhares de imobiliárias e pelos corretores conectados à plataforma.

“Fazia muito sentido que a gente começasse a olhar oportunidades”, afirmou Eduardo Andrade, CEO da inGaia, que é também um dos fundadores da companhia.

Além do crédito imobiliário, a companhia lançou recentemente serviços de seguro-incêndio e de garantia para locação, sempre com o intuito de deixá-los à disposição dos corretores. “Enquanto o mercado vai para uma desintermediação, queremos reintermediar”, disse Andrade, que prepara outros produtos para os próximos meses.

Fundada há 20 anos, a inGaia atua em três frentes. A primeira delas é como uma plataforma de gestão para corretores que anunciam imóveis em sites de classificados.

A segunda, como um fornecedor de tecnologia para imobiliárias que querem ter os próprios canais de vendas na internet. E, por fim, a inGaia conta com uma ferramenta de gestão para administradores de condomínios.

No ano passado, a empresa lançou a Kenlo, um spin-off que oferece soluções de digitalização para imobiliárias locais, inteligência de dados e produtos financeiros.

A inGaia não revela dados de faturamento, mas afirma que a receita deve crescer 50% em 2021. Seu modelo de negócios é o SaaS (software as a service), com uma receita recorrente por conta do serviços de tecnologia prestados às imobiliárias e aos corretores.

A companhia diz ter uma participação de 25% no mercado de provedores de tecnologia para o comércio e locação de imóveis usados, em uma competição que conta também com empresas como Superlógica, Construtor de Vendas, Imobzi e Vista.

Eduardo Andrade, CEO e fundador da inGaia

Com o investimento, o número de funcionários deve saltar de 220 para 500 até o fim do ano. O modelo focado na figura do corretor, que dá capilaridade à empresa, também foi algo que atraiu a Jive.

“Diferentemente de algumas plataformas digitais do setor, que estão só em São Paulo e no Rio de Janeiro, a inGaia está espalhada pelo país, em 26 estados”, afirma Fonseca, da Jive. “Os corretores cadastrados têm potencial para serem como os agentes autônomos da XP, na distribuição de produtos.”

Fonseca, aliás, ainda vê espaço para investir mais dinheiro na companhia. O fundo da gestora que aloca na empresa tem uma limitação de 3% de exposição a um único negócio. A inGaia, por enquanto, tem 1,5%. “Foi uma primeira aposta, mas dá para fazer bem mais”, diz ele.

A Jive, que é uma das maiores gestores de ativos distressed do Brasil, tem entre suas especialidades se envolver em disputas judiciais ligadas ao setor de imóveis, assumindo dívidas de incorporadoras que perderam ações na Justiça para clientes.

Um de seus principais casos é a incorporadora Viver, que entrou em recuperação judicial em 2016, com um passivo de R$ 1 bilhão. Dois anos depois, um fundo gerido pela Jive se tornou sócio minoritário da empresa, que estava com obras inacabadas e mais de mil apartamentos com entrega pendente.

Três anos depois, a empresa saiu do processo de recuperação judicial, já voltou a fazer lançamentos e a Jive se tornou um dos maiores acionistas da Viver, com uma fatia de mais de 25%.

O crescimento esperado para a inGaia, é claro, passará também pelo aquecimento do mercado imobiliário. Beneficiado durante a pandemia pela queda dos juros ao nível mais baixo da história, a 2% ao ano, o setor assiste agora a um novo movimento de alta da Selic, que já está em 5,25% e deve seguir subindo.

Um mês atrás, a mediana das estimativas do mercado, publicada semanalmente pelo Banco Central (BC) no boletim Focus, apontava para uma Selic a 6,5% ao fim do ano. Agora, a expectativa é de 7% e já tem instituições, como o Credit Suisse, que projetam a taxa a 8,25%, em meio à aceleração da inflação e às incertezas no quadro fiscal.

Segundo o analista Alex Ferraz, que acompanha o setor imobiliário no Itaú BBA, o aumento dos juros não costuma afetar o financiamento imobiliário no curto prazo e só deve começar a influenciar a demanda daqui a dois ou três anos.

A principal preocupação, diz Ferraz, é a falta de clareza quanto ao fim do ciclo de alta da Selic, uma vez que o mercado tem revisado as estimativas com frequência. “Será um problema se o juro passar de dois dígitos”, afirma. “Por enquanto, o cenário é positivo. Nos últimos dois meses, as incorporadoras venderam de 30% a 40% do que lançaram, o que é um ritmo saudável.”

Segundo Andrade, da inGaia, o modelo de negócios da empresa tem condições de aguentar o avanço dos juros. "Quando o crédito é escasso ou com juros altos, nossos clientes tendem a focar na locação e muitos corretores do mercado primário migram para o secundário", diz.

Já quando o crédito é farto, afirma Andrade, muitos corretores que trabalham em imobiliária empreendem para criar uma carreira solo ou suas próprias imobiliárias. "E o número de novos corretores de mercado primário explode."